Entre algemas invisíveis e solavancos reais: o Brasil tropeça na própria liberdade

Enquanto a democracia é posta à prova nos tribunais e no Parlamento, as ruas de Foz driblam os buracos, o trabalho é escasso e histórias misturam sushi, política e pneus voadores. Tudo sob os olhos de um povo. Leia estes e outros assuntos na coluna de Rogério Bonato.

Duralex, bolsonarex

A prisão domiciliar de Jair Bolsonaro decretada por Alexandre de Moraes virou espanto até entre setores progressistas. A Folha de S.Paulo foi direta no editorial: “Bolsonaro tem direito à livre expressão, e Moraes erra ao determinar prisão”. Lula, veterano das reclusões, certamente reconheceu ali o peso da mão na decisão. A ação, em vez de minar o ex-presidente, deu-lhe novo fôlego diante de um domingo morno de manifestações. A oposição voltou a ter o que dizer. E, para o Brasil, ficou a dúvida: a democracia se protege ferindo a própria liberdade?

 

Confinamentos e comparações

A ironia da história é que Lula, em 2018, teve uma entrevista censurada pelo STF enquanto estava preso. Agora, Bolsonaro amarga sua “punição” doméstica cercado de Michelle, filha e enteada — sem celular e sem visita. No noticiário, relembra-se: “se não fossem as instituições, Bolsonaro teria se tornado um ditador”; mas alguém retruca: “democratas não viram tiranos para impedir tiranias”. O país vive a era do paradoxo: líderes populistas colhem dividendos políticos até mesmo da contenção judicial. E o povo, dividido, assiste sem saber se a justiça é ré ou juíza.

 

De aliados e algemas invisíveis

Gilberto Kassab se disse “solidário” a Bolsonaro e alertou para os exageros que contaminam o ambiente político nacional. A fala não é isolada: outros nomes do centrão e da esquerda evitaram festejar a prisão domiciliar. Nos bastidores, a leitura é clara: a medida de Moraes radicalizou o debate e devolveu a Bolsonaro o protagonismo que a apatia de seus atos vinha corroendo. Com 235 mil brasileiros em prisão domiciliar, o ex-presidente agora é só mais um — mas com holofotes, segurança e manchetes. E, como sempre, com um enredo pronto para vitimização.

 

Paz armada no Parlamento

Ao ocupar os plenários da Câmara e do Senado, a oposição evocou o espírito das barricadas — mas com Wi-Fi, ar-condicionado e aspiração ao foro privilegiado. Disfarçada de proposta de paz, a ofensiva cobra a anistia dos condenados do “8 de janeiro”, o impeachment de Alexandre de Moraes e o fim do foro — para, claro, livrar Bolsonaro de julgamentos no STF. O mais curioso é o slogan: “pacificar o Brasil”. Dito por Sóstenes Cavalcante, o bordão virou ameaça: “nos apresentamos para a guerra”. Na retórica atual, a paz virou sinônimo de revanche. Barbaridade!

 

A ocupação dos impunes

Rogério Marinho, Flávio Bolsonaro e aliados adotaram uma nova modalidade de obstrução: sentar na mesa diretora e chamar isso de resistência democrática. Aos olhos da oposição eles pedem anistia a quem tentou dar golpe, e impeachment de quem impediu. E Altineu Côrtes, de olho na presidência interina da Câmara, promete pautar a anistia “no primeiro momento em que Motta sair do país”. Estamos diante de um sequestro institucional disfarçado de protesto. A liturgia do cargo virou carpete de palanque. E o povo que se dane. Bom seria tudo ocorrer pelas vias normais, sem tanto estresse. O Brasil está muito fora da curva, isso sim. É o que pensam os isentos e observadores.

