Da cumbuca do Parque ao lixo na calçada: números, cortes e contradições de Foz

Do alerta sobre o corte nos repasses do Parque Nacional ao retrato nada romântico do mercado de trabalho e das tarifas de lixo, a coluna passeia entre dados duros, comparações incômodas e provocações necessárias sobre a gestão pública e o cotidiano da cidade. Leia na coluna de Rogério Bonato.

ICMBio e a mão na cumbuca do Parque Nacional do Iguaçu
O alerta emitido pelo Conselho Consultivo do Parque Nacional do Iguaçu (Conparni) fez muita gente arregalar os olhos — no melhor estilo “um no peixe e outro no gato”. A proposta do ICMBio de reduzir de 25% para 12,5% o repasse aos 14 municípios do entorno, retirando quase R$ 11,5 milhões anuais da compensação paga pela concessionária de visitação, não é detalhe contábil: é golpe direto na base que sustenta projetos ambientais e de infraestrutura que fazem do turismo um modelo de sustentabilidade. Paradoxalmente, contradiz o próprio discurso oficial de “proteger e sustentar” a unidade. Muitas cidades utilizam o recurso para esta finalidade.

Esperava-se aumento, veio corte
Segundo uma informação de bastidor – diretamente de um gabinete – os prefeitos e o próprio Conparni negociavam, há meses, ampliar um “tiquinho” os repasses, não reduzi-los. A lógica é simples: o parque é motor econômico e Patrimônio Natural da Humanidade — decisões sobre seu caixa deveriam ser discutidas de forma transparente e consensual. Historicamente, os órgãos gestores da unidade — do IBDF ao IBAMA, chegando ao ICMBio — já recorreram ao “estica e puxa” para transferir receitas do Iguaçu a parques deficitários. Mas hoje, com relações sólidas entre a concessionária e as comunidades, tentar isso é como matar a vaca para eliminar os carrapatos.

Projeção e futuro
A Urbia Cataratas (que não é afetada diretamente pela medida – importante frisar), recentemente, apresentou investimentos robustos para o prazo da concessão, animando entorno e setor turístico. No dia seguinte, a proposta de corte caiu como bomba. Muita gente no entrono quer se adaptar ao que virá. Não estamos mais nos tempos em que se metia a mão na cumbuca sem reação: hoje há vozes, imprensa, redes sociais e um público atento. Mexer nesse equilíbrio é arriscar não apenas projetos nas cidades, mas a confiança construída.

Gestão sim, retrocesso não
Ninguém questiona que o ICMBio administre de forma responsável e busque recursos para outras unidades. O que não se pode é rasgar compromissos assumidos na licitação, sufocando iniciativas que conciliam preservação e economia no entorno do Parque — justamente o modelo que o mundo inteiro tenta replicar. Sustentabilidade não se decreta: constrói-se com previsibilidade, diálogo e respeito aos acordos que fazem o turismo conviver com a natureza sem destruir nenhuma das partes.

O saldo positivo que pode ser negativo
Mudando de assunto: não vamos bancar os três macaquinhos — Mizaru, Kikazaru e Iwazaru — fingindo que não vimos, não ouvimos e não falamos sobre certos números. Também não é o caso de jogar um balde de água fria no entusiasmo de quem vibra com as manchetes. Foz do Iguaçu ostenta saldo de 2,7 mil novas empresas no 1º semestre. Bonito, não? Mas quantas fecharam? E, mais importante: quantas realmente geram emprego e desenvolvimento? Há quem abra CNPJ como quem abre conta de aplicativo, muitas vezes em nome de laranjas, para “aproveitar as oportunidades fronteiriças”. Um audiovisual recente, muito bem produzido, já apontava: Foz é campeã no país em abrir e fechar empresas — não por empreendedorismo pujante, mas por servir de lavanderia para o dinheiro sujo. Barbaridade é pouco.

