Transporte público: um direito do cidadão a cada dia mais difícil de ser mantido.

Os aumentos de insumos elevam as planilhas que dão base às tarifas, isso somado aos prejuízos acumulados com a pandemia, projetam um cenário desolador para empresários; inibe a ação dos governos, causa pânico nos funcionários do setor e atinge diretamente os usuários.

O transporte público é um direito social dos cidadãos garantido pela Constituição desde sempre, mas isso foi assegurado apenas em 2015, quando o Senado aprovou a PEC 74/2013.

A PEC, segundo os comentários de senadores de deputados, oportunizaria aos concessionários de transporte público e as prefeituras, um olhar mais atento a essa necessidade vital para as populações, cujo alvo, são as pessoas que sobrevivem com baixos salários. A qualidade do transporte público tem influência direta na vida dos cidadãos, sobretudo pelo tempo que passam nos ônibus. A Constituição prevê que o Estado deve assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais e, na falta de transporte, dificulta-se o acesso à educação, saúde, trabalho, alimentação e lazer. O problema é equilibrar a relação e fazer todos os problemas caberem em uma única saída: a tarifa.

No entanto, esse pensamento, que a nova determinação constitucional ajudaria melhorar a relação das empresas concessionárias de transporte com os contratantes, no caso o setor público, isso ficou apenas por conta da imaginação. Com a pandemia então, a situação ficou bem pior, fazendo muita gente acreditar, que não há mais saída para o setor. Para mudar o atual quadro, é necessário revolucionar todo o conceito de mobilidade e assim, chegar aos padrões básicos de atendimento público, provendo economia, conforto, segurança e a prestação de um serviço digno aos usuários. O que se vê em muitas cidades brasileiras é o oposto: empresas em crise, falências, ônibus lotados, funcionários descontentes e os custos inviabilizando as planilhas, ameaçando um aumento astronômico no preço das passagens.

 

Modus Operandi

As empresas de transporte realizam suas operações mediante as tais “planilhas” onde constam todos os custos e valores para a prática do serviço. Na planilha em geral, consta o salário dos colaboradores e aumentos no cumprimento das Leis trabalhistas; o preço dos pneus, peças, manutenção, limpeza e higienização, reposição de equipamentos, taxas de licenciamento, dentre outros, onde se destaca o combustível, no caso o óleo diesel, predominante. Essas planilhas são o elemento controlador dos contratos com a coisa pública e toda a vez que se propõe um aumento de tarifa, os envolvidos entram em debate, tentando acomodar o custo financeiro e o político. Uma queda de braço em que o ônus pesa nos ombros dos gestores e, segundo os empresários, também não cobre as despesas. Em outras palavras, aumentar o valor das tarifas no transporte é uma providencia temerosa, porque não agrada a população, prejudica a imagem do governo, e tampouco resolve o problema das empresas.

Esse exercício, de majorar a tarifa, ou a “passagem de ônibus” como ainda é popularmente chamada, tem se tornado à cada vez mais difícil e conflituoso entre as partes, levando em conta que a crise afetou as reposições salariais, o que causa paralisações em muitas cidades. Todo esse compêndio de situações e adversidades, faz com que muitos empresários quebrem, mudem de ramo e as cidades passem a pensar em administrar o setor, o que na visão de muitos seria um retrocesso.

 

Estudos decifram a crise

Recentes estudos quantificam a relação entre amento da tarifa e do tempo de deslocamento das frotas, apontando a queda na demanda de passageiros em vários sistemas metropolitanos. A cada aumento no tempo médio de viagem, na casa de 1%, a demanda se reduz em 0,43%. Por outro lado, a elevação do valor da tarifa na ordem de 10% reduz a demanda entre 3,89 e 5,95%. O aumento na idade da frota também reduz a demanda de passageiros.

Esta análise foi feita a pedido do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado de Pernambuco (Urbana-PE) e leva em conta, dados sobre o transporte público e a evolução do uso, além da ocupação do solo na RMR (Região Metropolitana de Recife), sem a influência na demanda de passageiros ocasionada pela covid-19. Não foi analisado, entretanto, os impactos dos aplicativos de carros, como Uber e 99, pela ausência de informações completa sobre este tipo de transporte no período. Segundo uma comparação com as frotas de outras capitais, a média se mantém, e, não deve distanciar dos sistemas operacionais das cidades de porte médio, como é o caso de Foz do Iguaçu, onde há um debate acirrado pela reposição das perdas causadas especialmente no período de pandemia.

 

Políticas públicas mais localizadas

De um modo geral, num apanhado de pesquisas em todo o território nacional, a conclusão é geral: por mais que existam problemas estruturais que afetam os usuários e extrapolam a capacidade de intervenção do poder público municipal e estadual, como desemprego e redução de renda, a solução dos problemas mais relevantes depende de ações e políticas públicas de âmbito local. Em outras palavras, cada cidade possui as suas características e copiar ou importar modelos pode não ser solução. No caso, um dos exemplos, é a priorização maior do transporte coletivo no espaço urbano para ganhar agilidade e competitividade em relação ao transporte individual.

