Entre cometas, sucatas e contradições
No 23 de agosto, a história se mistura à política, às ruas tomadas por carros velhos e abandonados, ao desafio da moradia social e às lutas por inclusão, em meio a denúncias que estremecem a República e a fronteira.
Bom dia, leitores… e ouvintes!
É 23 de agosto de 2025, o 225º dia do ano — restam 140 até o réveillon. No calendário religioso, celebra-se Santa Rosa de Lima, a primeira santa da América, padroeira do Peru e de todo o continente. No Brasil, a data também lembra o Dia da Injustiça, criado para refletir sobre as desigualdades sociais. Na história, o 23 de agosto carrega momentos marcantes: em 1939, Alemanha e União Soviética assinavam o Pacto Molotov-Ribbentrop, prelúdio da Segunda Guerra Mundial; em 1942, o Brasil declarava guerra ao Eixo, após ataques a navios mercantes; e em 1989, mais de dois milhões de pessoas deram as mãos no chamado “Caminho Báltico”, corrente humana que marcou a luta pela independência da Estônia, Letônia e Lituânia.
Novidades em pauta
Antes de entrar nos temas quentes do dia, um registro de gratidão: leitores viraram ouvintes e, em breve, telespectadores. O podcast “Café com o Rogério Bonato” já é realidade, e o vídeo logo assumirá a cena. A migração é inevitável — as pessoas leem menos, mas querem ouvir e ver mais. Para nós, jornalistas veteranos, o desafio é não virar peça de museu. Extinção é rápida, como um cometa caindo do céu. Quem não se reinventar, some. Simples assim.
Quem diria, hein, seu Bolsonaro?
A história parece se repetir com sotaque de ironia. Se no passado petistas taparam o nariz diante dos escândalos envolvendo o Lula, agora é a vez de bolsonaristas explicarem o inexplicável. Relatórios da Polícia Federal apontam que Jair Bolsonaro recebeu cerca de R$ 44 milhões desde 2023. Os mais fanáticos farão o de sempre: gritar “perseguição”, “fake news” e “trama da oposição”. Mas, às vésperas de julgamento, fica difícil empurrar essa conta para baixo do tapete.
O peso dos números
O relatório da PF não é devaneio de rede social. Entre março de 2023 e fevereiro de 2024, Bolsonaro movimentou R$ 30 milhões — créditos e débitos quase na mesma proporção. A origem? O Coaf aponta indícios de lavagem de dinheiro e outros ilícitos penais, envolvendo também Eduardo Bolsonaro. Em tempos de investigação digital, não há cofre que segure tanto dígito.
Defesa na parede
Vence o prazo para a defesa do ex-presidente explicar ao STF por que descumpriu medidas cautelares e como surgiu a suspeita de fuga para a Argentina. O problema é que a estratégia jurídica parece sempre a mesma: gritar “democracia” com a Bíblia na mão e transferir a conta para aliados. Só que, desta vez, não há spray ungido nem benção pastoral que resolva.
Ferro velho urbano
Há tantos veículos abandonados pelas ruas e, milhares de latas velhas circulando, que chega difícil identificar o que é um e outro. Barbaridade. Uma pessoa que limpa jardim possui um carro tão velho, com placas paraguaias, que já acusaram várias vezes de seu veículo abandonado, só de parar em frente as casas das pessoas. E há até uma malandragem disfarçada de atividade econômica: uns e outros estacionam perto desses veículos supostamente abandonados e depenam, deixando a carcaça. Não se sabe o que é mais ruim, neste caso.
Ferro velho urbano
É tanto carro largado pelas ruas que já virou desafio distinguir veículo abandonado de sucata em movimento. A cena se repete em vários bairros: latas-velhas estacionadas, muitas com placas estrangeiras, confundem até os fiscais. Tem quem pare o carro velho em frente às casas e seja acusado de abandono — e tem quem faça da carcaça um verdadeiro “negócio”, depenando peça por peça, sem dó nem piedade. Resultado: a cidade se enfeita de escombros com rodas.
Lei contra a sucata
Na Câmara, tramita o Projeto de Lei nº 40/2025, do vereador Paulo Debrito, que busca dar fim a esse espetáculo de ferrugem. A proposta prevê notificação com adesivo, prazo de defesa de 45 dias e remoção do veículo para pátio apropriado, com custos para o proprietário. É, vai ser difícil encontrar esses proprietários. O texto mira não só a estética urbana, mas a segurança e a mobilidade. Fotos falam por si. Restos de veículos mais parecem monumento à negligência dão base ao projeto. Se depender da lei, sucata no meio da rua pode estar com os dias contados. Tomara.
Moradia não é favor, é direito
A audiência realizada na Câmara Municipal escancarou uma realidade que Foz do Iguaçu não pode mais empurrar com a barriga: precisamos de um plano local de habitação de interesse social. Enquanto se multiplicam condomínios de alto padrão e vazios urbanos aguardam valorização, 10% da população vive em favelas, num total de 346 assentamentos na região trinacional. A Constituição garante moradia digna, mas, na prática, famílias só encontram dignidade ao improvisar barracos em terrenos abandonados. Quando mães e pais erguem paredes onde antes havia mato e lixo, estão apenas suprindo a omissão do Estado. Não é questão de benevolência, é de justiça. Os propagados mega programas de habitação pelo visto não suprem a demanda.