Os números não mentem, mas irritam
Entre janeiro e junho de 2025, abrimos 5.194 empresas e fechamos 2.576, saldo de 2.718 CNPJs. Crescimento de 6% em relação ao ano anterior. Até aí, aplausos. Mas, detalhe: 86% são MEIs em setores de baixo risco, sem vistoria do Corpo de Bombeiros. A formalização é rápida, sim, mas para muitos serve só para legalizar fachada. E isso revolta o empresário sério, aquele que paga folha, impostos e recebe a visita da fiscalização — enquanto o “faz de conta” passa batido.

A canoa está vazando
Comparando com o Paraná, a situação fica constrangedora. No estado, abriram-se 229.318 empresas e fecharam-se 92.318, saldo de 137 mil — o terceiro maior do país. O Oeste respondeu por 15,7% desse bolo. Já em Foz, as portas abriram 5.194 vezes e fecharam 2.576. Percentualmente, perdemos: aqui, 49,6% das empresas abertas fecham; no Paraná, 40,3%. É como remar com mais força e mesmo assim ficar para trás.

Tá, mas e os empregos?
Tire a farinha do angu e sobra um dado incômodo: o saldo de empregos foi negativo quando comparamos o primeiro semestre de 2025 com o mesmo período de 2024. O Caged, que mede admissões e desligamentos, mostra que as demissões superaram as contratações em 12% este ano. Fala-se muito nas vagas criadas; nas perdidas, silêncio sepulcral.

E os gráficos? Tradução do colunista
Simples: no acumulado até julho de 2025, Foz do Iguaçu registrou 23.164 admissões e 21.487 desligamentos, saldo de 1.677 vagas formais. Mas não podemos esconder que no mesmo período do ano passado foram contabilizados 1.922 postos. Ou seja, um saldo negativo de 12% na geração de empregos em 2025. Nesse ano, o setor de serviços puxou a fila com 908 novos postos, seguido pelo comércio (662), indústria (64) e construção (52). A agropecuária patinou e fechou o período no vermelho, com -9 vagas. A variação relativa total foi de 2,45%, ligeiramente menor que os 2,94% do semestre anterior, mostrando que o fôlego não é lá dos mais robustos. Traduzindo para quem gosta de ver o copo meio cheio: estamos no azul, mas navegando em águas rasas. Para quem prefere ver o copo meio vazio: qualquer onda mais forte pode encher o porão.

Resumo da ópera
Um sociólogo amigo costuma dizer que certos movimentos da economia de Foz do Iguaçu chegam a agredir o mercado de trabalho — e ajudam a explicar até o índice sombrio de fechamento de empresas. O roteiro é quase sempre o mesmo: muita gente sai do emprego acreditando que vai prosperar no negócio próprio, mas descobre que a vida real não tem manual de empreendedorismo instantâneo. Sem orientação, sem planejamento e sem parâmetros, forma-se uma fila de aventureiros abrindo empresas ao mesmo tempo. O resultado? Uma quebradeira coletiva, perda de mão de obra qualificada e, inevitavelmente, desemprego. Vale a máxima: “quem vai a Portugal, perde o lugar” — aqui, quem troca a carteira assinada por um CNPJ improvisado, muitas vezes volta para o mercado só para descobrir que a vaga já foi. E, na versão mais trágica, o sujeito que empresta o nome para empresa fantasma acaba fisgado pelos anzóis da Receita Federal, passando de empreendedor a protagonista de um inferno astral — ou, para os mais dramáticos, de um inverno austral.

Apenas para saberem…
…antes de mudar de assunto: em muitas cidades europeias e nos famosos “condados” norte-americanos, abrir uma empresa não é um ato de fé, é um ato regulado. Lá, câmaras de vereadores e de comércio trabalham juntas, medindo a real necessidade de cada negócio. “Posto de gasolina aqui, não pode — já temos três.” Vale para farmácia, mercadinho, borracharia, padaria, bar. Tudo é controlado para evitar saturação e proteger o equilíbrio do mercado. O resultado? Concorrência saudável, negócios rentáveis e população bem atendida. O Brasil poderia aprender com essa lógica simples: regular não é engessar, é evitar que todos vendam pão num bairro onde ninguém compra.

