Crime organizado, empregos, migração, imigração e a Foz etnica universal
Em sua coluna, Rogério Bonato aborda a diversidade intercontinental da cidade e Estado
Criminalidade tecnológica
Esqueça o estereótipo do marginal de chinelo, bermuda e boné. O crime organizado foi ao Sebrae, fez MBA, frequentou seminários internacionais e agora circula com blazer de linho e SUV blindada. A estrutura das facções lembra holdings empresariais: há departamentos, metas, hierarquia, bônus por performance e uma sofisticada cadeia de comando. O PCC, por exemplo, migrou para a mansão. Operam com contratos, laranjas jurídicos e notas fiscais. Instalam-se em condomínios de luxo, adquirem imóveis por meio de offshores e vivem com discrição exemplar. A vida mansa — financiada pelo tráfico, contrabando e golpes digitais — substituiu os tiroteios cinematográficos. Agora, fazem barulho apenas quando sai a operação da Polícia Federal. Enquanto os “gerentes” seguem escondidos em cidades médias do interior, longe dos holofotes do eixo Rio-São Paulo, quem paga a conta são os soldados, fantoches que em geral terminam no camburão. A elite do crime sabe: o verdadeiro poder é silencioso.
Golpe por assinatura
Se antigamente se dizia que os presídios funcionavam como “universidades do crime”, hoje são polos tecnológicos de altíssimo desempenho. Em abril, a “Operação Dissidência” desarticulou um esquema que usava inteligência artificial para clonar vozes de parentes, aplicar golpes bancários e até fraudar processos judiciais. Isso mesmo: o criminoso não só conhece sua mãe, como imita a voz dela. Ligação de presidiário virou passado. Agora, há centrais operando de países como Paraguai, Bolívia, Gana e Filipinas. Utilizam servidores em nuvem, VPN de luxo e suporte em múltiplas línguas. Um delegado comentou, ironicamente, que “os criminosos têm mais treinamento que muito funcionário de banco”. Enquanto o cidadão busca uma peça automotiva na internet ou tenta renovar o passaporte, já está sendo mapeado, ranqueado e, em minutos, virando alvo de uma fraude sob medida. O crime está sempre uma atualização à frente.
O novo evangelho da desconfiança
Desconfiar virou profissão de fé. Se São Tomé vivesse hoje, teria o título de consultor de segurança patrimonial. No Brasil, acreditar sem checar é quase um chamado à danação financeira. O cidadão, além de pai, mãe e trabalhador, virou também especialista em rastrear CNPJ, checar links, escanear QR-Codes e identificar uniforme falso em tempo real. Recentemente, em Porto Alegre, dois homens foram presos aplicando golpes vestidos como técnicos de internet — com crachá, tablet e até boné da empresa. Em Foz do Iguaçu, uma viatura falsa com giroflex comprado em e-commerce foi apreendida em frente a uma loja de material elétrico. O sujeito se passava por fiscal de iluminação pública! O jornalismo ensina a desconfiar como método. E agora, a vida real exige a mesma postura: não é paranoia, é instinto de sobrevivência.
Prisão com ar-condicionado e Wi-Fi
A cadeia do século XXI tem mais do que grades. Tem roteador e notebook. Não, não é piada. Em junho, em Curitiba, detentos de uma ala reservada operavam um sistema de apostas online com acesso remoto a servidores no exterior. Já em Cascavel, a PF descobriu o uso de carteiras de criptomoedas para financiar o envio de armas ao Norte do país. O presídio, nesse novo modelo de negócios, não encerra as atividades do criminoso — apenas muda o CEP da operação. De lá saem ordens via bilhete, e-mail criptografado ou ligação VoIP, instruindo ações no mundo livre com precisão cirúrgica. E enquanto parte da sociedade ainda discute se o sistema prisional deve ser punitivo ou reabilitador, o crime responde com pragmatismo: transformou o cárcere em coworking. Com divisão de tarefas, horário de expediente e metas. Barbaridade!
Mini-ONU com vista para as Cataratas
Foz do Iguaçu não é mais uma cidade, é uma assembleia-geral permanente das Nações Unidas! O Censo revelou quase 5 mil migrantes estrangeiros entre 2017 e 2022, e isso sem contar os que chegaram depois, por vias nem sempre tão oficiais. Quem se assusta com a fronteira do México em Tijuana precisa vir dar uma volta na Vila Portes. Aqui, cada semáforo parece um quiz: adivinhe a nacionalidade pelo sotaque e pelo cartaz de papelão. Tem gente do Haiti, da Venezuela, do Congo e até da Suíça. Se duvidar, a próxima conferência internacional da ONU pode muito bem ser no Gramadão da Vila A.
