Espelho americano está trincado; Brasil precisa olhar outras frentes
Encrenca tarifária, devolução de recursos da Câmara e visita das autoridades na área sul, estes e outros assuntos estão na coluna de Rogério Bonato.
Nosso “malvado” favorito
Há quem diga que, se o Brasil conceder anistia aos envolvidos no 08 de Janeiro, os EUA – na figura de Trump – retirariam o tarifaço de 50% imposto sobre os produtos. A chantagem beira o folclore. O mesmo Trump, em seu primeiro ato como presidente em 2017, assinou anistia a condenados pelo ataque ao Capitólio, sob o pretexto de “liberdade patriótica”. No mesmo dia, mandou deportar brasileiros considerados ilegais. Agora querem que sejamos bonzinhos com ele? Cautela é diplomacia. Bajulação é submissão. Humor à parte, Trump não é bobo. Mas nós também não deveríamos ser.
Bomba comercial
Os tempos mudaram. Se antes os EUA patrocinavam ditaduras, hoje a ferramenta de pressão é o mercado. A guerra não mais se faz com fuzis, mas com tarifas, sanções e retaliações econômicas. No lugar de tanques, temos tratados esmagadores. E quem sente primeiro o impacto não é o sistema, mas o povo: menos comida na mesa, menos remédio na prateleira. O tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros, anunciado um dia após a Cúpula do BRICS, é um torpedo disfarçado de política fiscal. E se alguém ainda acha que isso é coincidência… cuidado com a inocência.
Rebelião republicana
Engana-se quem pensa que Trump governa sozinho o Partido Republicano. Há uma ala que o teme, outra que o despreza e uma terceira que aguarda sua queda. Muitos republicanos votaram a favor da sua inelegibilidade, e não por altruísmo, mas por sobrevivência política. Trump, ao seu modo, trava uma guerra civil interna no partido. E os democratas, atentos, ensaiam um contragolpe. Em recente evento, Barack Obama alertou: não se pode ser leniente com quem flerta com o autoritarismo. A interferência de Trump na política brasileira é, para eles, um escândalo sem precedentes.
O espelho quebrado
O Brasil precisa ter cuidado ao se mirar no espelho americano – ele está trincado. Quando bolsonaristas copiam o roteiro de Trump, repetem também seus erros. O ataque ao Capitólio de 6 de janeiro de 2021 resultou em mortes, prisões e um trauma institucional ainda em aberto. Anistiá-los foi mais um passo no abismo. Agora, querem usar esse precedente para limpar a ficha dos nossos golpistas caseiros? Trump transformou o populismo em exportação e quer cobrar royalties. O Brasil, porém, não precisa importar radicalismo. Já produz o suficiente.
Cofre cheio, buraco fundo
A Câmara de Foz devolveu R$ 6,5 milhões à prefeitura. Um gesto nobre, aplaudido ao som de “Pompa e Circunstância”, quase como se devolvessem um dinheiro esquecido no banco por engano. Mas a quantia nem esquentou na conta: já foi destinada a tapa-buracos, hospital municipal e dívidas com servidores. No imaginário popular, a Câmara virou uma espécie de madrinha rica da prefeitura. Só que o dinheiro não é “da Câmara”, é do orçamento público. Se sobra tanto, por que não revisar essa conta antes de aprovar o orçamento anual? O que começa como economia termina como enigma contábil.
Economia ou exagero?
O cidadão comum pode pensar: se os vereadores devolvem milhões, é porque recebem mais do que precisam. E talvez tenha razão. A cifra de R$ 6,5 milhões saiu de verbas reservadas para a nova sede do Legislativo, que, por enquanto, ficou no papel. Mas a pergunta que não quer calar: e se tivessem gastado tudo? Teria sido legítimo? Ao devolver, a Câmara cumpre seu papel — mas também escancara a falta de precisão na alocação inicial dos recursos. O problema não é a devolução, mas o exagero na previsão. A conta pública, afinal, deveria fechar antes, não sobrar depois.
A Câmara e a fábula do cofre dourado
De tempos em tempos, o Legislativo aparece como herói, abrindo o cofre e distribuindo milhões. Mas é bom lembrar: a Câmara não gera receita própria. Todo o dinheiro que “devolve” vem do Orçamento Municipal. É como se o inquilino devolvesse o troco ao dono da casa e ganhasse parabéns por isso. Ainda assim, é positivo ver um Legislativo que economiza — especialmente quando a verba vai para cobrir rombos como os R$ 35 milhões de pendências salariais herdadas desde 2020.
Entre Foz e Washington
Enquanto Trump nos pune com tarifaço, por aqui tentamos fazer mágica com o orçamento. O dinheiro que sobrou da Câmara também virou tapa-buracos e socorro hospitalar. O prefeito agradeceu. Não quero ser repetitivo, mas não seria mais eficaz prever essas urgências já na elaboração orçamentária, em vez de contar com a “raspa de tacho” do Legislativo? Se os vereadores fossem norte-americanos, talvez ganhassem medalha da liberdade fiscal. Mas, no Brasil, quando políticos devolvem dinheiro, isso é tratado como milagre.
