Do ponto ao plenário: trajetos e tropeços do poder em Foz
Entre bastidores e holofotes, a política local revela atalhos, curvas perigosas e descidas íngremes rumo ao centro das decisões.
Transporte e poder
A prefeitura de Foz anunciou consulta pública sobre o transporte coletivo. Parece óbvio, mas só parece: ouvir o usuário deveria ser prática cotidiana, não evento raro. Há décadas, o saudoso Ermínio Gatti cunhou uma frase que nunca saiu de moda: “transporte elege e também derruba governo”. Ele mesmo repetia o bordão de um amigo de outras trincheiras, ninguém menos que Jânio Quadros, com quem dividiu bastidores e café nos tempos em que dominava a maioria das linhas em São Paulo. Aqui e agora, o tema volta à ordem do dia.
A voz do passageiro
A consulta pública sobre transporte, aberta até o fim de agosto, é conduzida por Foztrans, UFSC e Secretaria de Transportes. A pesquisa investiga desde o tempo de trajeto até o conforto nos pontos. Pode ser respondida online em menos de dez minutos. Tomara que muitos participem — e que, mais do que figurar em relatórios técnicos, a voz do passageiro ecoe de verdade no novo edital. O atual modelo já chegou ao ponto final há tempos. Se a licitação repetir erros do passado, corre-se o risco de reeleger a ineficiência com passagem paga pelo contribuinte.
O futuro gira por aqui
Foz tem potencial para ser vitrine nacional em mobilidade urbana. Com o Parquetec, que já figura entre os principais laboratórios de inovação do Brasil, a cidade pode testar tecnologias limpas, modais integrados e soluções sustentáveis. Mas só haverá mudança se o poder público fizer sua parte: planejar plataformas, garantir cobertura total do território e estimular eficiência. Transporte coletivo não é só linha e horário, é política de inclusão. Em várias regiões de Foz, o ônibus ainda é miragem. Sem planejamento, não há adesão. Sem adesão, não há investimento. É um ciclo — e ele precisa rodar para frente.
Transporte sobre rodas e ruídos
Quando este colunista chegou a Foz, a cidade ainda patinava no barro. A República Argentina era estrada de chão, e os ônibus usavam correntes nas rodas para enfrentar o lamaçal. Funcionários de Itaipu iam ao trabalho em vagões puxados por carretas. O transporte coletivo, por sua vez, era território de disputa feroz: “barões” travavam batalhas judiciais, pichações viraram protesto e prefeitos quase foram parar na cadeia por desafiar monopólios. Foram mais de 40 anos de domínio privado com cheiro de pólvora. Hoje, atravessamos o limbo entre passado e futuro. Hora de sair do ponto e acertar o trajeto.
Bumerangue legislativo
Voltou à cena o velho enredo sobre aumentar o número de vereadores e estender o tempo de mandato de prefeitos. O presidente da AMVA, Edson Fernando, fez suas ponderações, e outros também opinaram. Mas são temas como bumerangue desgovernado: sempre voltam, prontos para atingir em cheio a paciência popular. Se houver consulta pública, o resultado será previsível — a rejeição será unânime, especialmente quanto ao aumento de cadeiras. O eleitor até engole promessas, mas não engole expansão de gabinete. O povo pode até esquecer nomes, mas não esquece o preço da conta pública.
O tempo e o gestor
Volta e meia alguém defende mandatos de cinco anos para prefeitos, governadores e presidente. Argumento: tempo maior para pôr a casa em ordem. Já tivemos isso — mas trocaram o prazo pela reeleição. A questão é que governo exige mais que duração do período: exige paciência, articulação, e uma dose cavalar de habilidade com Legislativo e Judiciário. Boa parte do eleitorado, no entanto, não compreende os ritos nem a lentidão da máquina. Acha que basta estalar os dedos. Nesse cenário, muitos bons quadros fogem da política. E o que sobra, nem sempre inspira confiança. O tempo pode ser curto — mas às vezes, os nomes é que são pequenos.
