Quando cada um toca sua democracia, mas ninguém lê a mesma partitura
Entre o jazz truculento de Trump e a ópera constitucional de Alexandre de Moraes, o mundo assiste perplexo ao desencontro de ritmos. Entre outros assuntos, Foz do Iguaçu afina seus próprios acordes rumo à integração logística.
Democracia em línguas opostas
O “poder exercido pelo povo” não se comporta como na música, em que instrumentistas de diversos continentes leem a mesma partitura sob a batuta de um regente universal. Tampouco segue o exemplo do futebol, onde as regras são claras para todas as seleções, com árbitros atentos e bandeirinhas vigilantes. A democracia é, antes de tudo, um ato político — e por isso mesmo, impreciso, subjetivo, vulnerável à retórica e aos interesses. Eis o impasse das duas gigantes que se dizem paladinas da liberdade: Brasil e Estados Unidos. Trump quer reger uma orquestra de jazz com a bateria da escola de samba. E as regras do “futebol americano” tropeçam nos nossos gramados enlameados de jeitinho e gambiarra. Aqui, quase sempre, 2 + 2 vira “depende”. Se Isaac Newton testasse sua maçã numa árvore da Rocinha, ela talvez sequer chegasse ao chão — e a gravidade permaneceria em mistério. Acontece que nós estamos acostumados a isso. Eles não.
Demandas respeitáveis
As diferenças entre os sistemas democráticos de Brasil e Estados Unidos não são poucas — nem simples. Começam já nas eleições e se aprofundam na própria lógica institucional. Ambos, no entanto, respeitam a esteira constitucional: aquilo que está escrito. Os três poderes estão claramente definidos — Executivo, Legislativo e Judiciário —, cada qual no seu patamar, como degraus de uma escada que, por vezes, vira cadafalso para quem ousa sair da trilha. A Constituição dos EUA pauta o ataque; a do Brasil, a defesa. É justamente aí que mora a confusão: os valores se embaralham, porque o que parece certo nem sempre é justo. E quando justiça e legalidade dançam ritmos diferentes, o coreto balança.
Esbarrando nas linhas
Donald Trump viveu o poder perigosamente, equilibrando-se nas beiradas da Constituição — tal qual Jair Bolsonaro. Talvez venha daí a afinidade tão espontânea entre os dois, nem seria preciso o fuxico de filho magoado para explicá-la. Francamente, o ex-presidente norte-americano pinta e borda pelo mundo — inclusive com o Brasil — justamente porque não lhe permitem fazer o mesmo dentro dos Estados Unidos. É o típico piá que pula o muro para aprontar no quintal do vizinho. Uma barbaridade.
“Não pule o muro”
Foi o que disse o ministro Alexandre de Moraes a Jair Bolsonaro, ao decretar sua prisão domiciliar. Ele o fez com olhos de falcão que enxerga de cima, e, concluiu que o ex-presidente descumpriu medidas cautelares impostas pelo STF. O ato causou desconforto até nos colegas da Suprema Corte. O piá pançudo já andava com tornozeleira e mesmo que não levasse muito a sério as advertências, talvez não merecesse a prisão, mesmo que domiciliar. Agora, está proibido de receber visitas, de usar celular, entre outras restrições que, segundo seus aliados, representam “revanchismo” e “fim da democracia”. Eduardo chamou Moraes de “psicopata descontrolado”, Carlos passou mal e foi parar no hospital, e o restante do clã faz o esperneio habitual. A oposição, por sua vez, trata o caso com naturalidade jurídica, mas discretamente: prisão até julgamento. Com isso, chegamos ao quarto presidente preso desde a redemocratização. No mínimo, entediante.
E quais serão os efeitos?
Aliados do governo temem que a prisão de Bolsonaro complique ainda mais as negociações com os Estados Unidos, especialmente porque ocorreu às vésperas da entrada em vigor das tarifas de 50% sobre produtos brasileiros. Há quem diga que a detenção do ex-presidente pode atiçar a ira de Trump e ampliar as sanções contra aliados de Alexandre de Moraes. A esposa dele entrou na mira. O governo norte-americano já criticou duramente o ministro do STF e promete responsabilizar quem colaborar com suas “condutas”. Barbaridade. Parece cena de filme da Segunda Guerra Mundial, quando os nazistas escolhiam dez para fuzilar como represália a um único ato de sabotagem. Alguém me belisque e me acorde desse pesadelo. Se aparecer um disco voador, vou pedir carona.
Vamos combinar?