O mapa da exclusão
O debate mostrou que o problema não é apenas de déficit habitacional, mas de prioridades políticas. Em 2010 já faltavam 30 mil casas populares em Foz. Passaram-se 15 anos, novos recursos vieram e a conta continua sem fechar. Resultado: aluguel cada vez mais caro, especulação inflada e famílias à mercê de despejos arbitrários. O mais cruel é ouvir que áreas destinadas a “verde” no papel não servem para arborizar a cidade, mas para expulsar famílias que só querem um teto. Enquanto não houver coragem de reservar terras para habitação social — como se faz em países que realmente priorizam as pessoas — seguiremos construindo uma cidade de dois mapas: um oficial, cheio de linhas frias; outro real, desenhado por quem sobrevive entre a angústia e a esperança. Ou não é assim?
Vestibular, a barreira do bolso
A Unioeste anunciou isenção de taxa para cursos de licenciatura, Hotelaria e Turismo em Foz do Iguaçu. Boa medida, mas revela uma contradição: universidades públicas jamais deveriam cobrar inscrição em vestibular, se o princípio é a inclusão. Quantos talentos se perdem porque o jovem não tem dinheiro sequer para pagar o ônibus, quanto mais a taxa de inscrição? A educação deveria ser porta aberta, não pedágio. Enquanto comemoramos a isenção parcial, o Brasil ainda naturaliza a exclusão no próprio ato de entrada à universidade. É como oferecer acesso à ponte, mas cobrar pedágio antes do primeiro passo.
Cine-violência na fronteira
Em Ciudad del Este, basta o rumor de um assalto cinematográfico para instalar o pânico. Não é para menos: cada ataque vira notícia internacional, pela brutalidade digna de roteiro de ação. Empresas vizinhas a transportadoras de valores correm a blindar fachadas com chapas de aço, erguem muros de concreto e aguardam o inevitável tiroteio. O último episódio parecia cena de guerra urbana. E, quando a insegurança se torna rotina, o medo é tão corrosivo quanto a bala perdida.
Zona de risco permanente
A denúncia de um plano envolvendo pelo menos 20 criminosos, brasileiros e paraguaios, reacendeu o alerta vermelho. A Polícia Nacional reagiu reforçando pontos estratégicos e mobilizando forças especiais. O detalhe que assusta: parte da logística teria começado há cinco meses, com caminhonetes roubadas em Foz e levadas ao Paraguai para o grande golpe. A fronteira, mais uma vez, confirma sua fragilidade crônica: basta um boato para fechar ruas, mobilizar tropas e relembrar que viver por aqui é sempre esperar a próxima explosão.
Inclusão que ainda tropeça no meio-fio
Foz do Iguaçu tem hoje 18,5 mil pessoas com deficiência — e isso não é estatística fria, mas vidas que enfrentam diariamente barreiras visíveis. Não adianta celebrar a mobilização em defesa das escolas especializadas se, na prática, a cidade ainda coleciona calçadas que terminam em postes, acessos inviáveis para cadeirantes e rampas de enfeite que não levam a lugar nenhum. A lei manda, mas muitos estabelecimentos ignoram. A verdadeira exclusão não está só nos tribunais, mas também no cimento mal feito da esquina.
Escolas especiais sob ameaça
O ato público que levou milhares de pessoas às ruas em todo o Paraná, e também em Foz, mostrou que não se trata de capricho, mas de sobrevivência. A Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF ameaça cortar repasses e colocar em risco o trabalho de instituições como APAE, ACDD, Apasfi e tantas outras que garantem dignidade a quem mais precisa. Defender essas escolas é defender a vida de 40 mil paranaenses atendidos. É retrocesso imaginar que a inclusão pode ser feita com improviso. Inclusão verdadeira exige estrutura — e, neste ponto, as escolas especializadas são insubstituíveis.
Ademir Volpato, um amigo de todos
Ao longo da vida em Foz do Iguaçu, conheci muitas pessoas que deixaram marcas, mas poucas foram unanimidade em bondade e generosidade como Ademir Volpato. Hoteleiro, empresário do ramo farmacêutico, cidadão presente em tantas frentes, Ademir nunca deixou de estender a mão aos que mais precisavam. Sua partida comoveu a cidade e tocou fundo as raízes de nossa comunidade. Empatia, respeito e dedicação ao próximo foram sua marca, e é por isso que sua ausência se sentiu tão forte. Um ser humano notável, que merece todas as lembranças e homenagens no tempo e no Futuro. Que Foz do Iguaçu, terra que ele tanto amou, saiba retribuir à altura aquilo que ele nos deu em vida.
Fim de semana!
Apesar da triste notícia acima, encerramos por aqui, desejando a todos um bom fim de semana — agora não apenas aos leitores, mas também aos ouvintes desta coluna. Em breve, os encontros se multiplicam: este colunista estreia no formato podcast, inicialmente três vezes por semana, para que a voz acompanhe o texto e o café chegue até você em diferentes plataformas. Agradeço a companhia diária e renovo o convite: seguimos juntos, entre páginas, telas e ondas sonoras. Até a próxima!
Rogério Bonato escreve regularmente ao Almanaque Futuro