Os julgamentos e as memórias afetivas, tudo junto em apenas um texto.
O país acompanhará o “julgamento do século”, entre tensões políticas e provocações internacionais. Na coluna de hoje há homenagens locais que lembram o valor da amizade, da cultura e da inclusão.
Almanaque do Dia
Hoje é a 240ª jornada de 2025 — restam 126 até o réveillon. O calendário religioso reverencia Santo Agostinho, pensador que construiu pontes entre fé e razão, deixando marcas na filosofia e na teologia. Na história, o dia ecoa o célebre discurso “I Have a Dream”, de Martin Luther King Jr., em 1963, diante do Lincoln Memorial, um grito eterno pela igualdade racial. Também neste dia, em 1996, Charles e Diana oficializavam o divórcio, virando a página mais dramática da monarquia britânica contemporânea. Já em 1945, nascia a Academia Brasileira de Música, guardiã do patrimônio sonoro do país.
E será que foge?
A determinação de Alexandre de Moraes para que a Polícia Federal vigie Jair Bolsonaro 24 horas por dia causou espanto até entre oposicionistas. O receio é de que o ex-presidente tente fugir, como se fosse personagem de novela, escapando pela janela de madrugada. Mas fugir seria infantilidade política e suicídio jurídico: quem abandona o barco, na prática, assume culpa. A defesa perderia qualquer argumento e a imagem internacional do país se tornaria mais uma piada. O fato de a própria PGR ter pedido monitoramento indica que há informações de bastidores. Assim, a vigilância virou espécie de reality: policiais dentro de casa, vizinhos curiosos e o país inteiro especulando se ele tentaria correr para o Paraguai ou Argentina, de moto ou de jet ski.
E o julgamento?
Se há algo que une o Brasil neste momento é a expectativa pelo julgamento no Supremo. Pipocas somem dos mercados, assinaturas de streaming disparam, e até mesmo os podcasts já anunciam edições especiais. O caso é tratado como “o julgamento do século”, com repercussões que vão além da política: movimenta economia, publicidade e, quem diria, até a dramaturgia, já que Globo teme ter suas novelas atropeladas pelo noticiário. Caso haja condenação, o período de prisão domiciliar não será descontado da pena — e a imagem da “prisão com piscina” viraria lembrança amarga. O espetáculo jurídico poderá redefinir a memória coletiva do país, que se divide entre ver a democracia reafirmada ou a polarização transformada em combustível ainda mais explosivo.
Credenciamento do espetáculo
O STF abriu credenciamento para o público assistir presencialmente ao julgamento de Bolsonaro e seus generais de confiança. O formulário eletrônico virou passaporte para a história, como se fosse ingresso para um show de rock. A ironia é que, em vez de guitarras, os protagonistas vestirão togas e o palco será tomado por debates jurídicos. Os réus, acusados de tentativa de golpe e crimes que somam mais de 30 anos de prisão, terão suas defesas exibidas como num tribunal de Nuremberg tropical. A expectativa é tamanha que já se especula sobre filas de madrugada, cambistas à espreita e até caravanas políticas organizando excursões. Nunca a liturgia do Supremo foi tão comparável a uma arena.
E vem aí o 7 de Setembro!
No meio da tensão do julgamento, chega a data cívica mais carregada de simbolismo nacional: o Dia da Independência. Desfiles militares, manifestações populares e palanques se transformarão em arenas. Governistas tentarão exibir força, brandindo slogans de soberania e resistência ao tarifaço de Trump. Já bolsonaristas usarão a rua como palco de resistência, transformando o feriado em prévia eleitoral para 2026. A adesão nas ruas será medida em drones, helicópteros e transmissões ao vivo. O país, que deveria celebrar, parece cada vez mais prisioneiro de sua divisão interna. Será o feriado da pátria ou da disputa pelo futuro do Planalto? Eis a pergunta que já agita até rodinhas de igrejas.
