O drama e os bastidores do comércio de combustíveis em Foz do Iguaçu. Leia o texto e ouça o podcast.
Unila faz pesquisa, preços variam, aumentos são praticados e descontos nem tanto. Mas nem tudo é notícia ruim. Empresários se antecipam e inovam. Leia na coluna de Rogério Bonato.
Ai, a gasolina de cada dia
Abastecer no Brasil é uma experiência antropológica. O frentista sorri, limpa o para-brisa, confere os pneus, brinca com o cachorro no banco de trás e até arrisca um “bom dia” radiante. Mas todo esse ritual perde importância diante da pequena tela digital que mostra o preço do litro. É ali que está a verdadeira emoção. Quando o valor cai alguns centavos, parece até que a vida melhorou. Só que essa alegria é rara. A gasolina, que deveria ser um insumo básico da economia, virou artigo de luxo, afetando desde o trabalhador que precisa do carro até o empresário do transporte. É dinheiro contado, gasto religiosamente a cada parada no posto, e que alimenta não só os motores, mas também a paciência de quem ainda acredita em milagre nas bombas.
Academia nas bombas
Um estudo da UNILA mostrou, com números, aquilo que todo motorista sente no bolso. Entre 1º e 21 de junho, pesquisadores monitoraram 96 postos em cinco cidades do Oeste. Conclusão: a redução de R$ 0,17 por litro, anunciada pela Petrobras, não chegou ao consumidor na maioria dos estabelecimentos. Em Foz, apenas 29,17% repassaram a queda. Em Marechal Cândido Rondon, o índice foi de 75%. A diferença entre cidades é gritante, revelando que, mais do que logística, há uma cultura empresarial diferente em cada praça.
Diferenças entre uns e outros
Os dados da UNILA mostram outro detalhe incômodo: apenas um posto em cada cidade repassou integralmente a redução. E a demora foi regra em várias praças. Em Marechal, a maioria ajustou no dia seguinte. Já em Foz, o primeiro só baixou os preços três dias depois, e outros demoraram até cinco. Quando o preço sobe, a desculpa do estoque não existe. Quando cai, a explicação é sempre a mesma: “compramos combustível mais caro e precisamos vender antes de repassar”. Difícil não ver oportunismo nesse jogo.
De olho nas bombas
O professor Ricardo Hartmann, coordenador da pesquisa, resumiu a regra: aumentos chegam rápido, reduções demoram. E há indícios de algo mais: um padrão de preços que sugere cartelização. O estudo utilizou dados do aplicativo Menor Preço, do Nota Paraná, permitindo monitorar em tempo real os valores de cada posto. Para quem acha que isso é exagero, basta lembrar quantas vezes cidades inteiras parecem combinar o mesmo preço, centavo por centavo. O Procon e a ANP deveriam agir, mas o motorista continua sem respostas. Até lá, o brasileiro segue abastecendo desconfiado, como quem entra em um cassino sabendo que a casa sempre ganha.
Independência e olho no curral
O setor de combustíveis já foi mais lucrativo. Hoje, margens apertadas obrigam empresários sérios a controlar cada centavo. Mas, paralelamente, surgem denúncias de uso de postos como fachada para negócios escusos, inclusive de facções criminosas. Investigações recentes, como a Operação Carbono Oculto, revelaram conexões entre o crime organizado e importações ilegais de metanol. É nesse ambiente que o consumidor se movimenta: sem opção de não abastecer, mas sabendo que parte do dinheiro pode ir parar em caixas obscuros. A ironia é que o combustível se tornou tão essencial quanto o pão, mas com muito mais fumaça ao redor.
Cartel líquido
A concorrência, que deveria proteger o consumidor, muitas vezes se transforma em teatro. Postos que juram não se conhecer praticam valores idênticos, com centavos milimetricamente alinhados. É difícil acreditar em coincidência. Sem fiscalização firme, cria-se a percepção de cartel, onde o mercado age em bloco para garantir margens. E o motorista, refém, paga mais caro do que deveria.
Ampliando o debate
O Brasil discute a Lei do Combustível do Futuro, que promete aumentar a mistura de biocombustíveis e reduzir a dependência do petróleo. É avanço importante, mas de difícil execução. Ao mesmo tempo em que busca descarbonização, o país continua dependente das importações e das oscilações do mercado internacional. Combustíveis fósseis ainda mandam no transporte de carga e passageiros. Enquanto isso, laboratórios e montadoras já testam carrocerias fotovoltaicas, motores híbridos e sistemas eólicos. Parece utopia, mas está mais perto do que se pensa. O problema é a transição: como sair da bomba fóssil para um futuro verde sem quebrar a economia no meio do caminho?
Descarbonização ou envenenamento?