Queiram ou não, Alexandre de Moraes se tornou uma figura global — amado por uns, odiado por outros, mas impossível de ignorar. E quem diria? Está cara a cara com Donald Trump. Não dá pra negar: é cabra macho pra chuchu, conforme a música. Se vai se dar bem na pendenga transcontinental, aí são outros quinhentos. Este colunista não se aventura a julgar juridicamente suas atitudes, mas uma coisa é certa: o ministro tem ganhado apoio crescente no Brasil, o que, convenhamos, pode fazer cócegas em quem se acha o xerife do planeta. E isso, para os bolsonaristas, é um pesadelo com trilha sonora de Alcione.
Interferência à brasileira
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos bateu à porta da ONU pedindo: “suspendam as sanções de Trump contra Alexandre de Moraes.” O argumento é forte: as medidas aplicadas pela Lei Magnitsky representam interferência externa na soberania do Brasil e atentam contra um princípio universal — a independência do Judiciário. A petição foi enviada à Relatoria Especial da ONU, sugerindo que os EUA cessem as “ações coercitivas unilaterais”. A lógica é simples: se um juiz brasileiro pode ser sancionado por fazer valer a Constituição, todos os cidadãos brasileiros correm risco. É o Estado de Direito que está na berlinda — ou, como diz o documento, a paz, a justiça e os direitos humanos. E Trump acha que isso tudo é birra de “juiz comunista”?
Moraes no epicentro
A aplicação da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes fez o barril de pólvora institucional explodir. A norma, usada pelos EUA para punir estrangeiros por corrupção ou violações de direitos humanos, foi convertida por Trump em arma geopolítica — e já virou disputa ideológica e comportamental. Faça isso certinho senão te dou uma “magnistskyzada”. Não falta mais nada: Moraes virou protagonista involuntário de uma minissérie que logo irá ao ar. De um lado, Elon Musk, de outro, entidades de direitos humanos… Se esse roteiro fosse escrito por Hollywood, ninguém acreditaria.
E como anda a cabeça do povo?
Lulistas esfregam as mãos, bolsonaristas choram — e, no meio disso tudo, cresce o pessimismo nacional. Segundo o Datafolha, que não cansa de disparar números, 45% dos brasileiros acreditam que a situação econômica vai piorar. E convenhamos: em momentos assim, nada é mais corrosivo que o pessimismo. Mas nem tudo está perdido. Exportadores de café estão sendo assediados pelo mercado chinês — 183 empresas brasileiras foram habilitadas, em apenas dois dias. Há quem fale em compensação e até lucro. E o açaí? Vai sumir das prateleiras americanas. A frutinha roxa caiu no gosto da população, a ponto de transformar o cardápio de sorveterias tradicionais. Especialistas apostam que o açaí seguirá o caminho do café — e já há paraenses convocados para rodadas de negociação na Europa e Ásia.
Uma atrás da outra
Donald Trump parece decidido a construir, senão um muro de concreto, ao menos um de taxas. O novo programa de vistos norte-americano prevê cauções que podem chegar a R$ 82 mil para quem quiser entrar nos EUA a turismo ou negócios — um filtro consular com cheiro de sanção preventiva. A ideia é punir países com alto índice de permanência além do prazo legal e pouca confiabilidade nas informações fornecidas. Ninguém sabe ainda se o Brasil estará na lista, mas a dúvida já causa calafrios em agências e consulados. O projeto começa a vigorar em 20 de agosto e será um piloto de um ano. As taxas, reembolsáveis, variam entre US$ 5 mil e US$ 15 mil. Trump afirma que seu alvo é a imigração ilegal, mas os efeitos práticos já são percebidos: passagens mais baratas, viagens desmarcadas e brasileiros repensando o sonho de ir a Miami fazer compras. O “gringão” no fim das contas ajudará bastante Foz do Iguaçu e Ciudad del Este, fazendo quadriplicar os números do turismo interno.
Ai, ai, ai… cansei
Vamos respirar fundo e deixar um pouco de lado as encrencas planetárias. Mas só um pouco, porque Foz do Iguaçu é um mundão — e não merece desdém. A grande notícia do dia é a pedra fundamental do novo Porto Seco da cidade. Um investimento de R$ 500 milhões que promete dar nó no caos logístico e desatar o trânsito da área urbana. Com capacidade para 2 mil caminhões por dia, a nova estrutura será erguida às margens da BR-277, em um terreno de 550 mil metros quadrados. Resultado: menos fumaça de diesel nos bairros e centro e, enfim, a Perimetral Leste e a Ponte da Integração farão sentido. A previsão é que o novo terminal entre em operação em dezembro de 2026.
