Dilemas Contemporâneos: o chamado ético dos seres que sentem
Animal sentience: uma chamada ética animal
Por Pedro Santafé
O conceito de senciência animal transformou profundamente minha forma de enxergar o mundo. Durante muito tempo, confesso que permaneci insensível à dor de outras espécies. Embora sempre sentisse repulsa por violências explícitas — como rinhas ou caçadas —, não me comovia com a vida ao redor. Animais, aves e insetos pareciam, portanto, parte de um pano de fundo existencial, e nada além disso.
No entanto, à medida que amadureci, percebi que essa indiferença não era natural, ética animal, mas, na verdade, aprendida. E talvez, mais do que nunca, seja hora de desaprendê-la.
O que é senciência animal e por que ela importa
A senciência animal diz respeito à capacidade que os animais possuem de sentir dor, prazer, medo, alegria e sofrimento. Além disso, essa característica vai muito além de uma hipótese filosófica. Na verdade, a ciência já comprovou isso. Diversos estudos demonstram, por exemplo, que aves, peixes e até cefalópodes — como lulas e polvos — possuem sistemas nervosos compatíveis com a experiência subjetiva.
Portanto, não se trata apenas de uma questão de compaixão. É, sobretudo, um imperativo ético e científico repensar a forma como tratamos os seres que sentem. Se eles são sencientes, devemos incluí-los no nosso círculo moral.
Tradição e sofrimento: limites éticos precisam ser revistos
Práticas como vaquejadas e touradas ainda são justificadas com o argumento da tradição. Contudo, esse argumento já não se sustenta diante da evidência da dor que os animais sofrem. Assim, a tradição, se quiser permanecer viva, deve necessariamente se submeter à ética da atualidade.
Na infância, cresci no interior. Lembro, por exemplo, de caçar passarinhos, capturar borboletas e armar arapucas como se fosse brincadeira. Hoje, essas memórias me envergonham. Elas revelam, aliás, como muitos ignoravam a senciência animal, inclusive os adultos que incentivavam esse tipo de diversão.
Touradas e memória: quando a cultura esconde a violência
Durante um período em Madri, fui assistir a touradas — influenciado por Hemingway e pelo fascínio cultural. Confesso que, à época, achei o ritual estético e emocionante. Entretanto, hoje encaro aquele momento como um espetáculo de crueldade. Um show de dor, portanto, disfarçado de arte.
A boa notícia é que o debate avança. A Catalunha, por exemplo, já proibiu as touradas. Outras regiões resistem, mas, com o tempo, os argumentos corretos tendem a prevalecer.
Veja também: Dilemas éticos e morais no mundo contemporâneo
O avanço global na defesa dos animais sencientes e a ética animal
No Reino Unido, uma proposta de lei chamada Sentience Bill obriga departamentos públicos a considerarem os efeitos de suas políticas sobre animais sencientes. Além disso, instituições como a RSPCA, em parceria com Oxford, promovem conferências sobre o tema.
Ademais, a London School of Economics criou um centro exclusivo para o estudo da senciência animal, sob liderança do filósofo Jonathan Birch. O grupo tem como objetivo construir um mundo onde todos os seres sencientes recebam respeito, até os menores.
O Brasil ainda está atrasado nesse debate
Infelizmente, o Brasil ainda engatinha nesse assunto. O tema, muitas vezes, é tratado de forma superficial ou ideológica, sem o embasamento científico necessário. Por isso, falta um debate mais profundo, que una ciência, filosofia e políticas públicas.
Por fim, relembro uma frase de Primo Levi: “Todo aquele que encontra um sofrimento e se abstém de combatê-lo se torna cúmplice dele.” Que este seja, acima de tudo, um convite à consciência — e não à culpa.
O que seria da matriz energética brasileira sem Itaipu?
Esta pergunta e outros assuntos, entre eles a importância de Euclides Scalco para a Binacional, estão na coluna de Rogério Bonato
Grupo do Almanaque no WhatsApp:
https://chat.whatsapp.com/ELP3TNXDfL91rcVxJUFAuw