Ai, ai, ai, a tarifa do lixo
Em Foz, a tal “tarifa social de lixo” agora leva em conta o tamanho do terreno e a metragem do imóvel. Ótimo para a justiça tributária, dizem. Mas, cá entre nós, eu, que moro em terreno grande e casa espaçosa, produzo menos lixo que um certo vizinho especialista em transformar a calçada em parque de diversões para cães e gatos abandonados. O que sai da minha casa e vai para o aterro sanitário é quase todo reciclado — e o resto vira adubo para o jardim. E aí, Câmara de Foz, onde está a premiação por bons serviços prestados à natureza? Em vez de troféu, levo tarifa ajustada pelo metro quadrado. Como diria Lennon: “não sou o único a imaginar” uma lógica que reconheça quem realmente colabora.

A conta não bate (nem recicla)
A nova regra garante desconto de 50% para imóveis até 200 m² e taxa mínima para os que não passam de 50 m². Beleza. Mas e o lixo que produzem? Porque, no fim das contas, não é o tamanho da casa que entope aterro sanitário, é o tamanho da sacola na calçada. Na minha, dá para carregar num braço. Na de outros, precisa de caminhão extra. O projeto segue para sanção do Executivo e, segundo os autores, corrige distorções antigas. Tomara. Só espero que um dia a conta leve em consideração não só a régua e o compasso, mas também a balança da consciência ambiental.

Foz e o censo da população em situação de rua
Entre os dias 19 e 25 de agosto, a Secretaria Municipal de Assistência Social realizará o que chama de “primeiro censo da população em situação de rua” de Foz do Iguaçu. Ligaram para este colunista dizendo que isso já foi feito antes. Não importa quem assine a paternidade — o fato é que iniciativas assim deveriam acontecer com frequência. A novidade é que, desta vez, as equipes usarão aplicativo e questionário padronizado para levantar dados como idade, gênero, escolaridade, saúde, vínculos familiares e demandas de proteção social. Imagino as respostas: “perdi o emprego, a casa, não posso pagar aluguel, a rua é meu único refúgio, sou imigrante, sou indigente, estou doente”. Nada que vá nos surpreender. O que interessa é saber o que farão com esses dados e como eles influenciarão as decisões. Qual é a meta? Também não será surpresa se o censo apontar que Foz, nesse tema, não é tão diferente de outras cidades brasileiras.

Gente preparada
Nos dias 12 e 13, 48 servidores e voluntários foram capacitados para o trabalho, com apoio da Fundação Cultural, universidades e do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política para a População em Situação de Rua (CIAMP-Rua). A coordenação é do secretário Alex Thomazi. O objetivo é orientar políticas públicas e direcionar recursos com base em evidências, ampliando a rede de atendimento e a reinserção social. Foz ainda é vista por muitos como “Eldorado”, terra de oportunidades onde notas de R$ 100 voariam pelas ruas. A questão é séria, não dá para fazer piada: a vida na rua não é escolha, é resultado de um acúmulo de portas fechadas.

Boa sexta-feira!
Me despeço com dois trabalhos recentes requisitados por este colunista e impecavelmente atendidos pela Inteligência Artificial. Quando se faz boas perguntas e se planeja bem o pedido — com responsabilidade —, a resposta vem com qualidade e um realismo de cair o queixo. Nas duas ilustrações, Trump e Lula surgem em situações de confronto, cada um no seu figurino e regionalismo: de Tio Sam com chapéu à la Carmen Miranda a xerife e cangaceiro em pleno Velho Oeste. Até amanhã, que já é sábado!

Rogério Bonato escreve regularmente para o Almanaque Futuro e em breve com muitas novidades!