Ziraldo, o amigo “Flicts” de Foz do Iguaçu
Em uma das suas várias passagens pela cidade, emocionado com a beleza das Cataratas e as cores produzidas pelas águas, ele disse: “mais uma maravilha a provar que Flicts não é apenas imaginação”.
- Rogério Romano Bonato –
Teria tantas coisas a escrever sobre o Ziraldo que não sei nem como começar. Tanto, que não consegui escrever assim que soube de seu falecimento. O conheci em 1974, ainda era menor de idade e fugido para o Rio de Janeiro. Fazendo as contas, isso resulta em meio século de amizade e admiração plena.
Certa ocasião, lá pelos anos 90, acompanhei o Ziraldo em uma entrevista, foi na sobreloja de uma livraria em Ipanema e o repórter fez uma primeira pergunta fugaz: “qual a sua idade, local de nascimento, quando começou a trabalhar e quantos livros escreveu?”. Ziraldo fez cara de gato que derruba o leite, e, quem estava próximo imaginou a reação diante de uma pergunta tão esdrúxula. Quem se propõe a entrevistar uma figura genial, no mínimo deveria saber ou pesquisar antes. Mesmo assim, ele levou na esportiva e disse que responderia a tudo, “mas para saber o elementar, basta descer uns degraus e olhar uma enciclopédia”, disse. Zira mantinha o ego biográfico em dia, porque se orgulhava de tudo o que fazia. Logo, a criançada roubou a cena pedindo autógrafos, coisa que ele adorava.
Enfim, tudo sobre o Ziraldo está escrito na Barsa, Delta Larousse, na irretocável história do jornalismo brasileiro, no cartunismo, livros e a fartura de publicações que se tornaram eletrônicas*. Acumula uma, sim, vastidão de fontes e desta maneira prefiro dedicar a lembrança às coisas que vivi ao lado do meu querido amigo, e sei, devo resumir, preservando a sua memória, porque Ziraldo Alves Pinto é e sempre será maior do que muitas coisas. Não faltarão oportunidades em lembrá-lo.
*Paulo Caruso organizou uma aposta: “Ziraldo jamais usará um computador”. Apostei e perdi. Levei um notebook de presente e até acreditei que usaria. Abriu a caixa, levantou a tela e ao apertar o botão de “ligar” perguntou: “será que dá choque?”. Não teve jeito, obrigou eu levar o presente de volta, pois não queria dá-lo nem mesmo para os netos. “Ler é mais importante que estudar”, era uma das suas frases mais famosas. No fim se entendeu com os celulares para a troca de mensagens, no máximo. Jamais deixou de lado a máquina de escrever, na mesinha próxima da prancheta, em seu belo estúdio na Fonte da Saudade, com vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas e o Cristo Redentor.
Com ele trabalhei em jornais, publicações das mais diversas, livros e catálogos, em arte, criação, em audiovisuais, animações, programas de Tv, em eventos internacionais; sua genialidade e irreverência foram lições importantes em minha vida e na de muitos profissionais.
Vale aqui ressaltar que foi um homem muito importante para Foz do Iguaçu pois ajudou a erradicar as mentiras envolvendo a região sobre a existência de células terroristas. Depois do Ziraldo, envolver Foz com o terrorismo passou a ser uma grande piada. Ele trouxe gente grande, da OEA – Organização dos Estados Americanos, para esclarecer o infundado. Foi o que fez Steven Monblatt ao rechaçar as acusações infames contra a cidade, com repercussão mundial. Ziraldo recrutou centenas de nomes influentes do jornalismo para lutar pela causa. Nunca recebeu um “muito obrigado”, mas não esperou por isso. Encampou a briga porque considerava justa, simplesmente. “Dói ver uma cidade apedrejada por tantas mentiras, imagina?”, disse em uma das entrevistas concedidas ao Jô Soares, em seu lendário programa.
Ziraldo será celebrado sempre, seu legado é universal, é “Flicts”, uma palavra inventada para um conjunto de cores, com o aval de Carlos Drummond de Andrade. “A Lua é Flicts”, expressou um astronauta, ninguém menos que Neil Armstrong, o primeiro humano a pisar em algum ligar que não estivesse em nosso planeta. Ele veio ao Brasil em 1969, um mês após regressar da missão Apollo 11. Confessou a emoção ao ler o livro do cartunista brasileiro, mineiro de Caratinga. E o que é Flicts? “O mundo é feito de cores, mas nenhuma é Flicts. Uma cor rara, frágil, triste, que procurou em vão um amigo entre outras cores, que não encontrou um lugar para ficar. Abandonada, Flicts olhou para longe, para o alto, e subiu, para finalmente encontrar-se”. Ziraldo é Flicts.
Entre outras, Rogério Bonato fez parte da lista de articulistas do jornal O Pasquim 21, e, é um dos realizadores da campanha para livrar Foz do Iguaçu das acusações de envolvimento com o terrorismo.