Canal da Piracema: a solução de Itaipu para garantir a migração dos peixes do Rio Paraná
Não é errado avaliar, que a soma de ideias e a preocupação dos cientistas com a ictiofauna fez nascer um engenhoso empreendimento para garantir a sobrevivência das espécies que habitam o Rio Paraná e suas províncias biogeográficas.
O conjunto de espécies de peixes e animais aquáticos que habitam o Rio Paraná, além de rico, é importantíssimo para o equilíbrio biológico. Itaipu Binacional pela força de sua construção se atravessou no leito do rio, obstruindo o caminho da ictiofauna, impedindo que migrassem para desovar. Isso, antes, acontecia na área das Sete Quedas, logo, abreviar abruptamente, a distância de 170 quilômetros, dificultaria e causaria alterações na procriação de dourados, curimbas, piaparas, pacus e os cardumes de quase 500 espécies regionais catalogadas.
Os biólogos começaram a avaliar, então, a maneira de criar um acesso para os peixes, imaginando algo como uma escada entre as rochas, simulando um curso natural de migração, inspirando-os à desova. O projeto passou a ser estudado.
Há dois momentos à serem destacados na concepção de uma iniciativa que seria robusta, tentando imitar a natureza; um foi quando o biólogo José Roberto Borghetti realizava o mestrado nos E.U.A. e foi conferir um canal no Estado de Washington para a migração dos salmões, e ou outro, mais casual, aconteceu quando Domingo Rodrigues Fernandez avaliava os afluentes no entorno da barragem. Ao observar a foz do Rio Bela Vista, notou que havia um caminhão caçamba, carregando terra, indo em frente ao seu veículo e quando ele cruzou o riacho, literalmente atropelou dois peixes, uma curimba e uma piapara.
De pronto o biólogo estacionou o carro para entender o recado dos peixes, que praticamente sinalizaram por onde poderiam encontrar o caminho para a desova, nos períodos da Piracema. Domingo procurou informações sobre a cota do rio, e entendeu que havia uma viabilidade de conectá-lo ao reservatório da Usina.
O biólogo possuía muitas informações, acumuladas de seu doutorado na UFPR, onde um dos trabalhos foi justamente uma escada experimental para peixes, onde estavam os parâmetros hidráulicos para o futuro e definitivo canal.
O Canal da Piracema foi inaugurado em dezembro de 2002. O sistema de 10,3Km de extensão forma um corredor ecológico, permitindo que os peixes migradores superem os 120 metros de desnível médio da barragem de Itaipu e alcancem as áreas de reprodução na planície do Alto Rio Paraná e Parque Nacional de Ilha Grande.
Para a construção do canal, a Itaipu se baseou em estudos prévios, conduzidos em parceria com a Universidade Estadual do Oeste (Unioeste) sobre a distribuição de ovos e larvas de peixes na região, evidenciando a importância do reservatório como área de desova e desenvolvimento inicial de espécies nativas.
Os estudos de reprodução dos peixes, a propósito, são realizados de forma contínua. Desde 2004 a empresa realiza inventários para identificar as espécies presentes no Canal da Piracema, aproveitando para marcar os indivíduos migratórios que são capturados.
Graças a esses levantamentos, foram identificadas 186 espécies. Além daquelas que utilizam o acesso como um corredor de biodiversidade, muitas outras espécies nativas consideradas sedentárias desenvolvem todo o seu ciclo de vida no canal e em seu entorno, aproveitando a grande diversidade de ambientes encontrados ao longo do sistema. Muitas dessas espécies são raras, o que também indica que o Canal da Piracema, é uma importante área protegida, pois oferece refúgio aos peixes nativos.
Para compreender melhor de que forma as espécies migratórias aproveitam o “Canal” como corredor de transposição, a Itaipu realiza, desde 2009, o monitoramento eletrônico da ictiofauna utilizando marcas do tipo PIT-Tag (Passive Integrated Transponder). Quatro conjuntos de antenas instaladas em seções ao longo do percurso, operam por 24 horas, registrando data e hora de passagem dos peixes marcados.
As marcas, contidas em cápsulas de vidro com 23 mm de comprimento e tem formato alongado, são implantadas, com auxílio de uma pequena incisão, na cavidade abdominal dos peixes que são capturados no interior do Canal. Sempre que se aproximar de uma antena o peixe será registrado, já que a vida útil das marcas é ilimitada.
Mais de cinco mil peixes já foram marcados. Graças a esta tecnologia, foi possível registrar, pela primeira vez, a passagem de peixes marcados nos elevadores da usina hidrelétrica Entidad Binacional Yacyretá, a próxima barragem à jusante da Itaipu, no rio Paraná. Um dourado e um pintado venceram os mais de 400 km entre as duas barragens, encontraram a entrada do Canal e o deixaram em direção ao reservatório, comprovando que mesmo peixes vindo de muito longe são capazes de transpor a barragem pelo Canal da Piracema.
O fabuloso cuidado com a natureza, também abriu espaço para o homem, uma vez que uma parte do canal de transposição passou a ser utilizado na prática da canoagem olímpica, revelando atletas de nível internacional. A iniciativa é um exemplo e como homem se integra ao ambiente, convivendo com as espécies.