Migrantes até no caixa do mercado
Outro dia fui comprar couve e terminei aprendendo três expressões em crioulo haitiano e duas em castelhano colombiano. Em Foz, o português está virando língua opcional. Caixas de supermercado já praticam multilinguismo espontâneo. Você fala “obrigado”, e ouve um “gracias”, “merci” ou “obligado” em retorno — com sotaque caribenho ou andino, depende da fila. É uma babel do consumo, onde a comunicação se dá mais por sorrisos e gestos do que por gramática.
A terra prometida, ou pelo menos tolerada
O Paraná virou destino dos “gringos de fé”, especialmente Foz. Segundo o IBGE, 49 mil estrangeiros escolheram o Estado como lar entre 2017 e 2022. O ranking é liderado por paraguaios e venezuelanos, mas há de tudo: do libanês entusiasta da culinária ao suíço que, coitado, não se adaptou ao calor e sumiu na primeira semana. Muitos chegam com esperança e acabam encontrando um pedaço de chão, um botijão de gás e uma comunidade para chamar de sua. O problema é que o Estado ainda confunde acolhimento com improviso — e o que deveria ser política migratória vira sorte de loteria.
O paraíso do improviso profissional
Curiosamente, mesmo com o aumento da população migrante, a cidade reclama da falta de mão de obra. Jardineiro? Escapou para Ciudad del Este. Pedreiro? Diarista? Ela está sobrecarregada limpando Airbnbs para turistas argentinos. Aí o morador local contrata alguém “no desespero” e acaba com uma parede torta, o piso flutuante afundando e a fiação pegando fogo. Foz é terra de oportunidades, sim! Viva!
Somos muitos, e nem todos se conhecem
Além dos estrangeiros, a cidade acolheu uma verdadeira procissão de brasileiros de outros estados. Vieram paulistas em busca de sossego, gaúchos atrás de um lugar seco, paraenses atrás de emprego, e cariocas fugindo da Zona Oeste. No fim, criamos um caldeirão antropológico onde o chimarrão cruza com o açaí e a pamonha é vendida com sotaque mineiro. Se o IBGE conta as pessoas, deveria também perguntar: o que diabos vocês vieram fazer aqui?
Mapa-múndi com sabor de pastel de feira
Em Foz do Iguaçu, você pode tomar um café sírio, almoçar um kebab turco, lanchar uma empanada chilena e jantar um churrasco pantaneiro, tudo no mesmo quarteirão. A diversidade é tamanha que o difícil é achar comida brasileira raiz. A cidade exporta turistas e importa sabores. Isso não é globalização — é o bufê da convivência multicultural.
Los gringos do Paraná, versão deluxe
O Estado do Paraná virou uma Disneylândia para venezuelanos (22 mil), paraguaios (7 mil), haitianos (quase 4 mil) e também para americanos (2 mil), italianos, chineses e até canadenses que, sabe-se lá por quê, preferem o calor úmido da fronteira ao conforto glacial de Toronto. Foz, nesse contexto, é o que Las Vegas seria se tivesse Itaipu. Se a cidade continuar nesse ritmo, vai ser preciso criar um passaporte especial com carimbo da Feirinha da JK.
Dado oficial, realidade paralela
Segundo o IBGE, Foz abriu 1.400 vagas de trabalho este ano — 30% a menos que no anterior. Mas, ainda assim, a cidade está cada vez mais cheia. A matemática parece confusa: tem mais gente, menos emprego, mas o mercado gira. Seria milagre? Renda informal? Ou apenas a economia do improviso, onde quem tem um colchão velho monta uma pensão, e quem sabe fritar pastel vira microempreendedor turístico. O novo Plano Diretor talvez deva prever mais espaço para carrinhos de comida e placas de “vaga para tudo”.
Os torcedores e os agentes migratórios
A diáspora brasileira não para. Basta ver um jogo da Copa do Mundo de Clubes. O que tem de brasileiro nos estádios estrangeiros faria pensar que exportamos mais gente que soja. Tem tanto imigrante nos arredores dos campos que Donald Trump já cogitou enviar fiscais disfarçados de vendedor de pipoca. O cidadão vai ao jogo torcer e sai deportado.
O mundo é aqui — e o futuro também
Foz do Iguaçu sempre se orgulhou de sua pluralidade. Agora é chegada a hora de transformar esse mosaico humano em estratégia de desenvolvimento. Imigrante não é problema — é potencial. A cidade precisa deixar de apenas “receber” e começar a integrar. Se temos mão de obra, cultura, línguas e religiões distintas, temos também um capital humano extraordinário. E isso, bem trabalhado, não se perde. Foz não é só destino: é travessia. E como toda boa fronteira, tem o poder de mudar vidas — se soubermos como.
Rogério Bonato escreve regularmente ao Almanaque Futuro