‘O Brasil é dos brasileiros’
O Planalto resolveu enfrentar Trump com… bonés azuis. A moda nacionalista chega como réplica ao icônico boné vermelho do ex-presidente norte-americano, mas não convence nem os mais entusiasmados marqueteiros. Lula e ministros posam com o acessório estampado de slogans, numa tentativa de mostrar resistência ao tarifaço. O problema é que chapéu não abre mercado, nem reduz imposto. A medida soa mais como performance para fotos do que estratégia comercial eficaz. Em tempos de guerra tarifária, negociar bastidores teria mais efeito do que disputar quem tem o boné mais colorido. O risco é transformar política externa em desfile de moda, onde o acessório fala mais alto que diplomacia.
Piadinha indigesta
O ministro da Defesa de Israel, Israel Katz, decidiu brincar de influencer digital e publicou uma imagem manipulada onde Lula aparece como marionete do aiatolá Ali Khamenei. A cena, feita com inteligência artificial, viralizou, mas trouxe mais constrangimento do que humor. Katz ainda classificou o presidente brasileiro como “antissemita declarado” e apoiador do Hamas, jogando gasolina em um fogo já inflamado nas relações internacionais. O detalhe é que a postagem foi feita na rede de Elon Musk, aliado e fã de Trump, o que dá à provocação um tom orquestrado. O episódio mostra como a política internacional virou campo de besteiras, e não de diálogo. Pena que insulto digital não resolva guerras reais. (Foto)
O palco internacional
De um lado, Washington pressiona o Brasil com tarifas abusivas; do outro, Tel Aviv lança insultos digitais. No meio disso, Brasília tenta se equilibrar entre manter soberania e não perder espaço comercial. O Brasil sempre buscou papel de mediador no tabuleiro internacional, mas a escalada recente mostra como é difícil manter neutralidade quando potências usam piadas, bonés e medidas de força para marcar território. Trump ameaça fechar mercados, Israel espalha ironias, e o país precisa responder sem cair no ridículo. Diplomacia exige discrição e firmeza, não plateias de rede social. O risco é transformar o Brasil em alvo fácil, incapaz de reagir com o peso de sua tradição diplomática.
Sem querer querendo
Não se trata de defender Lula nem de atacar adversários, mas de reconhecer fatos: o presidente brasileiro jamais se manifestou de forma antissemita. Ao contrário, em sua trajetória política, sempre se mostrou respeitoso com a memória do povo judeu e solidário diante das perseguições históricas que sofreu. O que Lula tem feito é criticar a violência contra civis em Gaza e nos territórios palestinos, uma postura que ecoa entre diversos líderes mundiais que pedem soluções diplomáticas para o conflito. A caricatura divulgada por Israel Katz, que tenta reduzir esse posicionamento a uma imagem ofensiva, não reflete a realidade. Para quem acompanha de perto sua atuação, Lula tem sido constante na defesa de valores humanísticos, pautados pela busca da paz e do diálogo.
O risco da distração
Enquanto todos acompanham os fatos mais recentes, incluindo o julgamento como novela, e se distraem com bonés e memes, a agenda nacional vai ficando para trás. Reforma tributária emperra, previdência se arrasta, infraestrutura espera canteiros que nunca começam. O espetáculo da política rende cliques, mas não resolve problemas. Governar exige menos fogos e mais planilhas. Se Brasília continuar refém da dramaturgia diária, corremos o risco de chegar às eleições de 2026 com o mesmo cenário de hoje: país polarizado, economia travada e uma democracia que resiste, mas respira ofegante. O excesso de distração é o verdadeiro golpe contra o futuro.
