Flanar é um ato de liberdade

Uma vez me contaram que existia uma palavra em francês, flâneur, que tinha uma tradução não muito fácil para o português, mas significava algo como “andar por aí”, “sair sem destino”, “em errância”, algo assim. E, como já circulava uma versão abrasileirada, flanar, gostei da palavra, inseri em meu repertório e passei a aprimorar para mim mesmo o conceito.

Então, me coloquei a refletir sobre a prática de flanar, e a flanar, claro, e apresento aqui as minhas pontuações sobre o tema.

Flanar significa utilizar a cidade de forma mais singular. Observando na escala humana a oferta de experiências sensoriais e contemplativas, perceber odores – agradáveis ou não – e sabores, observar a fauna de pessoas e pets, a flora arquitetônica, cumprimentar passantes, sentar para um café sem conversar com ninguém ou mesmo para conversar com pessoas amigas.

Flanar é conhecer a cidade se perdendo nela. É se esconder mesmo quando se é visto. É comer devagar, degustar com pausas, apreciar.

É observar atentamente o mundo estando nele, atuar no palco dos pensamentos e contemplar o fluxos das ideias, mudar as distâncias focais, organizar projetos, escrever ou desenhar alguma nova expressão e respirar para, ao terminar de flanar, retomar as responsabilidades, os afetos e as rotinas.

Flanar, para mim, está no mesmo campo dos pensamentos mais singulares, como o modernismo, o minimalismo, a psicanálise e a física.

Pelo olhar do minimalismo, por exemplo, flanar é um momento de abrir mão de estímulos a nós impostos e escolher quais estímulos realmente importam, fazem sentido ou nos tocam. Em geral, flanamos ao céu aberto ou em lugares acolhedores, silenciosos ou mesmo caóticos, uma vez que o caos pode também representar coisa alguma, ser mínimo.

A contemporaneidade nos impõe resultados, desempenho, entregas, individualismo, solidão forçada, relações rasas, consumo e constante absorção de informação efêmera. Ela nos avisa que a violência é um ativo econômico e nos projeta para uma cidade enclausurada em shoppings, não nos deixa olhar as portas, caminhar em paz, utilizar a cidade de forma mais leve e doce.

Flanar é como ler um livro lentamente, observar as palavras, retomar o parágrafo na busca por sentido.

Sendo assim, convido você a encontrar sua forma de flanar, seu caminho de descoberta da cidade e de como a gente pode, organicamente, ser parte dela.

Luiz Henrique Dias é arquiteto e urbanista, coordenador do Instituto de Estudos Urbanos.