Um novo plano de desenvolvimento para o turismo brasileiro

 

Gilmar Piolla

 

A pandemia de covid-19 impactou fortemente a indústria do turismo no Brasil e no mundo, colocando em xeque os conceitos até então existentes sobre o mercado e os hábitos de consumo dos viajantes. Planos e metas de retomada precisam ser revistos, sob pena de vermos os negócios, ou o que restou deles, sucumbirem à realidade dos fatos.

Ela nos mostra, até aqui, que a demanda é insuficiente para garantir a sustentabilidade dos empreendimentos atuais e dos que ainda estão por vir. Os destinos turísticos que dependem do fluxo de estrangeiros levarão alguns anos pra se recuperar. E o turismo doméstico, com o aumento da pobreza, o endividamento recorde das famílias e o encolhimento da classe média, não terá condições de assegurar resultados imediatos para todos.

É hora de reagir. Deveríamos aproveitar o momento de dificuldades para alinhavar um novo plano de desenvolvimento para o turismo brasileiro. Um plano ousado, alicerçado na expansão do setor, e que tenha capacidade de elevar a atividade turística do país a um novo patamar no pós-pandemia.

E qual seria esse plano? Passaria, evidentemente, pela reestruturação do Ministério do Turismo, que seria robustecido com a incorporação de três importantes vetores de desenvolvimento turístico e fontes geradoras de negócios, emprego e renda: 1) a gestão das áreas de uso público das unidades de conservação; 2) a gestão das áreas especiais de interesse turístico, sobretudo das águas territoriais, de mar e rios; 3) e a gestão do patrimônio histórico e cultural, em especial dos imóveis públicos antigos, museus e acervos.

Todas essas áreas, hoje fragmentadas, seriam unificadas, atuando de forma sinérgica, sob a coordenação do Ministério do Turismo, fortalecido e com um corpo técnico reforçado, tendo como perspectiva atrair investimentos privados e gerar uma nova agenda de desenvolvimento sustentável para o País.

O Brasil é um dos campeões mundiais em belezas naturais, mas tem sido incapaz de transformar toda essa riqueza em oportunidades econômicas. Os órgãos ambientais demonstraram, até aqui, pouca aptidão para fazer dos parques nacionais importantes aliados do desenvolvimento sustentável das comunidades e, ao mesmo tempo, da preservação da biodiversidade.

O mesmo podemos afirmar daqueles que zelam pelo patrimônio histórico e cultural. Não há uma política nacional de recuperação dessas construções, abandonadas e consumidas pelo tempo. Apesar de ser o décimo primeiro país com maior número de Patrimônios Culturais e Naturais Mundiais da Humanidade, declarados pela Unesco, esse tipo de turismo atrai poucos visitantes ao Brasil, justamente pela falta de investimentos e parcerias com o setor privado.

A Secretaria de Patrimônio da União – a SPU, vinculada ao Ministério da Economia, é considerada a maior imobiliária do mundo. Responsável pela gestão de 600 mil imóveis públicos federais, a SPU responde também pela gestão dos terrenos de marinha nas faixas junto aos rios e orlas marítimas. Por que não permitir que o Ministério do Turismo avalie o potencial de melhor uso dessas áreas em conjunto com Estados e municípios?

Tanto a destinação das áreas de uso público dos parques nacionais, como também os imóveis que abrigam patrimônios históricos e culturais e as áreas especiais de faixas de rios e mares, devem vir acompanhadas de um novo marco regulatório de licenciamento ambiental, de leis de incentivos ou renúncia fiscal para atrair investimentos privados.

O Brasil é um país de dimensões continentais. Por isso, o desenvolvimento do turismo doméstico e internacional passa obrigatoriamente pela ampliação da conectividade aérea. A indústria da aviação civil foi uma das mais castigadas pela pandemia. Diante dessa perspectiva, o novo plano deve contemplar uma política agressiva de redução de impostos e do chamado custo Brasil, incluindo o ICMS sobre o combustível, assim como a revisão dos benefícios fiscais destinados a fomentar a criação de hubs-and-spokes regionais.

Esse regime de hubs aéreos está sob governabilidade do Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz. Anteriores à pandemia, os critérios para criação de hubs regionais precisam ser revistos, pois são um entrave para a retomada plena do setor e dificultam a chegada das companhias aéreas de baixo custo, as low cost. Incluiria, ainda, a flexibilização das regras que hoje impedem os voos de cabotagem.

No que tange à promoção no exterior, o turismo deveria entrar na pauta das exportações brasileiras. Nossa diplomacia já deu mostras de atuar com muita competência na abertura de mercados. E tem longa tradição de negociações junto à Organização Mundial do Comércio – OMC. Por que não usar a estrutura e a capilaridade da rede de consulados e embaixadas do Itamaraty mundo afora para reposicionar o turismo brasileiro nos principais destinos emissores?

Nessa conjunção, também seria conveniente unir as expertises da Embratur e da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) não só para reerguer a imagem do Brasil no exterior como, também, promover nossas melhores atrações turísticas em mercados estratégicos. Isso exigiria uma reestruturação técnica da Embratur e da Apex-Brasil, para que atuem de forma integrada, menos institucional e mais comercial.

O turismo se sustenta da imagem. Por isso, a soma de esforços da Embratur e Apex-Brasil, juntamente com consulados e embaixadas, seria de grande eficácia para colocar nossos produtos e serviços na vitrine do turismo mundial, com campanhas inteligentes de mídia digital e ações cooperadas com agências de viagens, companhias aéreas e OTAS.

Por fim, somos o país da hospitalidade, que recebe bem seus visitantes. Mas, nesse aspecto, ainda temos muito a evoluir, devendo priorizar a qualificação da mão-de-obra, a infraestrutura de acesso, a segurança e a certificação dos destinos turísticos.

Um plano grandioso, com metas audaciosas e um novo fazimento para o turismo brasileiro. É tempo de fazer acontecer, pois como já dizia a poeta paranaense Helena Kolody, “para quem viaja ao encontro do sol, é sempre madrugada”.

 

Gilmar Piolla, jornalista, ex-secretário de Turismo, Indústria, Comércio e Projetos Estratégicos de Foz do Iguaçu.