A engrenagem se mexe
O novo Porto Seco não é só um depósito de caminhões — é uma engrenagem estratégica para mudar o eixo do comércio exterior na Tríplice Fronteira. O projeto da Multilog, três vezes maior que o atual, deve dobrar a capacidade de cargas de Foz: em 2024, foram 8,6 milhões de toneladas e mais de R$ 47 bilhões em mercadorias. A concessão será de 35 anos, com sistemas modernos de escaneamento, controle automatizado e até docas refrigeradas. Os motoristas terão infraestrutura digna, com banheiros, refeitório e área de descanso. O governador Ratinho Junior classificou o investimento como “um marco para a logística brasileira” — e não exagerou. Foz passa a ser, de fato, um corredor logístico de integração entre Paraguai, Brasil e Argentina, com cara de futuro e cheiro de progresso. Bom, o sonho do General Silva e Luna é bem maior, de fazer valer a ligação transoceânica, ou pelo menos fazer de Foz um braço alimentador eficiente. A cidade possui estrutura aeroportuária para grandes aviões de carga, estradas e pode muito bem investir em portos no Lago de Itaipu.
De Montevidéu a Paranaguá
Um dos pontos mais ousados do projeto do novo Porto Seco é a tentativa de mudar a rota dos contêineres paraguaios, hoje escoados por Montevidéu. A Multilog aposta na conexão entre Assunção e o porto de Paranaguá, que é 400 quilômetros mais próxima. Para isso, o plano inclui um terminal de contêineres de grande porte dentro da nova EADI, com acesso direto à Perimetral Leste. A proposta é tornar Foz do Iguaçu o ponto de inflexão da logística sul-americana, redirecionando trilhas comerciais e reequilibrando o mapa das exportações. Parece sonho logístico — mas com a ponte nova, a Perimetral asfaltada e um pouco menos de burocracia, pode virar realidade. Foz, como sempre, está no entroncamento certo. Resta saber se há terrenos para expandir o depósito de contêineres, porque apesar de empilhados, ocupam espaço.
Fala sério… quem vive sem o Pix?
Tem coisa mais prática do que mandar dinheiro com um clique? O Pix virou a varinha mágica do brasileiro moderno — resolve da feira ao aluguel, do pagamento da diarista à encomenda do vinho argentino. Em Foz do Iguaçu, então, virou passaporte. A façanha agora é internacional: em Ciudad del Este e Puerto Iguazú, o QR Code fala português com sotaque de fronteira. Lojas, câmbios, feirinhas e até free shops aceitam Pix de turistas brasileiros, com conversão automática para guarani ou peso. Basta apontar a câmera do celular e tcharam: perfume, eletrônico e até doce de leite, tudo no débito. Nunca mais levei a carteira para passear.
Uma ponte chamada QR Code
Enquanto esse povo discute integração há décadas, o Pix resolveu a parada na prática. Em plena tríplice fronteira, os pagamentos cruzam o rio e as aduanas com fluidez. Em Ciudad del Este, 70% das vendas para brasileiros já são feitas por Pix. Em Puerto Iguazú, até os alfajores se renderam. O mais curioso? O sistema nem foi oficialmente internacionalizado — é o famoso “jeitinho legalizado”, Resultado: mais segurança, menos filas, e aquele velho costume de esconder dinheiro na meia, sutiã e cueca, vai perdendo espaço. O Pix, “sem querer, querendo”, construiu a ponte mais funcional da América Latina. E vai ver é por isso o Donald Trump odeia a ideia.
Enfim, chegamos à quarta-feira
Metade da semana e tudo indica que novos embates ainda vão roubar a cena. Haja maracujá, erva-cidreira e capim-santo para acalmar os ânimos dos mais exaltados. Este colunista prefere acreditar que, no fim das contas, ainda vai dar tudo certo — apesar da insistente Lei de Murphy. A propósito, ouvi uma aberração recentemente: alguém disse a uma turma de alunos que Edward A. Murphy era uma figura medieval. Pelo amor… era engenheiro aeroespacial! E já que estamos falando em absurdos, ele também dizia que o melhor jeito de espremer limão no peixe sem deixar respingar nos olhos… é colocar um pedaço de peixe em cada olho. Bom dia!
Rogério Bonato escreve regularmente ao Almanaque Futuro