Por Pedro Santafé, especial para Almanaque do Futuro
Às 13h08 desta quinta-feira (08/05), a fumaça branca saiu da chaminé da Capela Sistina, anunciando que, no segundo dia de conclave, o colégio cardinalício havia logrado eleger o novo papa, abrindo um novo capítulo na história da Igreja — no horário de Brasília, entardecer luminoso em Roma. E, com ela, a Praça de São Pedro explodiu em júbilo. Iniciava-se uma espera angustiante, que se estendeu por mais de uma hora, até que a janela do Vaticano se abriu e o cardeal francês Dominique Mamberti surgiu na sacada para pronunciar solenemente em latim, seguindo a tradição da Igreja Católica: “Annuntio vobis gaudium magnum: Habemus Papam”
A multidão, que àquela altura lotava a Praça de São Pedro, rompeu em regozijo quando o nome do eleito foi proclamado: Cardeal Robert Francis Prevost, um norte-americano de Chicago, Illinois, com alma latino-americana. Soube-se, em seguida, que ele escolhera chamar-se Leão XIV.
O entusiasmo imediato nas redes sociais e nos noticiários de todo o planeta logo destacou um traço singular de seu perfil: Prevost é mais peruano que americano aos olhos da América Latina. Viveu quase duas décadas no Peru, onde chegou em missão agostiniana em meados dos anos 1980. Por lá, dirigiu seminário, tornou-se bispo, naturalizou-se peruano e integrou a Conferência Episcopal do país. Ao se apresentar ao mundo nesta tarde, o novo Papa dirigiu-se em espanhol à sua antiga diocese de Chiclayo, relembrando sua convivência com um povo pobre, resiliente e profundamente católico.
A escolha de um Papa tão identificado com a região reforça a continuidade da linha apostólica, reformista e progressista inaugurada por Jorge Mario Bergoglio, o cardeal argentino que se tornou o carismático Papa Francisco. É natural, portanto, o entusiasmo com que os católicos latino-americanos recebem a eleição de Leão XIV. Entusiasmo compreensível não só pela origem pastoral do novo pontífice, mas pelo reconhecimento de que a América Latina permanece um eixo espiritual e político para o catolicismo contemporâneo.
Nos bastidores, fala-se muito do peso do apoio dado pelo cardeal hondurenho Óscar Rodríguez Maradiaga, veterano e influente articulador da Cúria Romana. Apesar de já fora do Conclave pela idade, Maradiaga — considerado um “fazedor de papas” — teria mobilizado apoios decisivos para o Cardeal Prevost, reforçando a corrente pastoral e missionária dentro do Colégio Cardinalício.
O novo Papa carrega, também, a expectativa de um diálogo mais próximo com as correntes progressistas da Igreja latino-americana, em especial no tocante à Teologia da Libertação, que marcou profundamente o continente nas décadas finais do século XX. Embora não se declare adepto, seus anos junto aos mais pobres do Peru e sua atuação em dioceses periféricas sugerem afinidade pastoral com as preocupações sociais que esse movimento expressou. A conferir como o tema será tratado neste início de pontificado.
Interessante, ainda, a observação feita por um pesquisador brasileiro radicado nos Estados Unidos, que comparou o impacto da eleição de Leão XIV para o regime trumpista à chegada de João Paulo II ao trono de Pedro em 1978, quando a Polônia, sua terra natal, se encontrava sob o domínio comunista. Em meio a uma sociedade norte-americana polarizada, onde a Igreja Católica enfrenta dilemas morais e políticos internos, a figura de um Papa moderado, missionário e reformista pode exercer sobre os EUA uma influência positiva comparável àquela que Wojtyła exerceu sobre a Polônia.
Ao escolher o nome Leão XIV, Prevost também evoca uma linhagem histórica relevante. Os papas chamados Leão, ao longo da história da Igreja, foram geralmente líderes de linguagem forte e posições claras em momentos de tensão e transformação. Leão I, o Magno, deteve Átila às portas de Roma no século V; Leão XIII, no século XIX, abriu a Igreja à questão social moderna com a encíclica Rerum Novarum. O novo pontífice parece herdar esse compromisso com o enfrentamento dos desafios de sua época, mas agora sob o signo do diálogo e da construção de pontes.
O discurso inaugural de Leão XIV deu pistas firmes sobre o tom que deseja imprimir. “Precisamos ser uma Igreja que constrói pontes”, afirmou, sob aplausos na Praça de São Pedro. Pontes entre povos, religiões, culturas e classes sociais. Pontes com os que sofrem, com os esquecidos, com os jovens descrentes. Em meio a uma Igreja frequentemente dividida entre tradicionalistas e progressistas, a metáfora da ponte resume bem o desafio.
“A paz esteja com todos vocês. Essa é a paz de Cristo ressuscitado, uma paz desarmada e desarmante, humilde e perseverante”, declarou, evocando as palavras tantas vezes repetidas por Francisco. E como ele, Leão XIV encerrou sua primeira bênção invocando Maria, com a Ave Maria recitada em italiano, diante de uma praça que, mais do que em júbilo, parecia sedenta de esperança.
Viva Leão XIV.
Pedro Santafé é jornalista, cronista e correspondente ocasional em Roma para veículos latino-americanos. Ex-seminarista na juventude, mantém uma relação afetiva e crítica com os temas religiosos, sem pretensão teológica. Santafé é conhecido por seu olhar sensível aos momentos históricos e por narrativas que privilegiam o contexto humano e político dos grandes acontecimentos da Igreja.