O novo manual do céu
Tempestades súbitas, ventos violentos e raios cada vez mais intensos transformam o cotidiano de Foz do Iguaçu e mostram que o clima deixou de ser previsível.
Rogério Romano Bonato – Redação Almanaque Futuro
endavais, chuvas fortes, trovoadas, descargas elétricas. A pergunta já não é mais “quando vai passar?”, mas sim “como vamos conviver com isso?”. Foz do Iguaçu tem sido repetidamente sacudida por eventos climáticos que, antes raros, agora chegam com a frequência. As manhãs começam firmes, o sol engana, as pessoas saem para o trabalho, e de repente o céu muda de humor: nuvens escuras brotam do nada, o vento dobra esquinas, e em poucos minutos despenca um temporal capaz de arrancar telhados, derrubar placas de publicidade e colocar árvores e postes no chão.
A partir daí, a rotina entra em colapso. A energia cai, e com ela parte da nossa vida contemporânea: as bombas de distribuição param, a água some das torneiras, a internet agoniza. Empresas inteiras ficam de prontidão improvisada, consultórios param, escolas interrompem atividades, e repartições públicas se veem forçadas ao silêncio digital. Mas nada se compara ao estrago invisível que os raios provocam — e provocam muito. O Brasil registra cerca de 96 milhões de descargas elétricas por ano, além de mais de duas mil mortes entre 2000 e 2019; dados que, por si só, explicam por que moradores de Foz passaram a adotar a rotina de desligar tudo da tomada ao primeiro sinal de trovão. O problema é que muitos esquecem o que realmente importa: desconectar também a internet. Quando o raio vem, ele não poupa fontes, placas, memórias, modems, roteadores — nem mesmo um bom aterramento tem dado conta da intensidade recente das descargas.
Enquanto isso, companhias como a Copel lidam com uma longa lista de reposição, indenizações e reparos. Equipamentos domésticos queimados, computadores fritos, aparelhos médicos danificados, sistemas de clínicas e consultórios comprometidos. Até órgãos públicos, normalmente protegidos por nobreaks e baterias, já relatam falhas por conta de descargas e oscilações fora do padrão. Os prejuízos materiais se acumulam, mas há também um custo de funcionamento: horas perdidas, atendimentos suspensos, dados corrompidos, agendas canceladas.
A paisagem meteorológica do Sul do Brasil está mais agressiva — e não se trata de impressão. Estudos mostram que o país registrou 581 tornados entre 1975 e 2018, sendo a Região Sul responsável por cerca de 70% dessas ocorrências. E o caso mais emblemático recente, o tornado de Rio Bonito do Iguaçu, em novembro de 2025, fala por si: ventos estimados entre 333 e 419 km/h, seis mortos, centenas de feridos, quase 90% das casas danificadas. O que antes parecia fenômeno distante da realidade local entrou, sem pedir licença, no repertório climático da região.
A ciência aponta que a mudança climática não cria eventos extremos do zero, mas amplifica os que já existiam: mais calor, mais umidade, mais energia disponível na atmosfera. A instabilidade cresce, as zonas de convergência oscilam, e cidades como Foz — colocadas entre massas de ar distintas, grande volume hídrico, fronteira de biomas — sentem primeiro, e com força. Se antes um vendaval era exceção, hoje o inesperado virou rotina.
Frente a isso, fica evidente que a cultura de prevenção ainda engatinha. Desligar aparelhos é uma etapa mínima. Precisamos falar de proteção digital, redundância de roteadores, filtros de linha realmente certificados, backup físico, arquitetura urbana mais resiliente, poda planejada de árvores, placas publicitárias com fixação reforçada. Precisamos falar de infraestrutura, de Defesa Civil equipada, de educação pública sobre o risco. Precisamos admitir que a meteorologia não é mais um capítulo distante dos noticiários, mas parte diária da vida.
Foz do Iguaçu está diante de um novo normal — um normal de céu temperamental, descargas imprevisíveis e ventos que não conhecem cerimônia. A pergunta, portanto, não é se gostamos ou não desse cenário. É como vamos reagir a ele. A cidade aprendeu a conviver com fronteiras, rios gigantes, turismo intenso e transformações rápidas; agora, precisa aprender a conviver com o clima que se tornou seu novo vizinho permanente. E, para usar um pouco do humor ácido que a realidade exige: se antes a chuva só molhava, agora ela derruba, queima, desliga e bagunça a vida inteira. Acostume-se — ou, ao menos, prepare-se. O céu mudou de manual.