 

Entre Michelle e a milícia digital

A prisão domiciliar de Bolsonaro, ao que tudo indica, não paralisou seu alcance: ele continua se manifestando pelas redes — via filho, esposa ou simpatizantes. Apenas um sinal de desobediência e tudo custou caro: Alexandre de Moraes o enquadrou, como estopim da insurgência. O discurso da “perseguição política” foi reciclado, mas agora inflamado por um revisionismo golpista que exige “justiça” aos que tramaram contra o Estado. O país já teve “casa-grande e senzala”; agora vive entre o condomínio de Michelle e a senzala algorítmica da extrema-direita. E dependendo do traquejo digital, não vai demorar até surgir um mosaico de Bolsonaro ao lado de Mandela, Gandhi ou Martin Luther King, como se fosse um mártir, vítima das agruras autocráticas — devidamente legendado com slogans que acompanhavam a libertação de gente realmente injustiçada. Se isso ocorrer até os mais apaixonados estranharão. Nem é para tanto, por favor.

 

Boi, café e granada

O agro, que sempre andava cantando vitória com o dólar alto e o apadrinhamento trumpista, agora ensaia um mugido de aflição. Com a entrada em vigor da tarifa extra de 50% imposta por Donald Trump ao Brasil, o setor teme o pior: retaliações comerciais por conta da compra de fertilizantes russos! O recado chegou ao Itamaraty, que, entre um telefonema e outro, tenta acalmar o touro sem derramar o balde. A Rússia, que abastece nossas lavouras, já é persona non grata para Washington, e, o Brasil, entre o boi gordo e o café exportado, pode acabar pagando a conta do jogo pesado. Em razão dessas e outras, Eduardo despenca no ranking digital. Atiçou o vespeiro.

 

“Fora Lula!”… e todos os outros

Em cidades como Foz do Iguaçu, a noite da terça-feira foi marcada por buzinaços e manifestações esparsas. O ponto de maior efervescência ocorreu na esquina entre as avenidas República Argentina e Paraná, nas imediações do shopping JL. Cartazes com a inscrição “Fora Lula!” ecoavam um sentimento que, à primeira vista, parece exclusivamente brasileiro. No entanto, ao conversar com meu filho Marcus Vinícius — que vive na Europa e viaja com frequência pelo continente — veio o contraponto: “Pai, o que mais vejo por onde passo são protestos com faixas semelhantes: ‘Fora Pedro Sánchez’, na Espanha; ‘Fora Giorgia Meloni’, na Itália; ‘Fora Emmanuel Macron’, na França; ‘Fora Olaf Scholz’, na Alemanha; e até mesmo ‘Fora Donald Trump’, nos Estados Unidos. Estar na política é, por essência, se expor ao julgamento popular. O espanto dos brasileiros com essas manifestações revela mais sobre a nossa fragilidade democrática do que sobre a indignação em si”. Pontuou e bem.

 

A aldeia em guerra

Vivemos o fim da era dos acampamentos em frente aos quartéis e a entrada numa nova etapa da polarização nacional. Esquerda e direita voltam a se digladiar com fervor renovado, como se o país estivesse eternamente em estado de véspera eleitoral. Mais grave, contudo, é o que se vê fora das urnas: famílias rachadas, amizades desfeitas, agressões em igrejas, bares e até nos campos de futebol. O Brasil parece dividido em tribos hostis, armadas de certezas e dispostas à anulação mútua. No lugar de um pacto civilizatório, reina a lógica de confrontação permanente. Precisamos urgentemente de lideranças que apontem caminhos, e não dedos. Que reconstruam a política com base em princípios, e não por meio de acusações e mentiras nas redes sociais. O país não pode ser reduzido a uma arena de gladiadores. É tempo de refundar a república — e as relações humanas que a sustentam.

 

Entrada liberada, produtos barrados

Eis uma notícia interessante — e por que não dizer, positiva: o Brasil ficou de fora da lista de países cujos cidadãos precisarão pagar caução para obter visto de entrada nos Estados Unidos. A medida, segundo o governo norte-americano, visa coibir abusos no tempo de permanência. Em outras palavras: Trump não quer os nossos produtos, mas aceita com gosto os dólares dos nossos turistas. Ironia da mais fina. Vale lembrar que, quando o tarifaço foi anunciado, o Brasil sequer constava na lista inicial. Depois veio a paulada: 50% de sobretaxa direto na cabeça. Os EUA, ultimamente, têm se comportado como bumbum de recém-nascido: a gente nunca sabe quando — nem de onde — vem o próximo susto. E sempre, fede.

