- Por Rogério Bonato –
Sempre penso que de alguma maneira vamos “restando”, ficando sozinhos, órfãos do caráter, organização, trabalho, das ideias e iniciativas. Dificilmente hoje, alguém poderia imaginar e empreender o que fizeram algumas pessoas, porque o mundo é outro, a forma de fazer negócios é diferente, há mais tubarões nos mares, eles são vorazes na dimensão predatória. Tudo parece ser muito hostil, até para os corajosos. A economia e o sentido em que ela avança, vai ganhando a forma de uma máquina trituradora de sonhos. E quando alguém, que de alguma maneira venceu essas dificuldades, se vai, há um sopro desse vento de tristeza, e, irremediável impotência.
Alceu Vezozzo começou bem antes dos anos 60, mas foi em Londrina, ao completar 30 anos que ele iniciou sua empreitada na área da hotelaria, entregando aos hóspedes, em 1963, a primeira unidade da Rede Bourbon. Dez anos depois, inaugurava um magnífico hotel em Foz do Iguaçu, que se tornaria uma referência histórica, pois presenciaria os momentos mais importantes da “nova cidade”, a que emergiu no entorno de Itaipu. O Bourbon, afinal, foi estrategicamente construído na metade da distância entre as Cataratas e a Binacional, duas maravilhas sonhadas pela humanidade.
Muita gente não faz ideia da quantidade de autoridades, celebridades de todas as áreas e artes, enfim, políticos e personalidades que se hospedaram no Bourbon de Foz e nos outros também, pois a rede sempre foi muito estrelada, um sinônimo de conforto, segurança, e onde os visitantes se sentiam em casa, tamanha a atenção e diferencial. Em 1982 o Bourbon passou a funcionar em São Paulo e 1988 abriu as portas em Curitiba e neste ponto me considero um felizardo, pois me hospedei lá dias depois da inauguração. Encontrei o Dr. Alceu num dos corredores, avaliando a atuação de uma dupla de camareiras; para ele, hóspede não era simplesmente o número do apartamento ou suíte. Seu conceito era verdadeiramente esse: receber como fosse em sua casa. E era mesmo a sua casa.
Sei dizer que entrevistei muitos famosos no Bourbon e a lista não é pequena. Lá, por exemplo, se reuniam ministros e presidentes, reis e rainhas, astros do rock, premiados com o Nobel, Pulitzer; imortais das academias, e também muitos desconhecidos, ávidos por desfrutarem um ambiente tão hospitaleiro.
Os filhos Alceu e a irmã Angélica, acompanharam os passos do pai desde pequeninos, guiados inclusive pelo bom gosto de dona Laila, e, à sombra divertida dos avós Caetano e Angelina, figuras não menos inesquecíveis. E o legado da simpatia e acolhimento sempre foi levado muito a sério, tanto que para o Alceu Filho, a herança deixada pelo seu pai não se resume em edifícios imponentes, ou seja, a grandiosa rede hoteleira, mas sim os seus valores. “Essa marca simboliza uma forte cultura de acolhimento e cuidado com as pessoas e com cada detalhe, um trabalho consistente e diário com valores muito sólidos e qualidade ímpar”, sempre lembra o presidente da organização de hospedagem.
Tive o privilégio de, em certa ocasião, presenciar uma conversa entre as três gerações dos Vezozzo: tratava-se de uma visita presidencial e o Bourbon abrigada o importante evento, em Foz do Iguaçu. Alceu, o pai, passava recomendações ao Alceuzinho, como era chamado pelos mais próximos e colaboradores. Eles detalhavam as providências e eis que surge o seu Caetano, ajeitando o paletó, com as mãos no colete. Houve certa contradição e o avô, diga-se, perto de se tornar um centenário, soltou foi um pito no filho e neto. Cada um foi rapidamente para um lado; ele me olhou, como estivesse medindo e, com ares de impaciência disse: “esses meninos…”. Foi hilário, mas compreensível em matéria de respeito familiar. Sempre relembro o ocorrido, toda a vez que encontro o Alceu Filho.
Alceu Vezozzo era muito admirado pelos amigos e um de seus contemporâneos era o também hoteleiro Ermínio Gatti; eles estudaram juntos o curso de Engenharia na Universidade Mackenzie, em São Paulo. “Ele era meu calouro, mas nos tornamos amigos em razão da cumplicidade em ideias”, dizia Gatti. Depois de se mudar para Foz do Iguaçu e construir o Hotel Carimã, toda a vez que lidava com um problema estrutural, Ermínio reclamava: “eu tinha que fazer isso igual fez o Alceu, aí não haveria tantos problemas”. Era comum, em certas ocasiões uma caldeira tremer, um piso trincar e na base da brincadeira os amigos diziam: “bem feito, não quis copiar o Alceu?”.
A família Vezozzo conserva muitos valores e diante disso, imagino a dor que enfrentam com o falecimento de Alceu. A vontade que sinto, em momentos assim, é seguir relatando o que pude testemunhar, mas espaços em jornais não são como os livros. Devo encerrar relatando, ao meu ver, o que foi uma grande demonstração de caráter e agradecimento, quando em 2013, Alceu constituiu o “Instituto Bourbon”, em Cambará, sua terra natal. Foi um gesto de muita sensibilidade, amenizando a carência de muitas pessoas, a começar pelos estudantes: ele disse: “Tenho uma ligação importante com Cambará, e vi nesses anos as oportunidades de emprego, e a educação local diminuírem muito. Neste cenário, muitas crianças não estavam estudando como deveriam, e seus pais sofriam com a preocupação da moradia”.
O instituto criou a escola primária Caetano Vezozzo, com biblioteca, inclusive digital, praça, ginásio poliesportivo tudo ao lado de uma grande área verde com moradias nas cercanias do complexo, abrigando várias famílias. E os projetos irão além. Alceu devolveu aos outros o que colheu, aos que esperavam apoio da sociedade.
É dispensável precisar escrever que atualmente, a Rede Bourbon e Resorts soma mais de 20 empreendimentos no Brasil, Paraguai e Argentina, somando-se à inovados conceitos e novas marcas, abrigando bem mas que 5.000 acomodações, uma empresa 100% brasileira. Pessoalmente sinto um orgulho sem tamanho em ter conhecido Alceu Ântimo Vezozzo, um grande paranaense. Meus profundos sentimentos à família.
Rogério Romano Bonato