Mais cadeiras, menos apoio
Aumentar o número de vereadores pode até ser legal, constitucional e cabível — e Foz já preenche os requisitos demográficos para isso. Mas convencer o povo é outra história. Podem alegar economia de papel, corte de assessores, luz apagada no fim do expediente… nada disso apaga a antipatia popular. Como bem observou Edson Fernando, falta à atual Legislatura algo que a conecte ao coletivo. Quando aparece no debate público, é por polêmica nas redes — e não por proposições memoráveis. O povo não quer mais cadeiras. Quer mais ação, mais ética e menos vaidade legislativa.
O problema não é o povo
Políticos e população vivem em universos paralelos — e a ponte que os unia, chamada credibilidade, está em ruínas. A classe política sofre mais que as instituições: tenta se explicar, justificar, mas o cidadão não quer retórica, quer resultado. Em Foz e alhures, a polarização tem sido veneno onde era preciso união. Questões simples travam num duelo ideológico desnecessário. E quando os problemas nacionais invadem o debate local, o caos se instala de vez. O “novo jeito de legislar” envelhece rápido. A paciência do povo, essa sim, tem prazo de validade curto e inegociável.
Volver… ao bom senso
“…con la frente marchita; las nieves del tiempo platearon mi sien. Sentir; que es un soplo la vida; que veinte años no es nada; que febril la mirada; errante en las sombras, te busca y te nombra”. A vida é como a letra de um bom tango, e ensina. “Que vinte anos não é nada”. Mas bastaram vinte minutos entre um ato da Mesa Diretora e a reação indignada para a Câmara de Foz recuar da ideia de restringir impressos no Legislativo. O presidente Paulo Debritto reviu o ato após conversa com jornalistas, dizem. Mesmo assim, permanece a exigência de autorização da Diretoria de Comunicação — um filtro que ainda não cheira bem. O estrago, como no tango, já estava feito. Curioso: quando a Câmara devolveu dinheiro à prefeitura, poucos noticiaram. Mas é só mexer com a imprensa que o bonde sai dos trilhos — e não volta fácil.
Sem farda e continência no café
A prefeitura de Foz instituiu um Código de Ética para os servidores. Oficialmente, a intenção é nobre: reforçar a integridade no serviço público. Mas nos corredores, o clima azedou — principalmente entre os que confundem expediente com recreio e deixam o paletó guardando lugar da repartição enquanto passeiam pela vizinhança. Dizem que após sete meses no comando, o general Silva e Luna tenta aplicar a disciplina dos quartéis às repartições. Só que ali não se ouve corneta, nem há soldado raso. Lidar com efetivos, comissionados e terceirizados exige mais tato do que tática. Ele sabe disso — não foi diferente em Itaipu, nem na Petrobras.
A ética e outras trincheiras
Vestimenta adequada, neutralidade ideológica, comportamento exemplar até fora do expediente. O novo código da prefeitura parece ter sido escrito por um diplomata suíço. Servidores e cidadãos poderão denunciar colegas — de forma sigilosa, claro — o que pode inaugurar um Big Brother administrativo à brasileira. Há quem compare isso, sim, ao rigor militar, e não é exagero. Basta imaginar o General ligando para uma diretoria e ouvindo que o servidor está de férias sem informar, no boteco ou apareceu de Havaianas e camiseta do Corinthians. Difícil, sim. Mas até o prefeito sabe: na coisa pública a autoridade se impõe pela ética — e não pela farda, suas insígnias e divisas.
Código com escovinha opcional
Este colunista recebeu um apelo aflito de servidores: “Dá uma olhada nessas exigências, por favor!”. Pois dei. Há regras sensatas, sim — e outras que cheiram a subjetividade. “Neutralidade ideológica”, “moralidade”, “omissão de erro alheio” — conceitos vagos demais para uma norma tão séria. Ainda bem que, por ora, não se exige cabelo estilo “reco”, nem se passa algodão no rosto para testar a barba. A caserna ficou no imaginário. Engraxar o sapato, passar desodorante e vestir-se com respeito seguem como gestos civilizados — não imposições disciplinares. E nisso, sejamos francos: todo servidor deveria concordar.
