Artistas do Iguaçu: “de Itabira a La Mancha”, Carmen Barudi sonha e trabalha para tornar a literatura acessível a todos

Escritora, professora, poeta, empreendedora e gauche, Carmen trabalha há mais de 15 anos no universo literário iguaçuense para valorizar os autores da cidade

“A cultura só é real quando é compartilhada”. O início desse texto, para a temática que será abordada, permite uma paráfrase. Todo produto cultural é feito para que alguém o consuma, portanto, facilitar esse acesso é imprescindível. Por sorte, algumas pessoas possuem esse dom – como Carmen Barudi, a entrevistada da série Artistas do Iguaçu.

Escritora, professora, poeta, empreendedora e “gauche”, Carmen é a personagem ideal para a edição especial, dedicada à 16ª Feira Internacional do Livro de Foz do Iguaçu, que também tem a missão de ampliar o acesso dos cidadãos à cultura.

São 15 anos de “aventuras culturais em Foz do Iguaçu”, como ela gosta de definir. Contudo, a paixão por esse universo das letras veio muito antes da publicação de seus dois livros – os poemas de “Vozes da Minha Janela” e as histórias de “O protagonismo feminino na história do Paraguai refletido nas canções folclóricas”.

O fanzine Quixote ganhou o mundo! A produção caseira, mas muito profissional, já foi levada para a Alemanha, Portugal e outros vários estados do Brasil.

O encanto dos livros

Carmen ainda era uma pré-adolescente quando começou a olhar com mais atenção para os livros. Graças a um primo, que também era vizinho, conheceu a famosa série de livros infanto-juvenis da Coleção Vaga-Lume. Ela ainda se recorda com muitos detalhes do primeiro exemplar que leu: as aventuras de “Xisto e o pássaro cósmico”.

Disso para outros livros foi um pulo – ou melhor – alguns passos. Ela estudava no Colégio Estadual Bartolomeu Mitre e era frequentadora assídua da Biblioteca Municipal de Foz do Iguaçu. Todos os dias ela caminhava os menos de 500 metros para chegar ao local e se encher de livros.

“Eu tinha muitas carteirinhas da biblioteca, porque sempre lotavam com todos os empréstimos de livros que eu fazia. Para mim era uma grande aventura fazer isso e comecei a conhecer um mundo novo todos os dias”.

A influência da leitura gerou reflexos na escola. As aulas de Língua Portuguesa, claro, eram sempre as mais esperadas por Carmen. Nelas, encontrava a professora Paula Domingos, outra apaixonada por literatura que trabalhava diversos grandes livros em sala de aula.

“Estávamos no Ensino Médio e ela trabalhava livros clássicos de uma forma muito dinâmica, era um método perfeito até para quem não gostava muito. Isso plantou uma sementinha dentro de mim. Conversávamos muito porque ela também adorava meus textos, e receber elogios é sempre bom”, brinca.

O caminho de Itabira e os “gauches na vida”

Com tantas influências positivas, não restaram dúvidas de qual área cursar: Letras. Ao ingressar no curso, Carmen lembra que nem tudo saiu como ela esperava. “Eu gostava muito de tudo, mas a minha paixão era a literatura. Porém, não tínhamos tantas aulas voltadas para isso. Minha sede foi sempre a de aprender mais sobre os livros”.

Com o desejo apaixonado da juventude, reuniu outros colegas que tinham o mesmo ímpeto. Dessa união, nasceu em 2006, nos corredores da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, o Grupo Gauche de Literatura (não confunda, a pronúncia correta é gouche).

O nome vem do “Poema de Sete Faces”, escrito por uma das maiores referências da autora, o poeta Carlos Drummond de Andrade. Nele, está escrito:

Quando nasci, um anjo torto

Desses que vivem na sombra

Disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida

“Gauche” era justamente a definição que buscavam, pois significava, em uma interpretação livre, àqueles que eram diferentes da maioria, inquietos e dispostos a nunca entrarem em um lugar comum.

Os gauches sabiam que não poderiam ficar com esse conhecimento apenas entre o grupo. Compartilhar esse amor com os outros se tornou uma missão. A partir de então começaram a organizar saraus, exposições, tudo para fisgar mais interessados.

“Foi um período de muito trabalho, saímos da faculdade e buscamos mais pessoas para participar. Não tínhamos um grupo sempre fixo, pois muitos terminavam o curso e iam embora. Então tivemos muitas formações”.

A grande produção do grupo foi o fanzine Quixote, em clara homenagem ao desbravador Dom Quixote de La Mancha, com textos, ilustrações, poemas, reportagens e uma infinidade de conteúdos produzidos por jovens que moravam em Foz do Iguaçu e até na Alemanha.

“O que mais nos motivava era o fato de sermos ponte. Ponte para o ilustrador que faz a capa, o artista plástico que expõe, o cantor que se apresenta. Todos separados, mas que se unem para um fim. Tudo sempre foi gratuito e era isso que nos dava paixão. Víamos a alegria presente nos eventos, era muito bacana”.

O aspecto cosmopolita, aliás, se misturava com história do grupo, que nasceu por conta da influência de Drummond, nascido no município de Itabira (MG), e ganhou o mundo com o Quixote, o homenageado que veio da cidade espanhola de La Mancha.

Os gauches que renasceram com o Quixote

Carmen não esconde os percalços dessa “aventura cultural”, por conta do trabalho e outras ocupações, não conseguia manter o funcionamento tão ativo. Algumas adaptações foram necessárias, como a transformação do fanzine impresso em materiais para blogs.

No espaço cultural QG do Quixote, Carmen realiza encontros com autores locais e diversas atividades culturais para os moradores.

Uma troca de nome também foi necessária, então com uma nova geração, o Grupo Gauche se reuniu como Quixote. “O nome era perfeito, mas algumas pessoas se confundiam muito”, brinca. “Então trouxemos o Quixote porque também demos uma nova cara para o projeto, aliando a cultura geek, animes e outros conteúdos da cultura pop”.

Em 2021, ela deu mais um importante passo nessa missão ao expandir o QG do Quixote – que nada mais é do que a transformação de sua própria casa em um espaço cultural para a cidade.

Para conhecer os de Foz

Em pleno funcionamento, Carmen está realizando alguns sonhos, como o de manter a pequena livraria com uma prateleira exclusiva para obras de autores iguaçuenses e repleta de novos exemplares.

“Muitas pessoas nem sabem que existem escritores em Foz. Até nas grandes livrarias eles não tem uma seção para escritores da cidade. Conseguir fazer isso e ter tanta gente boa produzindo está sendo muito bom. As pessoas daqui precisam conhecer quem produz em Foz”.

Todos os finais de semana o espaço oferece uma nova programação, de maratonas de filmes e séries a cursos de fotografia. O QG fica localizado na Rua Rio de Janeiro, 877, bairro Maracanã. Para conferir as novidades basta conferir o Instagram @qgdoquixote.

“É um trabalho árduo, mas apaixonante. Se eu puder plantar uma semente, assim como foi plantada quando eu era criança, já sinto que valeu a pena. Trabalhar com arte é resistência e por isso seguimos”.

Artistas do Iguaçu

A série Artistas do Iguaçu é produzida pela Comunicação Social da Prefeitura de Foz do Iguaçu em parceria com a Fundação Cultural. O objetivo é apresentar a história e trabalhos de artistas da cidade, nas mais diversas categorias, e valorizar o trabalho de profissionais que levam o nome de Foz para diversas partes do mundo, por meio de trabalhos únicos.

AMN