A noite em que Juvêncio voltou a ocupar o centro da história
Evento emociona ao recuperar a história do jornalista e ao reafirmar a importância da memória na democracia.
Rogério Ronato – Redação Almanaque Futuro/com fotos de Marcos Labanca
A última quinta-feira, 13 de novembro, ficará guardada como uma dessas datas que se iluminam sozinhas na memória coletiva. No aconchego de um dos restaurantes do Mercado Público Barrageiro, em Foz do Iguaçu, a jornalista e cientista política Daniela Neves apresentou ao público o livro “Juvêncio – O Último Preso Político da Ditadura Brasileira”. O espaço, simples e simbólico, transbordou de gente: amigos de décadas, jornalistas, pesquisadores, lideranças políticas, companheiros de lutas e admiradores da trajetória de Juvêncio Mazzarollo.
Era possível sentir, no ar, a emoção de reencontros e lembranças. Entre os presentes, nomes profundamente ligados à história recente da cidade: João Adelino de Souza, Aluízio Palmar, Gilmar Piolla, o ex-prefeito Paulo Mac Donald Ghisi, o ex-vereador Mohamad Barakat, o ex-diretor-geral de Itaipu Jorge Samek, além de diversas lideranças comunitárias. Cerca de cem pessoas se reuniram ali não apenas para celebrar um lançamento literário, mas para reconhecer a dimensão humana e política de um homem que transformou sua pena em trincheira: Juvêncio, jornalista, professor e símbolo de resistência durante os anos mais duros da repressão brasileira.

O presidente do Instituto Edésio Passos, André Passos, relembrou a trajetória de coragem do jornalista — alguém que ousou denunciar injustiças em plena efervescência durante a construção da Itaipu Binacional. Suas reportagens no jornal Nosso Tempo — ao lado de Palmar e Adelino — ecoaram muito além das fronteiras do Oeste do Paraná e renderam-lhe processos enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Ele foi o único dos três a ser condenado e encarcerado, entre 1982 e 1984, tornando-se conhecido como o último preso político da ditadura, não por ter sido o único naquele momento, mas por ter enfrentado a mais longa permanência no cárcere sob os resquícios daquele aparato jurídico.
A comoção tomou o ambiente quando Ana Rebeca, filha de Juvêncio e da saudosa jornalista Vilma Macedo, trouxe à superfície lembranças familiares, instantes íntimos e episódios que humanizam ainda mais um personagem já monumental. Sua fala, sensível e cheia de verdade, evocou a grandeza, mas sobretudo a ternura de um pai que pagou caro por acreditar que a palavra é, também, uma forma de liberdade.

O livro — um mergulho na história recente do Brasil
O pré-lançamento, já celebrado com expectativa, revelou a robustez da pesquisa de Daniela Neves. Com rigor jornalístico e olhar sensível, ela reconstrói o período em que Juvêncio esteve preso no quartel do Corpo de Bombeiros, em Curitiba, e o amplo movimento social que se formou pela sua libertação — greves de fome, cartas enviadas por militantes brasileiros e estrangeiros, apoio de entidades, mobilização popular em Foz e na capital.
Daniela retoma também sua própria memória de infância: aos nove anos, visitava Juvêncio durante o encarceramento, acompanhando os pais, militantes que não tinham com quem deixar as crianças. A vivência, guardada como sentimento antes de compreensão, ressurgiu décadas depois como impulso ético e histórico para escrever o livro. Ao mudar-se para Foz, em 2023, e revisitar o episódio, entendeu que aquela história precisava ganhar forma definitiva — um registro que não se perdesse no ruído dos tempos.
“É um livro que fala de pessoas, mas acima de tudo da coletividade. Da importância de lutar pela memória. E compartilhar esse momento com pessoas que fizeram parte da história de Juvêncio foi uma emoção sem igual”, disse a autora.
A autora mergulhou em arquivos, entrevistou 21 pessoas, consultou documentos do processo e recuperou o ambiente de luta dos trabalhadores rurais do Oeste, o papel das Igrejas Católica e Luterana na resistência, e a atmosfera que antecedeu as Diretas Já. O resultado é uma obra que transcende a biografia e se consolida como capítulo essencial da história política do Paraná e do Brasil. Naquela noite, entre vozes, lembranças e silêncios compartilhados, Juvêncio voltou — pleno, vivo, necessário. E voltou pela melhor via possível: a da palavra que resiste.
Editado pela Banquinho Publicações, com apoio do Instituto Edésio Passos, o livro foi viabilizado pelo Edital de Fomento – Multiartes – 001/2024, da Secretaria de Estado da Cultura, com recursos da Lei Aldir Blanc, logo, não é um produto comercial e sim, disponibilizado aos interessados, pesquisadores e bibliotecas.
Em respeito à memória e ao sentido de legado que permeia todo o projeto, a autora optou por doá-los, reafirmando que conhecimento, quando diz respeito à liberdade e à democracia, precisa circular como um bem comum. Informações sobre doações estão no perfil da autora, @danisilvaneves.