Paço à vista (ou quase)
Dizem por aí — e quando dizem, é melhor prestar atenção — que o general Silva e Luna retomou os planos do lendário Centro Cívico de Foz. A ideia é reunir Prefeitura, Câmara e todas as secretarias num só endereço, poupando o cidadão daquele rally administrativo entre repartições espalhadas pela cidade. O detalhe é que, com tantos serviços digitais, talvez o novo paço nem precise de tanto espaço. E sim, o projeto prevê até teatro, com palco para discursos e os stand-up políticos. Agora só falta o básico: terreno, orçamento, projeto, licitação e… vontade de construir. Mas sonhar já é um começo.
Do aluguel à cena cultural
Se o novo Paço sair mesmo do papel, o que será dos prédios atuais? Segundo sussurros bem-intencionados, o que for alugado será devolvido, e os imóveis próprios da Prefeitura podem virar centros culturais. Museus, salas de música, exposições… tudo no eixo Praça Getúlio Vargas–JK. A proposta é bela, poética até, mas ainda está no estágio REM do sono público. Quem sabe, quando acordarmos, vejamos um antigo gabinete virar galeria de arte — e uma sala de espera virar palco para violinos.
Câmara devolve verba ou espaço?
Coincidência ou sincronia? No mesmo momento em que circula a ideia do Centro Cívico, a Câmara devolve R$ 6,5 milhões — justamente a reserva para construir sua nova sede. Pode ser prudência ou sinal de que o projeto agora é conjunto. Afinal, não faz sentido erguer palácios separados na era do governo eletrônico. Se tudo for centralizado perto da Avenida Paraná, onde já moram INSS, PF, Justiça e outras siglas de peso, o cidadão agradece. E os vereadores ganham um novo auditório com eco digno de sessão solene. Só falta decidir se a arquitetura será futurista ou “provisoriamente permanente”.
Reunião no Cantinho da Cidadania
Nada como uma boa reunião comunitária para lembrar que a democracia também cabe na varanda. Foi assim no Jardim Buenos Aires, onde o vice-prefeito Ricardinho e o presidente da Câmara, Paulo Debrito, encontraram-se com moradores — sem palanque, mas com disposição. O Mercado Cantinho da Família virou auditório, já que a associação do bairro ainda não tem sede própria (fica a dica). Ali, na residência dos proprietários, discutiram-se saídas — literalmente — para o bairro que hoje tem apenas uma rota de acesso. Só falta um GPS emocional para saber o que é mais difícil: sair do bairro ou ser ouvido pelo poder público. Mas pelo menos, desta vez, eles foram até lá.
Entradas, saídas e esperanças
Com trânsito travado e obra para todo lado, os moradores da região Sul vivem uma espécie de labirinto municipal. A Rua Indianópolis virou um funil e a Rua Carmen Gatti está interditada — sem prazo. Mas nem tudo são cones e desvios: Ricardinho anunciou uma nova ponte ligando a Rua Tigre ao Jardim Cataratas. Seria a ponte da salvação, com verba estadual e projeto pronto. Se sair mesmo do papel, será um golaço de mobilidade urbana. Até lá, a população segue desviando — de buraco de obra, de fila e de promessa política antiga. Mas vale o registro: a visita das autoridades foi bem recebida. E só por isso, já é uma ponte a mais.
As ideias que brotam da terra
Quando o povo fala, a criatividade transborda. Surgiu até a proposta de pavimentar provisoriamente uma picada que liga a Indianópolis à Rua de Los Amores, caminho que antes servia a outros “amores” — no caso, o transporte clandestino de mercadorias. Também se falou em reabrir logo a Rua Carmen Gatti, que, fechada, virou símbolo de frustração urbana. No fim das contas, o mais bonito foi ver o diálogo. Moradores atentos, propositivos, autoridades dispostas a ouvir. Se tudo virar ação, teremos mais que concreto e asfalto: teremos dignidade pavimentada.
A nova cara da Zona Sul
A região sul de Foz não é só canteiro de obras — é um canteiro de oportunidades. Hotéis, pousadas e mais de 40 unidades de Airbnb recebem turistas do mundo todo. O bairro já ensaia se tornar um polo gastronômico, onde o cardápio é ótimo. A segurança pública é elogiada, mas faltam espaços de lazer, iluminação decente e uma UBS mais equipada. A reunião foi também um espelho: mostrou que o bairro está crescendo mais rápido que a infraestrutura. Mas se os moradores seguirem tão organizados, e os gestores tão presentes, talvez essa parte da cidade vire exemplo — e não apenas desvio.
Turismo em meio-fio
A Zona Sul é uma joia turística ainda em polimento. Com muitas opções de hospedagem, hotéis bem avaliados, serviços de abastecimento, supermercado, farmácia, e, restaurantes de dar água na boca, a região já caiu no gosto de quem chega de longe — mesmo que precise enfrentar a escuridão e os desvios e uma paciência quase espiritual. A duplicação da Avenida das Cataratas, prometida como divisor de águas, anda a passos de jabuti burocrático. Enquanto isso, turistas fazem malabarismos para não se perder entre placas cobertas de poeira. Se a mobilidade acompanhar o charme da gastronomia, Foz terá ali uma vitrine internacional. A todos uma boa quarta-feira!
Rogério Bonato escreve para o Almanaque Futuro