 

O sumiço dos trabalhadores

A queda de 12,7% na geração de empregos formais em Foz do Iguaçu, segundo o Caged, acende um sinal de alerta — mas não encerra o diagnóstico. Em uma cidade onde a informalidade reina soberana, os números oficiais talvez não contem toda a história. O que se vê nas ruas é quase o oposto: dificuldade em encontrar diaristas, eletricistas, encanadores, mecânicos, motoristas, frentistas. As placas de “precisa-se” estão por toda parte. A conta não fecha. Ou o trabalho mudou de endereço — e virou autônomo, informal ou digital — ou há algo mais grave em curso: a evasão da mão de obra qualificada. Estamos perdendo gente — e não apenas pelos números do Ministério do Trabalho.

 

Foz desacelera, o Paraná avança

Apesar dos investimentos e anúncios otimistas, Foz do Iguaçu registrou retração na geração de empregos formais, enquanto o Paraná inteiro segue contratando em alta. O Estado teve o terceiro melhor saldo do país, com 94,2 mil vagas criadas no semestre — e Foz, apenas 1.677. Enquanto cidades como Curitiba, Londrina e Cascavel deslancharam, Foz oscilou entre demissões e pequenas reações, com maior força entre jovens e aprendizes. O setor de serviços ainda lidera, mas a construção civil, que já foi locomotiva da retomada, patina. Mas há quem não creia tanto assim nisso.

 

Ai, ai, ai… liberdade sob triagem

A publicação do Ato da Mesa Diretora nº 001/2025 da Câmara de Foz do Iguaçu provocou frisson entre leitores, jornaleiros, distribuidores, jornalistas e, especialmente, entre os já combalidos donos de veículos impressos. Sob a justificativa de “organização, neutralidade institucional e responsabilidade”, o texto impõe barreiras à circulação de jornais, panfletos e revistas nas dependências da Casa, exigindo prévia autorização da Diretoria de Comunicação. A justificativa não economiza em palavras nobres: “assegurar o equilíbrio entre o direito à informação e a organização dos espaços legislativos”. Mas o que soa como zelo técnico, na prática, se aproxima de controle de conteúdo. É o impresso sob vigilância, como se o papel fosse mais nocivo que a verborragia diária nas redes — ou nas sessões plenárias. No país da democracia cansada, agora até jornal precisa de crachá para circular. E será que há tantos impressos assim, que justifiquem a medida?

 

Contradição em papel timbrado

Revendo o documento, salta aos olhos uma contradição gritante: o texto se diz defensor da liberdade de imprensa, mas impõe filtros que inviabilizam sua prática. A triagem institucional transforma o plenário em curadoria de narrativas. E o curioso — ou cínico — é que parte das fofocas políticas que circulam nos tais panfletos vetados nasce justamente nos bastidores da Câmara, alimentadas por parlamentares que, não encontrando eco na mídia formal, recorrem aos meios alternativos que agora querem calar. A medida soa desnecessária, desastrada e simbólica de um tempo em que se tenta conter o debate em vez de qualificá-lo. Ainda assim, os cidadãos continuarão recebendo em casa os áudios, vídeos e materiais impressos de seus representantes — muitos deles com um conteúdo bem menos civilizado que qualquer jornal impresso. Vira e mexe aparecem pelo meu jardim restos de santinhos poluindo os canteiros.

 

Reciclagem já! A outra.

