Setembro, o mês das provas e das colheitas

Entre flores e tribunais, memórias históricas e campanhas coloridas, setembro se revela como um caleidoscópio de transformações, testando a democracia e a sensibilidade coletiva. Tudo isso e mai, na coluna de Rogério Bonato.

O mês “nove”
Setembro, cujo nome vem do latim septem (sete), carrega o simbolismo das colheitas no Hemisfério Norte e da primavera no Sul, evocando sempre a ideia de recomeços e rupturas. Ao longo da história, o mês foi palco de eventos que moldaram civilizações e redefiniram nações. Em 476, marcou a queda do Império Romano do Ocidente com a deposição de Rômulo Augústulo. Em 1822, trouxe ao Brasil a Independência com o célebre Grito do Ipiranga. Já em 1939, a invasão da Polônia pela Alemanha desencadeou a Segunda Guerra Mundial, enquanto em 2001, os atentados de 11 de setembro alteraram a geopolítica global. Setembro também é tempo de cultura e memória: foi nele que nasceu Machado de Assis, em 1839, e que morreu Salvador Allende, em 1973, durante o golpe militar no Chile. Foi ainda o mês da assinatura da Constituição dos Estados Unidos, em 1787, e do início das sessões da ONU, em 1945. Assim, entre celebrações de liberdade e tragédias que marcaram o destino da humanidade, setembro permanece como um mês de contrastes e transformações.

Setembro de provas?
O Brasil inicia o mês com um teste institucional de peso: o julgamento de Jair Bolsonaro e aliados por tentativa de golpe de Estado. O processo não se limita ao barulho das redes sociais; coloca em pauta a solidez das instituições diante de acusações graves. O STF age dentro de sua competência constitucional, e o mundo observa como o país lida com um ex-presidente que desafia o Estado de Direito.

A lógica da responsabilização
Ignorar as acusações equivaleria a corroer o pacto democrático. Anistiar sem julgamento abriria espaço para abusos futuros, estimulando a impunidade e banalizando o crime político. Precedentes existem aqui e no mundo: Lula foi condenado e preso, Collor perdeu o cargo, Nixon renunciou para não ser destituído. Em democracias sérias, presidentes respondem por seus atos, independentemente de popularidade ou carisma.

O cardápio de acusações
Bolsonaro enfrenta uma lista robusta de denúncias: organização criminosa, tentativa de golpe, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, danos ao patrimônio público e deterioração de bens tombados. Somadas, as penas podem chegar a 39 anos. Paralelamente, acumula quase 600 processos, algo incomum até mesmo para padrões brasileiros. A Justiça precisará separar o que é retórica política do que constitui crime tipificado.

As comparações inevitáveis
No imaginário popular, os casos são comparados. Se Lula foi preso por imóveis de valores contestados, o que dizer de acusações que somam dezenas de milhões em transações financeiras e escândalos de joias milionárias? A percepção pública, alimentada por botecos e púlpitos, é de que todos os ex-presidentes em alguma medida enfrentaram a Justiça. Poucos saíram incólumes da travessia pelo Planalto.

A dimensão internacional
As críticas de Donald Trump e aliados tentam retratar o processo como perseguição. Mas a realidade mostra outro padrão: Sarkozy foi condenado na França, Netanyahu responde a processos em Israel, Park Geun-hye foi presa na Coreia do Sul. O Brasil, ao julgar um ex-presidente, não se isola; pelo contrário, se alinha à lógica de responsabilização das democracias maduras.

Entre absolvição e condenação
O julgamento terá apenas dois desfechos formais: inocência ou condenação. Em ambos os cenários, a política sofrerá impacto. Se absolvido, Bolsonaro não eliminará o passivo de acusações, enquanto a condenação não o transformará automaticamente em mártir. A história demonstra que líderes processados carregam cicatrizes que superam a propaganda momentânea de seus apoiadores mais radicais.

O teste do sistema judicial
Mais do que avaliar um ex-presidente, o julgamento testa a engrenagem judicial brasileira. Será preciso observar a condução das provas, a validade das delações, a definição das penas e as divergências entre ministros. A pluralidade de votos não fragiliza a Corte; ao contrário, reforça sua legitimidade, desde que prevaleça a lei sobre a paixão política.

Democracia em evidência
Julgar um ex-presidente é, sem dúvida, um episódio traumático. Mas pode ser também sinal de amadurecimento. O processo mostra que não existem figuras acima da lei e que a democracia se sustenta justamente quando expõe suas fraturas. O Brasil não escolheu este caminho por conveniência, mas por necessidade: a Justiça é o único terreno comum capaz de organizar a vida democrática.