Amigo guardado do lado esquerdo do peito
A coluna hoje está recheada de imagens, mas começo por uma das mais valiosas: o reencontro com o amigo Paulo Rigotti, no Mercado Público Barrageiro. O friozinho da tarde foi aquecido pelas lembranças da época em que ele, com dedicação quase sacerdotal, conduzia as atividades da Fundação Cultural. Foram anos em que serviu a diferentes gestões, sempre prestativo, resolvendo o que parecia impossível e, de quebra, mantendo viva a chama dos eventos que marcaram a vida cultural da cidade. A foto que tiramos juntos denuncia o tempo: cabelos mais ralos, brancos, barrigas mais generosas, mas também sorrisos mais francos, adornados pela araucária centenária que emoldura o mercado. O tempo, às vezes impiedoso, também é generoso: transforma memória em patrimônio afetivo. (foto)
Eliane na APAE
Quem foi surpreendida nesta semana foi a jornalista Eliane Schaefer, durante a cobertura das XXIII Olimpíadas das APAEs. A entidade lhe prestou uma homenagem singela, mas carregada de afeto e reconhecimento. Não é para menos: ela sempre esteve presente nas iniciativas da casa, seja na Canja do Galo Inácio, seja apoiando as mostras de arte e apresentações culturais dos alunos. Quem já assistiu sabe: os jovens da APAE são pura energia criativa, transformando música, poesia e pintura em espetáculo de vida. Eliane se emocionou, como tantos outros que testemunharam o talento daquelas mãos que criam e daqueles corações que sonham. A arte, ali, não é adereço: é ferramenta de inclusão e afirmação.
Moro e Zé Elias
Na abertura das Olimpíadas das APAEs, quem também marcou presença foi o senador Sérgio Moro, acompanhado do parceiro de sempre, Zé Elias. Moro discursou, concedeu entrevistas e, principalmente, conversou com alunos e familiares, deixando de lado a formalidade para se aproximar de quem realmente importa. Ao lado de Leonardo Lugon, presidente da APAE Foz, destacou a importância da entidade e lembrou das emendas parlamentares destinadas à região. Pode-se gostar ou não de sua trajetória política, mas é fato que Foz tem recebido atenção em recursos, algo que se traduz em apoio concreto a várias instituições. O registro fotográfico mostra não apenas a solenidade, mas também a tentativa de aproximar Brasília das necessidades locais — e, convenhamos, essa ponte nunca é demais. (Foto)
Bonato ao microfone – Carta do leitor
“Sou mais ouvinte do que amigo do colunista, o encontrei pessoalmente poucas vezes nas últimas décadas, mas sempre estou atento ao que escreve e fala. Toda a vez ele dá uma bicadinha no programa Contraponto, da Rádio Cultura, a minha velha que fica cozinha, ao lado do rádio grita: ‘Zé, corre que aquele teu amigo, gordo, vai falar no programa do Dr. Nelso’. E eu paro de dar milho às galinhas e corro para escutar. Agora ele inventou um jeito diferente de usar microfone, lendo a coluna que está impressa no jornal ou na internet. Inovou e se mantém imparcial ao extremo; também o vejo nos vídeos do Insta, mostrando as obras estruturantes, reclamando dos buracos e depois verificando se foram devidamente tapados. Esse cara não para nunca! Vai aqui o abraço de um velho amigo, desde os tempos em que a Rádio Cultura era na Rua D. Pedro II.”
Zé Roberto Machado Feitosa
Resposta do colunista
Grande Zé, como sempre o chamamos. Certamente já nos encontramos muito mais do que lembram as linhas da sua carta — porque a amizade não se mede por encontros, mas pelo respeito e pela atenção que atravessam o tempo. É gente como você, leitor e ouvinte fiel, que justifica a minha dedicação diária a este ofício. A comunicação, quando feita com seriedade e humor na medida certa, serve para aproximar, esclarecer e também para preservar a memória coletiva da nossa cidade. Não importa se os anos mudam o traçado das ruas ou o curso dos rios: seguimos firmes, tentando transformar a rotina em história. Receba meu abraço afetuoso, você e dona Martha, com a certeza de que é para pessoas como vocês que ligo o microfone todas as manhãs.
Até amanhã!
E assim vamos encerrando a coluna desta quinta-feira, entre encontros de velhos amigos, homenagens merecidas e registros de quem faz a diferença na cidade. Que o dia seja produtivo, mas também leve, com direito a café passado na hora e, se possível, uma pausa para contemplar o pôr do sol — que anda caprichado nestes fins de inverno. A todos, uma boa quinta-feira, daquelas que nos lembram que cada jornada é mais bonita quando dividida com boas histórias e bons amigos.
Rogério Bonato escreve regularmente para o Almanaque Futuro