É fato que há veículos — jornais, revistas, panfletos — a serviço de interesses escusos, com atuação especulativa, viés mal-intencionado e, por vezes, de origem apócrifa. No entanto, generalizar esse cenário e submeter toda a produção impressa a critérios de servidores nomeados, sob o pretexto de triagem institucional, é medida perigosa. Ao jogar todos na mesma vala, corre-se o risco de atingir justamente a imprensa séria, que, diante do gesto, pode reagir à altura: deixar de enviar exemplares à Câmara e, quem sabe, suspender por algum tempo a cobertura sobre os nobres e valorosos edis. O prejuízo político, nesse caso, recairá sobre quem mais precisa de visibilidade pública. Quem faz jornalismo com responsabilidade talvez não deva se preocupar diretamente — mas o assunto, sem dúvida, merece atenção e crítica. Afinal, silenciar o papel não silencia os fatos. Na contramão vai uma dica: se há tantos impressos assim, o Legislativo poderia juntar e depois vender, o papel está bem avaliado nos vários postos de reciclagem. Os recintos Pets adoram! Bom, de antemão é sabido que muitos vereadores não concordam com o ato.

 

O buraco vai na frente

A cidade tenta, mas os buracos sempre chegam primeiro. A Prefeitura vem recapando a Avenida das Cataratas desde o Boicy, subindo rumo aos hotéis, mas, mal terminaram o trecho perto do Restaurante China, e lá estavam eles — os mesmos buracos, reincidentes e debochados se abrindo onde o serviço foi iniciado. Dizem que a culpa é da chuva e do trânsito pesado. Talvez. Mas a verdade é que, por enquanto, as crateras seguem vencendo por larga vantagem. Só vai mudar quando a Perimetral Leste sair do papel — se não for engolida antes.

 

Turista lunar e culinária japonesa

Enquanto as máquinas se concentram nas vias principais, o entorno continua com aparência de superfície lunar. Pegue-se, por exemplo, a Rua Parigot de Souza, entre o Flamenguinho e a Avenida das Cataratas. Ali, transitar com duas rodas já é desafio; com quatro, é temeridade. Ironia à parte, é nesse caos viário que repousa um dos restaurantes mais tradicionais de Foz, o nipônico Miyako — referência entre os turistas. Quem chega lá pela primeira vez acha que o sushi é premiado justamente porque sobrevive ao trajeto. E talvez esteja certo.

 

Pneu voador e empreendedorismo à moda Duso

Foi ali por perto, entre semáforos e arrancadões em direção ao aeroporto, que se deu a cena digna de um roteiro de cinema. Um turista texano, de carro alugado em Buenos Aires, desviou dos apressados e caiu direto num buraco de respeito. O impacto foi tão grande que o pneu saltou da roda, atravessou a pista e foi parar dentro do Posto Oklahoma, onde o empresário Carlos Duso admirava seu novo hotel automatizado. O texano apareceu segurando a roda e perguntou com aquele sotaque que não nega: “Where can I take my car to fix a bent rim?” — e ali começou uma história. Duso, fluente e gentil, acolheu o homem e sua família, apresentou o hotel e, no meio da conversa, já vislumbrou o próximo negócio: uma oficina 24h para consertar rodas tortas. Se abrir, sucesso garantido. O espaço já tem. O tino, também.

 

Um Duso e mil histórias

Tenho liberdade para contar essas passagens porque Carlos Duso é amigo de longuíssima data. Fomos companheiros na fundação do primeiro jornal diário de Foz, o saudoso Diário da Cidade, onde ele, além de sócio, era o nosso diretor financeiro. Médico por formação, migrou para os combustíveis, a pecuária, os imóveis e, agora, a hospitalidade moderna. É daquelas figuras que parecem sempre um passo adiante. Quem sabe não se junta ao texano e, depois de consertar rodas, resolva perfurar petróleo em Houston? Um grande abraço para ele, para a Fina e para os amigos Tita (Cristian) e Fernando — parceiros de uma vida que rende boas histórias. E algumas crateras também. Com as últimas notinhas só posso desejar uma boa e espirituosa quinta-feira aos meus queridos leitores!