Conclusão
O julgamento de Jair Bolsonaro não é apenas sobre um homem ou um mandato; é sobre a capacidade do Brasil de sustentar suas instituições sem se curvar a pressões externas nem a paixões internas. É, em essência, a prova de que a democracia, mesmo ferida, pode evoluir. O veredito, seja qual for, será sempre uma mancha na história, mas também um sinal de que a nação está disposta a enfrentar seus fantasmas em praça pública. O futuro dirá se soubemos transformar essa página dolorosa em maturidade política.

Setembro, caleidoscópio de causas
Reduzir setembro apenas ao amarelo é uma simplificação cruel. A cada ano, o calendário se colore com campanhas que buscam dar voz a dores e urgências distintas: do suicídio ao câncer, da surdez às doenças cardíacas. O problema não está em multiplicar cores, mas em esquecer que por trás de cada tom há vidas, histórias e famílias. Mais do que um arco-íris de causas, setembro é um caleidoscópio de humanidades que pedem atenção.

Entre cores e sensibilidades
Para os daltônicos, pouco importa se o mês é amarelo, verde ou roxo. O que realmente importa é a capacidade de enxergar além das cores, percebendo o sentido das campanhas. A maior cegueira não está na visão comprometida, mas na insensibilidade coletiva diante de tantas mazelas sociais e de saúde. Talvez a lição seja simples: não há cor suficiente para traduzir todos os problemas, mas há sempre espaço para solidariedade, empatia e ação contínua.

Em Foz, setembro é amarelo também
A prevenção ao suicídio ganhou, com justiça, um espaço especial no calendário de campanhas. Em Foz, o “Setembro Amarelo” reforça que falar sobre saúde mental é urgente e necessário. Os números crescem, as dores se multiplicam e o silêncio já não é opção. Mais do que cor e símbolo, o mês se transforma em convite para quebrar tabus, acolher quem sofre e lembrar que a vida é sempre a melhor escolha.

O homem e as asas
Já se vão mais de cinco ou seis décadas desde que eu soltava pipas. Fazíamos os “papagaios” com cola e varetas de bambu ou, na falta disso, improvisávamos uma “capucheta”, um pedaço de jornal dobrado ao meio. Nas salas de aula, a disputa era de aviõezinhos de papel, e fazia sentido: crescemos sob o impacto de ver o homem chegar à Lua. O tempo trouxe novos brinquedos — aeromodelos, e agora os drones. No fim de semana, um vizinho se desentendeu com outro porque o drone do filho derrubou o do colega. Nada mudou tanto assim: as encrencas seguem, antes com cerol nos fios, agora com hélices digitais. A diferença é que ainda tem gente tentando voar com um drone amarrado nas costas. Calma, gente: Deus deu asas apenas aos passarinhos.

Outra discussão
O drone também provoca outro debate: a aerodinâmica deixou de ser determinante com o uso de hélices. O que pensariam Da Vinci, Santos Dumont ou os irmãos Wright, que se inspiraram na envergadura das aves? Da Vinci até ousou com seu helicóptero helicoidal. A diferença é clara: drones em pane despencam sem chance de planar, ao contrário das máquinas com asas. E foi lembrando disso que cheguei aos VTOLs, veículos de decolagem e pouso vertical, que logo estarão congestionando os céus urbanos. Há cerca de duzentos projetos em andamento, dos caseiros aos industriais. A febre lembra os tempos em que televisores eram montados em fundos de quintal. Hoje, o sonho é decolar — custe o que custar.

Veríssimo
O escritor era um amigo de Foz, o recepcionei três vezes, nas edições do Festival Internacional do Humor. Era encarregado de receber os amigos, aliás, o Festhumor prestou essa colaboração, de atrair escritores e intelectuais de todos os lados, do Brasil e do Mundo. Foram muitas as atrações nacionais e internacionais. Mas o Veríssimo marcava pelo silêncio e sempre um sorriso de satisfação. Quando não estava quietinho, num canto, lendo um jornal ou simplesmente apreciando a natureza, tiravam jazz e bossa nova de um saxofone. Não era um músico tão eficiente quanto escritor e talentoso cartunista, mas dominava bem o instrumento. Fez muitos amigos em Foz e ao saberem de sua morte, foi grande o número de mensagens trocadas. Dei de procurar fotos, sei que existem em alguns arquivos e prometo publicá-las. O que achei para hoje foram impressos e memórias dos festivais. Que venha a nova semana com bons ventos, menos encrencas e mais leveza no voo do cotidiano. Boa semana a todos!