Os que fazem da notícia um ofício de coragem, determinação, construindo pontes seguras entre o passado e o futuro

Jornalistas profissionais são também armazenadores da história. A homenagem dos colegas à Dina Oro e Aluízio Palmar, dois nomes que atravessam gerações e dignificam o jornalismo com memória, afeto e resistência, celebra a importância do zelo com os fatos e a verdade.

Dina & Aluízio:

Aqui vai o jornalismo à flor da pele e à prova do tempo: numa dessas espiazinhas que a gente dá nas redes sociais — com o nariz meio torcido, mas o espírito alerta — tropecei num anúncio que, diferente da média digital, me agarrou pela gola da memória: o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná decidiu prestar uma homenagem a Aluízio Palmar e Dina Oro. Dois nomes? Não. Duas presenças. Dois capítulos inteiros da minha vida e da história do jornalismo nesta cidade fronteiriça e feroz.

 

A ronda

O evento chama-se Ronda da Noite, nome que parece título de romance paulistano, mas que neste caso celebra o jornalismo feito com a alma nas pontas dos dedos. Acontece no próximo dia 28 de junho, no Bar Samambaia, com direito a caldos fumegantes, vinho argentino, e um show do Fumê — que, aliás, nasceu Renato Costa, mas se perdeu no apelido como todo artista de verdade. Aposto que nem a mãe dele chama de Renato mais.

 

E daí?

Mas vamos ao que interessa: por que Aluízio e Dina? Ora, por tudo o que fizeram — e ainda fazem — pela integridade do ofício, pelo afeto que plantaram nas redações e por aquele olhar de quem sempre soube separar o essencial da espuma. E digo mais: escrevo aqui não como biógrafo, mas como testemunha, “com açúcar e com afeto”.

 

O Aluízio e o barro da história

Quando cheguei em Foz, nos idos de um Brasil com cheiro de chumbo, o Nosso Tempo já incendiava a cidade com reportagens afiadas e editoriais que chamavam os generais pelo nome. Na prefeitura, um coronel lia tudo com atenção militar: Clóvis Cunha Vianna, uma espécie de censor-leitor. E lá estavam Aluízio, Juvêncio Mazzarollo e Adelino de Souza, costurando, a cada edição, uma nova fissura no silêncio imposto.

 

Nosso e outros tempos

Fui visitar a redação. O jornal, naquele dia, estava literalmente alagado. Uma enchente havia invadido a “baixada do Boicy” e subido até a cintura. Aluízio, de calça arregaçada, me recebeu com uma mistura de sarcasmo e serenidade. Fomos para a sala dele, cercada por livros, enciclopédias, papéis e convicções. Tomei café e levei biscoitos — herança da minha boa educação ou da fome mesmo. Ficamos ali trocando títulos e ideias: “leu esse?”, “e esse aqui?”, “e esse outro, então?”. Era uma conversa entre gente que ama o ofício e entende que antes da pauta, vem o caráter. Nos tornamos amigos naquele instante.

 

E o diário?

Perguntei, meio provocador: “Dá pé um jornal diário por aqui?” Ele pensou, coçou o queixo e respondeu com a precisão de um sábio preguiçoso: “Depende. Se for pra puxar o saco da prefeitura, mostrar madames sorrindo e pegar anúncio de Itaipu e dos ferros-velhos… pode ser que dê certo.” Na época, eu desenhava o Diário da Cidade ao lado de Paulo Mac Donald, Carlos Duso e Ney Guimarães. Mas era evidente: o Nosso Tempo era outro animal, um jaguar indomável da imprensa alternativa. Quando o país foi deixando de ser Área de Segurança Nacional, o jornalismo que resistia também se viu sem o inimigo concreto. Como disse Zélio Alves Pinto, que sabia e sabe das coisas: “A validade dos meios alternativos depende do tempo que a democracia demora pra chegar.”

 

Pós-Tempo, novos tempos

O fim do Nosso Tempo foi, paradoxalmente, um renascimento. Seus jornalistas se espalharam feito sementes ao vento. Reciel Rocha virou um mestre da diagramação. Juvêncio foi pra Itaipu e dali para o mundo. Adelino seguiu criando jornais como quem cultiva hortas: com método e paixão. E Aluízio se firmou como estrategista da comunicação pública, sem nunca abandonar o livro, o argumento ou a coragem. Ele escreve — e bem. Diz o que pensa. Pensa antes de dizer. E jamais, jamais, passou a régua em suas convicções. Jornalista raro, desses que a gente gostaria de ser quando crescer.

 

A coxinha e o clube

Na transição democrática, ainda havia polícia para jornalistas. Um dia, uma charge minha, envolvendo Sarney e Stroessner, me rendeu visita à Polícia Federal. Quem era o secretário de Comunicação do prefeito Dobrandino? Aluízio. Quando saí da delegacia, ele me esperava na calçada, com aquele humor que mistura ironia e ternura: “Bem-vindo ao clube! Tardou, mas entrou.” Depois fomos comer uma coxinha no Lalau. E rimos. Como se rir fosse também uma forma de resistir.

 

E a Dina, a “polaca”?

Alvir Preisner me levou até a redação do Combate — nome que já avisava o que vinha pela frente. Era uma salinha com duas mesas e uma mulher firme, direta, de olhos que sabiam mais do que mostravam: Dina Oro. Logo ela estava no Diário da Cidade, depois na TV Naipi, onde fui diretor. Mais adiante, quando fui inventar com a Letizia e o Anibal o Primeirahora, ela assumiu o jornalismo da emissora e fez dele uma expressão regional. Foi parar na TV Cataratas, afiliada da Globo, e dali firmou sua marca como uma das vozes mais fortes do jornalismo regional e graças a ela, Foz ganhou asas permanentes nos fatos positivos. Inteligente, corajosa, dedicada e com uma sensibilidade de dar inveja a muito poeta. Hoje não poderia atuar em um lugar que tivesse mais frequência com Foz do Iguaçu e a sua história: a Rádio Cultura. Tenho um orgulho danado dela.

 

A amizade e o tempo

Jornalista de verdade, desses do tempo da fita cassete, da máquina de escrever, do mimeógrafo e da lauda suada, sabe que a amizade resiste onde a notícia falha. Com Dina, Aluízio, Dudu, Ennes, Chico de Alencar, Donizete, Herculano, Selmo Aragão, Luiz Carlos Souto, Anésio, Compadre Santana e tantos outros, vivi o que hoje parece ficção para uma geração plugada e apressada. Tínhamos telefone fixo e ideias móveis. Gravador do tamanho de tijolos e textos leves como pluma. Papel carbono e coragem de sobra. O chumbo das letrinhas servia menos para imprimir jornal e mais para sustentar a coluna vertebral do ofício.

 

Para encerrar

Comovido, mas não triste, entendo que essa homenagem no Samambaia é mais que um evento: é um gesto contra o esquecimento. É um lembrete de que o jornalismo, quando feito com alma, deixa marcas. E que os amigos, quando verdadeiros, fazem parte da notícia — como pauta permanente do coração. Aos jovens jornalistas, organizadores de eventos assim, um pedido: celebrem os vivos, mas nunca esqueçam os que partiram. Sem eles, não haveria o caminho que agora percorremos. Viva Aluízio Palmar. Viva Dina Oro. Viva o jornalismo com memória.