 

Projetos Legislativos

Há no Congresso Nacional vários projetos que visam a redução de custos na área de transporte público, com a completa desoneração de impostos sobre muitos produtos. Em um debate, avaliam a falta de necessidade de licenciamento dos veículos nos Detrans, uma vez que possuem vida útil e podem ser facilmente identificados pelas prefeituras ou fiscais das empresas; fala-se até em redução substancial do preço do combustível, livre de todos os impostos, exclusivamente na área. O problema é, depois, lidarem com ações sobre “renúncia de receita”, uma vez que todo o setor pede alívio tributário. Em alguma oportunidade, discutiu-se até mesmo a criação de um imposto municipal sobre os combustíveis.

Tarifas financiadas

Os relatórios apontam, a exemplo do que ocorre em todo o País, que as tarifas são altas para os passageiros e insuficientes para custear um serviço adequado e que conquiste mais gente. Uma das sugestões é a formulação de um novo modelo de financiamento do transporte público com adoção de fontes de custeio extra tarifárias e a elevação da velocidade operacional pelo aumento da eficiência do serviço, ampliando a prioridade do transporte público nas vias e do investimento nos corredores estruturais. Foz precisa pensar nisso.

Os modelos de financiamento dos serviços, não devem pesar necessariamente apenas no bolso dos usuários; eles não devem ser os únicos a arcar com os custos do transporte, bem como investimentos públicos em infraestrutura. A transformação na prioridade ao transporte público no espaço viário, mesmo que radical, abre campo para uma rede flexível e mais adequada às transformações da demanda, além de uma política pública de ajustes finos na relação entre o uso do solo e o transporte. Discutindo situações assim, é que as cidades avançam e agradam os contribuintes. Os estudos demonstram que o aumento de integrações entre linhas de ônibus e modalidades sobre trilhos, por exemplo, causam um aumento na demanda de passageiros, mesmo que interfira no custeio do sistema. O caso é sempre tentar aprimorar. Buscar a academia para debater as mudanças é uma forma de entender os fenômenos que acontecem no setor e envolvem a sociedade.

 

A idade de frota

Os estudos sempre trabalham a relação da idade média da frota com a quantidade de passageiros. Comprar ônibus novos é um bom negócio para todos: para o passageiro, para a imagem do gestor público, para as empresas e para a cadeia industrial produtiva. Mas para isso, é necessário um horizonte de segurança para os investidores. Na atual situação, são raras as empresas que possuem crédito para a operação de reposição de ônibus, quando se deparam com dificuldades para suprir as folhas de pagamentos. É obvio que manter frotas modernas e atualizadas incentiva o aumento de usuários, pois causa a atratividade do serviço, mas, e, os recursos para isso? Pelo visto, foi-se o tempo, em que para atingir esse objetivo, a tarifa precisava ser adequada às metas. Hoje é necessário muito mais, a começar pelas contrapartidas, com modelos de financiamentos e soluções viárias inovadoras.

 

Defesa dos fabricantes

Quem estabelece a vida útil da frota é o contrato entre órgãos públicos e concessionárias. Há legislação em vigor e muitos acreditam que a vida útil dos veículos não deve ultrapassar dez anos. Em geral, os técnicos dos municípios, utilizam um parâmetro igualitário, ou seja, se baseiam nos processos de licitações de outras cidades. Segundo um concessionário, fabricantes asseguram que a mecânica dos veículos, os chamados chassis e motores, bem como os conjuntos hidráulicos suportam algo em torno de 20 anos, porque a fabricação tem como base a robustez para dar segurança ao transporte de pessoas. O mesmo ocorre na área da fabricação de carrocerias, que é obrigada a seguir normas muito sérias de produção. Fazer a manutenção em um ônibus e mantê-lo em dia, ainda é bem mais confortável barato que substituir por um veículo novo. De uma maneira ou de outra, na manutenção ou aquisição, isso vai parar na tarifa. Ampliar o tempo de uso da frota, desde que os veículos atendam às exigências, seria uma maneira de prolongar as tarifas mais baixas.

 

Condições de rodagem

Falar em vida útil de um veículo é um campo perigoso. Se as empresas investirem pesado em manutenção, onde se inclui a preventiva, obedecendo rigorosamente os manuais de fabricação, é possível prolongar a vida útil do veículo e ele continuará rodando com segurança, porém, isso depende muito das condições dos chamados “leitos carroçáveis” ou das pistas de rolamento. Se forem boas, sem buracos, lombadas e obstáculos, o custo de manutenção é controlado, mas, se as linhas enfrentam crateras no percurso, pavimentações irregulares, como pedras assentadas, piso de terra e trechos que exigem muitas manobras, a vida útil é encurtada substancialmente. Por isso, criar corredores para o transporte é uma medida importante.

 

Atritos no setor

Em Foz, foram raros os períodos em que empresas de ônibus conviveram em paz com os governantes. Acrescenta-se à esta relação, a atuação do Sindicato dos Motoristas, que sempre exerceu influência em determinados períodos, por meio de greves e movimentos, cujo resultado foi um acúmulo de descrédito em todo o setor.