Aumentar a mistura de etanol e biodiesel ajuda a reduzir emissões. Mas há sempre os que burlam a regra. A fraude com metanol é a mais grave: invisível, tóxica, capaz de causar cegueira e até morte. Para o veículo, significa pane, entupimento e altos custos de reparo. Para o dono, um prejuízo duplo: saúde e bolso. A lógica do criminoso é simples: o lucro rápido vale mais que a vida alheia.
“E como é que sonega?”
Nas investigações sobre os tentáculos das organizações criminosas no setor de combustíveis, uma pergunta chamou atenção: “o caso é descobrir como sonegar isso”. O diálogo revelava a trama de supostos criminosos que buscavam importar mais um produto ilegal para ser diluído na gasolina. A verdade é que a chamada máfia dos combustíveis só cresceu porque encontrou terreno fértil na sonegação. Em fevereiro de 2025, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) atualizou os valores do ICMS sobre gasolina, etanol, diesel e GLP. A base de cálculo considerou os preços médios mensais dos combustíveis, apurados pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) entre fevereiro e setembro de 2024, em comparação com o mesmo período de 2023. O resultado fixou em R$ 1,47 o ICMS para gasolina e etanol, R$ 1,12 para o diesel e R$ 1,39 por quilo para o GLP. Enquanto o empresário sério se vê obrigado a arcar com tributos altíssimos, quem opera nas sombras simplesmente dribla a lei. Eis a diferença gritante: de um lado, o contribuinte que paga caro; do outro, o criminoso que enriquece sem prestar contas ao Estado nem ao consumidor.
Autossuficiência relativa
O Brasil tem avançado em autossuficiência energética, com aumento na produção de derivados e aposta em biocombustíveis. Mas a realidade é menos glamourosa. O país ainda importa e sofre com as flutuações do mercado internacional. Ao mesmo tempo, o setor agrícola se beneficia: a demanda por etanol e biodiesel estimula empregos e movimenta a agricultura familiar. Só que o dilema persiste: como conciliar a lógica da autossuficiência com preços internos que parecem nunca estabilizar? A resposta não está no papel, mas na prática, onde o consumidor continua pagando a conta.
Briga inglória
O governo promete proteger preços internos da volatilidade externa. Mas, ao mesmo tempo, não pode sacrificar a Petrobras, que precisa investir em pesquisa, exploração e tecnologia. É uma equação ingrata: estabilidade para o consumidor, lucro para a estatal e competitividade no mercado. Em qualquer arranjo, alguém perde. O histórico mostra que, quando o governo interfere demais, a Petrobras sangra. Quando solta demais, o consumidor paga caro. Isso parece não ter fim.
Controvérsias técnicas
O aumento da mistura de biocombustíveis levanta debate entre especialistas. Motores não flex podem sofrer desgaste, caminhões já reclamam de desempenho e oficinas apontam aumento no volume de manutenção. É o dilema da pressa verde: avançar nas metas ambientais sem avaliar o custo mecânico. Sem planejamento de infraestrutura, a transição corre o risco de virar uma corrida maluca, com o Dick Vigarista na pole position.
O petróleo ainda manda
O Brasil até tem potencial de liderança verde, mas ainda caminha em terreno fossilizado. É a velha contradição: fala-se em futuro sustentável, mas o presente ainda gira em torno de barris de nas refinarias. O consumidor, por sua vez, sonha com energia limpa, mas em maioria expressiva paga por combustível fóssil.
Muito para pensar
Em Foz do Iguaçu, o empresário Carlos Duso já pensa no futuro. Seus postos estão sendo transformados em espaços multifuncionais: hotéis sustentáveis, estações de recarga elétrica e biocombustíveis. Um passo ousado, quase futurista, que lembra os desenhos animados dos Jetsons. Pode parecer exagero, mas pensar adiante sempre foi a chave para se manter competitivo. E, convenhamos, quando os carros voadores chegarem — porque eles chegarão — será preciso espaço para pouso. Quem se adianta, abastece o amanhã.
O amanhã já chegou
Oficinas especializadas já oferecem conversões de motores em baterias. Em vez de trocar de carro, o proprietário troca o coração do veículo. Parece ficção científica, mas é realidade em crescimento. A humanidade sempre se adaptou. Submarinos que antes usavam carvão e diesel hoje funcionam com energia nuclear. Carros que queimavam gasolina podem, em breve, rodar em silêncio com baterias recicláveis. A transição não é só tecnológica: é cultural. E exige coragem para abandonar velhos vícios.
Fechando o tanque
O cenário é cheio de contradições: preços que não caem, fiscalizações lentas, futuro que já bate à porta. Entre denúncias de cartel, fraudes com metanol e promessas verdes, o consumidor fica perdido, pagando caro por um litro que pesa no bolso e sufoca o planeta. Mas a mudança virá, mais cedo do que se imagina. O combustível fóssil será peça de museu, e Foz do Iguaçu, com seus ônibus elétricos e projetos inovadores, pode ser vitrine dessa virada. Até lá, só resta rir para não chorar.
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