O custo insustentável do populismo

O custo insustentável do populismo

Gaudêncio Penaforte

Não existe política de redistribuição de renda às avessas mais eficiente do que uma taxa básica de juros, a famosa Selic, em 14,75% ao ano. Podem comemorar os rentistas da Faria Lima and beyond, rendendo as devidas homenagens aos governos petistas das últimas décadas, que garantiram retornos financeiros generosos aos donos do capital. Evidentemente, o governo Lula e sua militância preferem transferir responsabilidades e disparar contra a ganância insaciável dos banqueiros. Mas o fato objetivo é que não há aliado mais fiel dos rentistas do que governos populistas no comando do Estado.

O desequilíbrio fiscal é garantido e, com ele, a necessidade de juros altos para compensar o risco e conter a inflação. Essa é uma receita que nunca falha. Ou alguém acredita seriamente que é possível baixar as taxas de juros e controlar a inflação gastando mais do que se arrecada?

É evidente que o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não corre o risco de ser agraciado com o Nobel de Economia, embora venha fazendo um trabalho extraordinário à frente da pasta. Mas, justiça seja feita, merecia pelo menos o título de campeão do Campeonato Mundial de Malabares, tamanho o desafio de tentar equilibrar as contas, conter o déficit público e domar a inflação enquanto é permanentemente sabotado por seus próprios pares — com destaque para o chefe da Casa Civil, ministro Rui Costa. Nenhum titular da Fazenda tem vida fácil, mas poucos enfrentaram um cenário tão cruel quanto Fernando Haddad.

A Argentina, logo ali, funciona como um laboratório vivo dos resultados de décadas de populismo peronista. O que ocorre com nossos hermanos, agora às voltas com a motosserra de Javier Milei, oferece uma antevisão dantesca do inferno fiscal e inflacionário. Não é preciso recorrer à literatura econômica: o Brasil já provou desse veneno.

Mesmo assim, o governo prepara mais um pacote de bondades: ampliação do vale-gás e gratuidade da conta de energia elétrica para os consumidores de baixa renda, na tentativa de conter a queda de popularidade. Mas, como ensina a mais elementar regra da economia doméstica — que deveria valer também para a economia pública —, não existe almoço grátis.

Economistas de diferentes escolas de pensamento e especialistas em finanças públicas vêm alertando para a bomba-relógio fiscal que se arma debaixo dos nossos pés. Nos últimos tempos, muito se falou em Previdência, mas pelas razões erradas: a escandalosa tungada em aposentados promovida por sindicatos e associações fantasmas, algumas verdadeiras organizações criminosas, com a conivência de gestores do INSS e a complacência da cúpula do Ministério da Previdência.

A pauta correta deveria ser outra: como desativar a bomba-relógio do déficit previdenciário. Em 2023, pela primeira vez na história, a despesa previdenciária total administrada pela União superou a marca de R$ 1 trilhão — R$ 1,066 trilhão, para ser exato, contra uma arrecadação de R$ 638 bilhões. Um rombo que passou de R$ 393 bilhões.

Só o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que atende aos trabalhadores do setor privado urbano e rural, acumulou um déficit de R$ 315,7 bilhões, equivalente a 73,7% do resultado negativo total. Especificamente, a Previdência Rural — que não exige contribuição efetiva, bastando a autodeclaração de atividade rural, conceito cada vez mais elástico e sujeito a fraudes e distorções — respondeu por R$ 177,2 bilhões desse valor, superando em 37,3% o déficit urbano, embora represente uma fração dos benefícios pagos. Esse é, há décadas, um dos grandes drenos ocultos e politicamente intocáveis das contas públicas.

No Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que cobre os servidores civis da União, o déficit chegou a R$ 54,8 bilhões em 2023, mesmo após as reformas constitucionais que endureceram regras e estabeleceram um regime complementar. No caso dos militares, administrado pelo SPSMFA, a diferença entre receitas (R$ 9,1 bilhões) e despesas (R$ 58,8 bilhões) resultou num déficit de R$ 49,7 bilhões — com uma cobertura pífia de apenas 15,4% das despesas pelo próprio sistema. E no Distrito Federal, o FCDF — que banca a previdência das forças de segurança locais — registrou o maior déficit em 14 anos: R$ 8 bilhões.

Outro dreno silencioso, por ora fora do radar, é o Regime de Previdência Complementar (RPC), para o qual migraram em massa servidores federais das faixas salariais mais elevadas do Executivo, Legislativo e Judiciário. Com boas razões: o sistema oferece condições privilegiadíssimas, como o Benefício Especial (BE), calculado pela média das remunerações com garantia de correção anual pelo INPC, somado ao teto do INSS — também corrigido anualmente pelo mesmo índice oficial. Acrescente-se a isso o que o servidor acumular na fundação previdenciária do seu órgão enquanto estiver na ativa, com o atrativo de a União dobrar o aporte feito. Este sistema, dentro de algumas décadas, será outro sorvedouro monumental de recursos públicos, pressionando ainda mais o já deficitário orçamento previdenciário.

Nesse contexto, há economistas liberais, como o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, defendendo uma moratória de seis anos sem aumento real (acima da inflação) para o salário mínimo. Uma proposta considerada herética pelo populismo fiscal praticado pelo atual governo. Evidentemente que há certa coerência na defesa da política de valorização do salário mínimo. Afinal, é sempre mais fácil punir os trabalhadores, aposentados e pensionistas que vivem com um salário mínimo. Os defensores de políticas redistributivas — mesmo sem lastro fiscal — naturalmente rechaçarão a ideia, tachando-a de receita neoliberal.

Mas a questão de fundo permanece: o regime fiscal do país tornou-se estruturalmente insustentável. A única dúvida é quando o sistema entrará em colapso. Com mais de 90% do orçamento federal engessado — e há quem, como o ex-ministro Maílson da Nóbrega, afirme que as vinculações constitucionais e gastos obrigatórios já alcançam 94% —, e com o apetite voraz dos parlamentares, que devoram a parte não carimbada através das emendas, o país já se tornou, na prática, ingovernável. O Executivo poderia perfeitamente entrar em recesso e deixar as chaves dos ministérios e órgãos públicos com os porteiros.

Mantendo essa trajetória, o governo Lula prepara metódica e sistematicamente as condições ideais para um ajuste draconiano nos moldes de Milei na Argentina ou de Trump nos Estados Unidos — caso o Brasil volte a cair no colo de uma gestão de extrema-direita ou de centro-direita. Um cenário previsível.

O problema maior está na total inapetência do governo em realizar as reformas indispensáveis para equilibrar as contas públicas e na tentação irresistível de dobrar a aposta em medidas populistas, como as propostas de ampliação do vale-gás e gratuidade da conta de luz para a baixa renda. Esse roteiro pavimenta o caminho para o retorno de um governo reacionário com uma agenda ultraliberal.

Esse é o dilema que enfrentamos a pouco mais de um ano das eleições presidenciais. Se esse prognóstico sombrio se confirmar, a esquerda poderá ao menos consolar-se com o surrado discurso contra o neoliberalismo. Mas, como de hábito, quem pagará o preço do populismo irresponsável serão justamente os mais pobres e vulneráveis.

Gaudêncio Penaforte é analista político e econômico, conhecido pelo olhar mordaz sobre as contradições fiscais brasileiras e crítico contumaz do populismo de esquerda e de direita.