O atual modelo de concessão compreende um Consócio entre as empresas e o contrato vigora até 2025. Foram vários os embates, ameaças de rompimento, e, tentativas de conciliação entre as partes. Empresas, governo e sindicato, nos últimos anos, lidaram com exigências de modernização da frota, ônibus com ar-condicionado, paralelamente intervenções por parte da prefeitura. O período de pandemia, foi, segundo os empresários, uma espécie de “labirinto sem saída”.

Segundo depoimentos, a situação é calamitosa e de difícil recuperação, pois o governo municipal não cumpriria sua parte no contrato de concessão, não concedendo o reajuste tarifário anual, cuja data base é 17 de setembro. Os empresários afirmam que o reajuste nunca foi concedido, a não ser por meio de ações na Justiça. Em todas as ocasiões que a tarifa foi pleiteada, em acordo com o contrato, a prefeitura pedia contrapartidas, mais melhorias, implementações e suplementações além daquilo que foi contratado, o que seria uma forma política de justificar o aumento perante a população. O assunto sempre acabou nos tribunais. Com os embates, as tarifas foram proteladas, saindo meses depois, engrossando a lista de prejuízos, se defendem os empresários.

 

Versão da prefeitura

O governo municipal de Foz, por sua vez, se defende com a necessidade de rever o sistema o que é uma clara demonstração de que um acerto entre as partes pode não ser tão fácil. No processo atuam a prefeitura e o Foztrans. Para técnicos, secretários e gestores que acompanham o setor, até mesmo o período contratual deve ser rompido, uma vez que a população anda muito exigente com o desempenho político. Em verdade, a relação desgastada entre empresários e governo parece ter chegado ao limite. O Foztrans trabalha a hipótese de se precisar aplicar um transporte emergencial, em caso de rompimento de contrato.

Fontes na prefeitura asseguram que há um grupo de trabalho avaliando o que seria o “transporte do futuro”, com a implantação de um sistema totalmente inovado, utilização de novas modalidades e até mesmo a implantação de outros tipos de combustíveis, como é o caso do Biogás, cujo projeto é bem avançado na região.

Segundo a opinião de urbanistas, a cidade possui um desenho fácil para a implantação de canaletas e até mesmo ramais de VLT, atendendo o setor Norte/Sul e Leste. Tudo o que se imagina em matéria de inovações, congraça o meio ambiente e os visitantes, porque segundo estatísticas, muitos turistas utilizam as linhas de ônibus.

Uma demonstração dessa necessidade de promover mudanças é a recente campanha lançada, pedindo a participação da população. Com o título “Foz tem Voz: Quer Melhorar o Transporte Público…?”, o governo convoca a participação dos contribuintes por meio do acesso “QR Code”, ou pelo canal 156. A pesquisa avalia o desejo dos usuários e, segundo os organizadores, servirá para oferecer os subsídios de mudanças.

A prefeitura de Foz lançou campanha para ouvir os usuários do Transporte Público.

 

Revisão Tarifária

Em Foz do Iguaçu, o Contrato prediz, que à cada inovação, ou implementação além dos termos vigentes, as empresas poderiam pedir uma revisão tarifária. Ao longo da concessão, ocorreram várias situações que comprometeram o caixa das empresas, como é o caso de isenções para estudantes e idosos, ao que consta, segundo informações das empresas, sem a devida reposição até o momento, em ações que se ainda se arrastam na esfera judicial.

 

Diálogo

Apesar da pressão que ronda o setor, empresas e governo não encontram alternativas que não seja uma saída para dar vida ao sistema, porque a população acompanha o impasse e quer solução para ele. É provável que nos próximos dias, as partes ajustem uma tarifa, e independentemente o valor, isso chamará a atenção, pois os usuários são assombrados pelos aumentos sucessivos dos produtos e demais serviços.

A briga pelos reajustes remonta ações do passado e isso tem sido um “pé no freio” por conta do governo, que considera o assunto uma “caixa preta”, além da devolução de investimentos, que rondaria a casa dos 6%.

A tarifa em Foz do Iguaçu é R$ 4,10 e faz tempo. As empresas esperar que as negociações cheguem a R$ 5,00. Olhando para outras cidades do mesmo porte e até mesmo capitais, o valor deverá ser reajustado no mesmo padrão, no máximo em dois meses. Mas até lá, muitas discussões ocorrerão, a começar pela visão do governo, que acredita que o valor não deveria ultrapassar os R$ 4,80, segundo informações.

Mas o que Foz precisa fazer, além das discussões sobre reajustes, é pensar o transporte para um futuro próximo, atendendo ao dever constitucional, trabalhando o que é justo. Não é um equilíbrio fácil de se realizar, levando em conta a escalada dos preços, sem deixar de olhar para os profissionais que atuam no segmento. É mais uma questão de justiça social do que puramente “reajuste”, gerando aos usuários a confiança para a realização de suas necessidades mais importantes.

 

Redação Almanaque Futuro

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