Nem tanto ao quartel, nem tanto ao caos
Regras de convivência são bem-vindas. Mas quando um código proíbe “linguagem ofensiva” sem dizer o que é ofensa, ou exige “lealdade” sem distinguir de obediência cega, estamos pisando em solo movediço. Felizmente, entidades e especialistas apontaram falhas gritantes: invasão de privacidade, restrição à liberdade de expressão, ameaça ao direito de greve e sigilo acima da LAI. No fim, sobreviveu o bom senso. E se o Código for aplicado com humanidade, será útil. Se virar instrumento de perseguição, será engavetado por abuso. Ética também se constrói quando ambientes são adversos, contaminados e permeados pela ignorância — para situações assim é difícil decreto. Ordem e atendimento digno é algo que a população sempre espera.
Aula de OSPB
Este colunista estudou nos tempos em que os bancos escolares eram de madeira, estrutura de ferro-fundido e compartilhados, com espaço para o tinteiro — sim, aquilo existia. Havia hasteamento da bandeira, merenda com sobremesa e aulas de OSPB. Vixe, OSPB? “Ordem Social e Política Brasileira”. Diziam que era doutrina dura. Para mim, era só uma leitura enfadonha da Constituição, feita como quem declama o Torá. Ainda assim, preparava melhor para a vida e para o serviço público. Hoje, as regras éticas assustam alguns servidores, mas o folclore em torno da categoria vem de longe. Está nas bulas de almanaque — e na memória de quem usava uniforme engomado. Tudo isso, para mim e para tantas outras pessoas que suam para pagar impostos — sob o risco constante da inadimplência — é recebido com naturalidade. Toda medida que ajude a melhorar o serviço público será sempre bem-vinda.
Parabéns em dose dupla
Hoje aniversaria o amigo João Bosco de Oliveira Melo, ou simplesmente Bosco/Foz, nome com o qual assina sua atuação parlamentar. A data é ainda mais especial por coincidir com o aniversário de meu irmão mais novo, Eduardo Romano Bonato, que vive em São Bernardo do Campo (SP), ao lado de nossa mãezinha dona Gina — esta, prestes a alcançar os 90 com o mesmo vigor sereno de sempre. Edu é quem está sempre ao lado dela, com dedicação diária. Aos dois, saúde, luz e caminhos abertos. E que o tempo, generoso, continue sendo um bom aliado.
Sem presentes, mas com reconhecimento
Presentes materiais nem sempre dizem tudo. A lembrança ao meu irmão seguiu cedo. E ao vereador Bosco, faço questão de registrar em letras visíveis: independentemente de ideologia, é um dos mais atuantes desta legislatura. Age com discrição, mas sem omissão. Fiscaliza, cobra, propõe e mantém um olhar atento aos temas que importam ao cidadão comum. É combativo sem ser sectário, e entende que política exige diálogo, propósito e presença. Quem não compreende isso, dança. Porque a política — assim como a vida — não espera. Parabéns ao vereador. E que siga honrando o mandato com esse mesmo rigor.
Faltam fotos?
Alguns leitores se queixam da ausência de imagens: “Essa coluna parece um tijolo!”, dizem, com certa razão. Mas há temas que não se ilustram com facilidade — nem mesmo com a ajuda valiosa da inteligência artificial. A IA, aliás, exige mais que um clique: é preciso saber perguntar, ter conhecimento e usar a tecnologia para abrir portas, não reforçar muros. Ontem, atendendo aos olhos mais visuais, solicitei uma imagem que traduzisse a punição moderna, mas remetesse aos velhos grilhões. Recebi esta joia: uma tornozeleira com cadeado de ferro e chave pendente (foto). E com ela saúdo a todos nesta sexta-feira, desejando “um bom início de fim de semana” (eita) a todos. E uma dúvida final: como será que alguém com tornozeleira eletrônica veste a meia sem disparar alarme?
Rogério Bonato escreve regularmente ao Almanaque Futuro