Aos 80 anos, a ONU revela mais desunião que união

Na 79ª Assembleia Geral, guerras, crises climáticas e disputas políticas expõem o esgarçamento da ordem multilateral, enquanto o Brasil abre o debate mundial. Leia na Coluna de Rogério Bonato.

O palco montado

Entre 23 e 29 de setembro, Nova York recebe a 79ª Assembleia Geral da ONU, justamente no ano em que a organização completa 80 anos de fundação. É importante diferenciar: a ONU nasceu em 1945, com a Carta de São Francisco, mas como o primeiro encontro oficial foi em 1946, esta é a 79ª edição. O número, entretanto, pouco importa diante do cenário: o planeta inteiro se volta para os discursos e encontros que, se transmitidos ao vivo em horário nobre, poderiam disputar audiência até com a novela das nove.

O Brasil em foco

A tradição diplomática coloca o Brasil como primeiro a discursar. Lula chega a Nova York com a missão de reafirmar soberania e democracia, além de projetar o protagonismo climático do país às vésperas da COP30 em Belém. O desafio é equilibrar firmeza e diplomacia: cutucar Washington em casa pode soar deselegante, mas a ONU, afinal, é território neutro.

Comitiva enxuta

Donald Trump, de volta à Casa Branca, restringe movimentos de delegações estrangeiras, afetando inclusive o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Lula, no entanto, transformou a limitação em oportunidade: a comitiva será reduzida, em parte também por razões orçamentárias — afinal, só em 2024 a conta passou dos R$ 8 milhões.

Pautas ruidosas

A agenda vai muito além do embate Lula–Trump. Em Gaza, a ONU aprovou neste mês um roteiro para a solução de dois Estados, condenando tanto os atentados do Hamas quanto os ataques israelenses que devastaram a Faixa. Na Ucrânia, drones russos abatidos na Polônia elevaram o risco de alastramento do conflito. Já a Venezuela atrai holofotes: Nicolás Maduro confirmou presença em Nova York, desafiando sanções e até recompensa oferecida pelos EUA por sua captura — lembrando cenas do Velho Oeste.

O peso da América Latina

Além da Venezuela, a região carrega outras pautas: desigualdades sociais, migrações e integração regional em meio à crescente pressão norte-americana. O contraste entre discursos inflamados e realidades complexas é o tom da dificuldade em transformar palavras em soluções.

Sempre o meio ambiente

Apesar das disputas, o clima deveria ser prioridade. O mundo cobra avanços em descarbonização, transição energética e financiamento climático. O Brasil, como anfitrião da COP30, terá de mostrar mais que discursos. Salvar o planeta não pode ser tratado como item secundário de pauta.

A parte burocrática

Entre discursos, a Assembleia cumpre funções menos glamorosas: aprovar orçamento, eleger conselhos, indicar secretários-gerais e dividir debates em seis comitês temáticos — do desarmamento ao direito internacional. São 193 países, cada um com direito a um voto, decisões que exigem maioria simples ou qualificada. A engrenagem é lenta, mas segue girando.

Tradição brasileira

Desde 1955, o Brasil abre os debates por costume: era o país que sempre se voluntariava quando ninguém queria ser o primeiro. Os EUA, anfitriões, falam em segundo. A ordem só mudou em raríssimos episódios, tornando-se uma marca da diplomacia brasileira.

Um mundo em xeque

O aniversário de 80 anos deveria ser de celebração, mas a ONU atravessa sua crise mais ruidosa. A ordem multilateral parece frágil diante do avanço da multipolaridade sem coordenação. É a velha ironia: quanto mais o planeta precisa de união, mais evidente se torna a desunião.