Entre Zepelins, tarifaços e velhas promessas

Do julgamento de Bolsonaro às tarifas de Trump, passando pela eterna novela do Centro Cívico de Foz, a coluna costura humor ácido, memória histórica e reflexões sobre como decisões globais respingam neste canto do mapa.

Boas, caros leitores e agora ouvintes!

A experiência de compartilhar esta coluna também em áudio superou todas as expectativas. As manifestações de apoio, incentivo e sugestões recebidas foram um alento e a prova de que inovar vale a pena. Este colunista agradece de coração a cada um que acompanha, comenta e ajuda a moldar este espaço. Estamos estudando formatos, duração ideal e o melhor horário fixo de postagem, sempre em sintonia com quem é o nosso bem maior: a audiência. E vem mais novidade por aí — em breve, o vídeo também fará parte desta jornada.

 

A preferência do freguês

Muitas vezes os leitores pedem a opinião deste colunista sobre o que se passa no mundo e, como dizem, “pedido de freguês é ordem”. Atendendo a essas vozes, volto o olhar para as encrencas “mundistas”, como dizia um finado ministro de outros tempos. Queiram ou não, cada turbulência global respinga aqui neste charmoso canto do mapa chamado Foz do Iguaçu — cidade mais lembrada no Brasil do que muitas capitais, e que, por sua vocação internacional, sente no dia a dia os ventos (ou tempestades) que sopram de fora.

 

Almanaque do dia

Como este texto é produzido para a terça-feira, 26 de agosto, aqui vai a bota de “almanaque”: É de Santa Teresa de Jesus Jornet Ibars, protetora dos idosos e enfermos. No Brasil, a data lembra o Dia Internacional da Igualdade Feminina, instituído para marcar a luta histórica das mulheres por direitos civis e políticos. No fio da História: em 1789, a Revolução Francesa aprovava a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; em 1928, estreava o primeiro desenho com Mickey Mouse sonorizado, revolucionando a animação; e em 1978, o cardeal Albino Luciani era eleito Papa João Paulo I — pontificado que duraria apenas 33 dias. Em 2010, Brasília recebia a 1ª Conferência Nacional de Cultura. Vamos adiante! Qual manchete de hoje resistirá cem anos? O problema é que, no Brasil, quase sempre quem sobrevive é a piada — e não a glória.

 

Falar em piada…

Não sabemos se rimos ou choramos diante do compêndio de situações que envolve o julgamento de Jair Bolsonaro. A coisa mexe tanto com o subconsciente que este colunista acabou tendo um sonho medonho, embalado por trilha sonora de Chico Buarque — que luxo, convenhamos! Um enorme Zeppelin prateado pairava sobre Foz do Iguaçu, “com dois mil canhões assim”, enormes. No comando, ninguém menos que Donald Trump, “cheirando a brilho e a cobre”, esbravejando ao megafone: prometia fazer gato em Itaipu e exigia que formássemos fila em frente ao escritório do FBI em Ciudad del Este. Barbaridades de pesadelo! É até compreensível: todas as cidades brasileiras parecem “prontas para virar geléia”, cada qual ao seu modo, com as sanções norte-americanas. Só faltou a Geni… mas quem seria a “formosa dama” neste cenário tão apocalíptico?

 

Deixa pra lá

Fora dos devaneios, a realidade é ainda mais contundente — e é dela que vem o riso nervoso ou o choro contido. Jair Bolsonaro caminha para seu julgamento como nos tempos da Revolução Francesa, quando o destino dos acusados era a guilhotina. Para um político, a lâmina é outra: o risco de perder a liberdade de disputar eleições. Mas, como sempre no Brasil, o recheio é peculiar: o debate não gira em torno da responsabilidade do ex-presidente, se deve ou não responder por seus atos, mas sim sobre o tamanho da ira de Donald Trump e como todos pagaremos a conta. O mundo anda de ponta-cabeça. O presidente norte-americano não se ocupa em aguardar vereditos de culpa ou inocência; ele simplesmente não quer julgamento.

 

Cinematografia

A pressão externa cria dilemas que o Brasil não merece enfrentar — sobretudo quando está em jogo a independência do Poder Judiciário. O roteiro lembra filmes em que tribunais são sitiados, juízes ameaçados, famílias colocadas sob sequestro, até que o veredito atenda à vontade dos algozes. É exatamente esse enredo que paira sobre nós. Se Bolsonaro for julgado e absolvido, ficará a sombra: decisão de inocência ou resultado da pressão? O país e seus ministros não podem ser transformados em coadjuvantes de uma trama de intimidação internacional. Cabe ao Supremo, e às instituições que defendem a democracia, meditar com firmeza sobre o que está em jogo. Porque não é apenas o destino de um político que está na balança — é a dignidade de toda a nação.

