Autor/Imagem: João Zisman – Texto e Imagem
Há tempos a política deixou de ser um campo de ideias para se tornar uma arena de paixões. Nesse ambiente instável, o cidadão comum oscila entre extremos emocionais. Num dia, exige prisão com entusiasmo, no outro, clama por garantias e direitos. O que define sua reação não é o fato, nem a prova, nem a lei, mas o rosto de quem ocupa o centro da cena.
Essa gangorra emocional não revela apenas incoerência, mas um ressentimento difuso que se manifesta como sede de punição. Não se deseja justiça, deseja-se revanche. Aplaude-se quando o atingido é o adversário, e protesta-se quando o alvo muda de lado. O princípio deixa de ser o eixo da discussão. O afeto toma seu lugar.
Friedrich Nietzsche já alertava, com precisão, que “quem combate monstros precisa tomar cuidado para não se tornar um deles”. O ressentimento, quando internalizado e não reconhecido, age silenciosamente, corrompendo a percepção da justiça. Passa-se a desejar o castigo como redenção, e não mais como consequência legítima de um ato comprovado.
Enquanto isso, cresce uma outra distorção, mais sutil e perigosa. A justiça, que deveria ser pública, transparente e sujeita à crítica, passa a ocupar um lugar quase sagrado. Decisões não precisam mais convencer, apenas existir. A autoridade se basta. A lógica se inverte: já não se busca explicar para ser respeitado, mas se exige respeito como blindagem contra qualquer forma de explicação.
O cidadão, que antes acreditava compreender o sistema, hoje apenas assiste. As decisões chegam prontas, definitivas, às vezes incompreensíveis, quase sempre inalcançáveis. O rito se impõe sobre o conteúdo. O vocabulário jurídico, cada vez mais fechado em si mesmo, constrói um muro entre o que é decidido e o que é vivido.
E, nesse cenário, a crítica institucional vai sendo sufocada. Questionar virou sinônimo de atacar. Divergir passou a ser tratado como ameaça. O julgamento deixou de ser um ato do Estado e virou um dogma. A toga não pode mais ser confrontada, apenas reverenciada. E a justiça, que deveria se justificar por seus fundamentos, passa a se sustentar pelo simples fato de ter sido pronunciada.
Ao mesmo tempo, a população não se dá conta de que, ao transformar a justiça em instrumento de suas paixões, alimenta um modelo que amanhã poderá voltar-se contra si. O jogo muda. Os lados se invertem. E o que hoje parece justo pelo gosto de punir, amanhã se revelará cruel pelo gosto de calar.
A força de uma democracia não está na autoridade que não erra, mas na coragem de conviver com a dúvida. O desconforto com o poder precisa ser permitido. A crítica às instituições não pode ser vista como deslealdade. O direito de questionar é parte da saúde do sistema. Quando tudo se torna absoluto, o erro se perpetua em silêncio.
A justiça que não se deixa julgar talvez acerte, mas quando errar, errará sozinha. E quem hoje aplaude, poderá, no futuro, não encontrar sequer a quem recorrer.
João Zisman é economista, jornalista e exerce o cargo de secretário de Comunicação da Prefeitura de Foz do Iguaçu.