 

Pesquisas e paradoxos

Vários institutos realizam levantamentos para apurar o que pensa a opinião pública sobre os fatos que nos trouxeram até aqui: se Bolsonaro é culpado, inocente e merece julgamento; se a intromissão norte-americana é aceitável; se as sanções externas são cabíveis. Até agora, a maioria dos brasileiros — polarizados ou não — demonstra posição firme em defesa da independência e da isonomia, ainda que sob a sombra do Zeppelin. O desconforto está nas mentiras bem contadas, paradoxais, como se Abel matasse Caim e ficasse por isso mesmo. Não funciona assim. Os processos contra Bolsonaro formam um cardápio indigesto que precisa ser apurado. Discutir isso fortalece a democracia e o cidadão, fortalece até mesmo o réu. Mas, em país onde ainda se ostentam cartazes pedindo a volta do AI-5 e da censura, o que esperar? Um Brasil livre dos ignorantes prosperaria muito mais. Até lá, rezaremos muitas novenas — e sem garantias de milagre.

 

O andar da carruagem

O mundo inteiro abriu o guarda-chuva para se proteger das tempestades de Donald Trump. Ucrânia, Rússia, Oriente Médio e até a Venezuela de Nicolás Maduro, que ensaia milícias de vovós e netinhos na linha de frente contra uma invasão imaginária. Seria tragicômico se não fosse real. Cada país se vira como pode nesse cenário insano, enquanto o Brasil busca contradições estratégicas: aproximar-se dos concorrentes diretos dos Estados Unidos para reagir ao tarifaço.

 

Tarifaço em xeque

Segundo o economista Dani Rodrik, de Harvard, o tarifaço de Trump não é apenas ineficaz: pode ser autodestrutivo. A sobretaxa não gera inovação, nem emprego, nem melhora salários nos Estados Unidos. Na prática, só engorda lucros de alguns segmentos industriais — que dificilmente repassam ganhos aos trabalhadores. A ironia é que, enquanto promete proteger a classe média, Trump pode estar cavando a própria cova econômica.

 

Só o Brasil na mira?

Não. Mas como já cansamos de escrever, o Brasil sentiu o peso da canetada: 50% de tarifa sobre parte das exportações, atingindo 35,9% do que vendemos aos EUA. Carne, café, móveis, calçados e outros setores entraram na lista negra. O governo reagiu com o “Plano Brasil Soberano”, tentando socorrer indústrias, agricultura e pecuária. Apesar da pancada, não estamos sozinhos: outros países também levam bordoada da política protecionista americana. O jogo é global, e todos perdem um pouco.

 

Vozes críticas

No seminário realizado pelo BNDES e Open Society, no Rio, não faltaram críticas. Alex Soros lembrou que cortes na Usaid custaram vidas em países pobres, pois secaram recursos para saúde e ações humanitárias. “Isso não é interesse americano”, disse. A reação mostra que, além da economia, há danos sociais e humanos espalhados pelo planeta. Trump briga por tarifas, mas quem paga é o cidadão comum, principalmente nos países mais frágeis.

 

Novos ventos

No mesmo evento, a Open Society anunciou investimento de oito anos em iniciativas sociais na América Latina, com foco em povos indígenas, comunidades afrodescendentes e mulheres. O plano pretende apoiar organizações e governos para reduzir desigualdades e gerar empregos dignos. Como destacou Tereza Campello, do BNDES, não há como enfrentar desigualdades de forma isolada. É preciso reação articulada. Ou seja, enquanto Trump fecha portas, outros tentam abrir janelas.

 

O preço do atraso

O “tarifaço” de Trump nos dá uma aula retumbante de economia elementar: política irresponsável continua saindo caro. Ao impor uma tarifa de 50% sobre nossos produtos, os EUA não apenas expuseram sua inspiração desastrosa — tentar interferir em nosso Judiciário — como também escancararam nossa vulnerabilidade. É constrangedor: somos lembrados dessa forma pelo mundo inteiro, porque nunca fizemos com perfeição a nossa lição de casa nas relações comerciais. Resultado? Milhares de empresas brasileiras começam a perder encomendas, e os prazos para abrir os tais guarda-chuvas eram antigos. O recado é claro: importância de estar integrado ao mercado global, diversificado e com diplomacia ativa — antes que a próxima tempestade chegue.

 

Qual o encanto de isolar-se?

O protecionismo brasileiro é quase uma farsa romântica: parece amor à pátria, mas só empobrece o consumidor e tolhe a inovação. Trump, ao nos dar esse tapa, não fez mais do que revelar o quanto estávamos fragilizados. Chegou a hora de combinar sabedoria com audácia: investir em política industrial de verdade, abrir-se ao mundo com estratégia e parar de fingir que isolamento é virtude. A economia, como a vida, não anda para frente olhando pelo retrovisor. Boa semana a todos! Que o início traga reflexão, coragem e, se possível, cabeça aberta e olhos atentos ao que virá.

 

P.S. – O que vem pela frente

Ao longo da semana, vamos atualizar temas locais que mexem com a vida da cidade. Entre eles, a velha — e sempre renovada — promessa de um novo Centro Cívico, pauta que reaparece em campanhas desde o século passado. O que pensam os urbanistas? O que há de novo em relação aos projetos antigos? Também voltaremos ao plano habitacional de Foz, tema urgente e inevitável. No calendário, destaque para a Expoflor, prenúncio da primavera iguaçuense. E, além da Ponte da Amizade, vamos tratar de como os brasileiros que vivem no lado paraguaio encaram os supostos escândalos de corrupção em Ciudad del Este. Bom dia!