Equívocos sobre a vocação de Foz com a vilania histórica

É paradoxal. Se de um lado, Foz do Iguaçu concentra atrativos magníficos naturais e realizados pelo homem, de outro sempre é notícia de mazelas e tirania. Agora aumentam os boatos que a cidade abrigou o médico nazista Josef Mengele, entre os anos 60 e 70. A informação não confere com a realidade.

Por Rogério Romano Bonato

 

A história

A cronologia pontua os primórdios coloniais. Começou com a formação de uma base para a destruição das reduções jesuíticas; depois foi a terra dos capitães do mato em busca de fugidos da escravidão; mais tarde o terreno de desertores da Guerra da Tríplice Aliança; logo depois, paraíso dos “gatos” exploradores de colonos ervateiros; a fortaleza inexpugnável das colunas revolucionárias; ninho de terroristas, onde Osama Bin Laden passava as férias, e segundo o jornalista norte-americano Jeffrey Robinson, é uma região habitada por cerca de “duzentos mil punguistas, prostitutas, arruaceiros, revolucionários, rufiões, traficantes e viciados em drogas, assassinos, chantagistas, piratas, quadrilheiros, extorsionários, contrabandistas, matadores de aluguel, proxenetas e arrivistas”. Ele completa o parágrafo se referindo à Ciudad del Este como criada pelo ex-ditador Alfredo Stroessner… “o mesmo homem que deu boas vindas a fugitivos nazistas como Josef Mengele”. No fim das contas, no tal “anus do mundo” não deixariam de inserir os nazistas. Que barbaridade isso.

Registro histórico internacional realizado pelo governo nazista redutos de concentração (eles registravam as prórias atrocidades e isso ajudou a consumação de sentenças no Nuremberg

 

Mengele em Foz

As pessoas brincam com isso, eu mesmo já escrevi com uso do humor, mas não se pode deixar de lado o receio e o respeito, afinal quase tudo não passa de boatos. Publiquei uma notinha inofensiva semana passada a respeito do assunto e foi o suficiente para gerar uma tormenta de mensagens até de outras cidades e países. Subestimamos até onde vai o nosso texto. O fato é que há muito folclore e carência de documentos oficiais sobre quase todas os casos, deixando-os no cadafalso das especulações. Não há registros sobre a presença do médico nazista na fronteira. O “anjo da morte” pode até ter se hospedado na cidade ou permanecido algum tempo, mas não deixou rastros. Bom, nisso ele parecia ser muito eficiente.

 

Anos 70

Segundo as pesquisas sérias e que de alguma maneira sopraram a poeira nas pegadas de Joseph Mengele revelam que ele desembarcou na América do Sul logo depois da Grande Guerra. A exemplo de outros nazistas, teria permanecido um tempo na Argentina, Chile e escapou para o Paraguai, onde viveu livremente, uma vez que não havia acordos de extradição com a Alemanha e Israel. Só lá pela metade dos anos 70 entrou no Brasil e buscou refúgio em várias localidades do Estado de São Paulo. Viveu cerca de 18 anos no país, em povoados desapercebidos do Litoral Sul, em Serra Negra, Eldorado, Bertioga, Diadema e Embu. Dificilmente ele teria permanecido em Foz ou outras cidades paranaenses. Uma pesquisa considerada eficiente é o livro Baviera Tropical, da jornalista Betina Anton.

 

Xenofobia

Como acontece hoje com as pessoas de origem árabe, os germânicos e japoneses sofreram muito no passado. Muitas regiões ao Sul foram colonizadas por alemães, gente severamente observada por moradores e autoridades. São incontáveis as narrativas sobre casas com passagens secretas, armas escondidas e convidados suspeitos. A ficção ajudou bastante, como é o romance do norte-americano Ira Levin, “The Boys from Brazil”, ou “Os meninos do Brasil”, que virou filme em 1978 e fez muita gente viajar na maionese.

Material publicitário utilizado no lançamento do filme Os meninos do Brasil no final dos anos 70.

 

Investigações e fatos

Muito sobre Mengele foi descoberto por Romeu Tuma e sua equipe de investigadores e peritos. Encontrarem a ossada, identificada em 1985. Tuma acreditava que os últimos anos de Mengele não foram fáceis. Com o passar dos anos ele foi perdendo o apoio de simpatizantes, ex-integrantes da SS que deixaram de enviar recursos; no mais essa gente foi morrendo com o avantajar da idade, se escondendo e tentando sobreviver em disfarce. A pressão exercida pelos caçadores de nazistas se tornou sufocante. Mengele, segundo pessoas que o conheceram, vivia doente, com problemas respiratórios e gástricos. Segundo consta, sofria de um problema no estômago cuja evidência surgiu ao revirarem seus restos mortais. “Encontraram uma bola de cabelos já quase petrificada e que estaria alojada no esôfago. O cálculo se forma em pessoas que mantém grandes bigodes; os pelos, aos poucos engolidos, se amontoam no organismo, como acontece com os gatos”, disse Tuma.

O então delegado Romeu Tuma faz a reconstituição facial e de vida do médico nazista Josef Mengele

 

Bertioga

O nazista, segundo informações, morreu em 1979. Alugava uma casa em Bertioga, passeava pela praia e revirava as pedras à cata de mariscos. Teve um problema no coração e antes de completar 70 anos. O fato é que obteve muito êxito em sua vida anônima, sempre driblando o Mossad e adquirindo nomes e documentos falsos. Para alguém que conduzia experiências atrozes com prisioneiros, a começar por crianças gêmeas, Mengele soube se camuflar com eficiência. Por outro lado, não há orgulho algum saber que um indivíduo desses foi acolhido por uma cidade como Foz do Iguaçu. Não há evidências, além do mais a história se calça em documentos.

 

Romeu Tuma

Ele foi uma das figuras mais poderosas do país em seu auge, quando acumulou o cargo de Diretor-geral da Polícia Federal e Receita, o que lhe valeu o apelido de “xerife”. Elegeu-se Senador por São Paulo e foi aos poucos se retirando da vida pública. Frequentava muito Foz do Iguaçu, onde mantinha vários amigos, entre eles o hoteleiro Ermíno Gatti. Tuma foi um dos ilustres hóspedes do Hotel Carimã. Em suas estadas foi fazendo amigos na região; adorava o quibe preparado por um libanês em Ciudad del Este, e, sempre cruzava a ponte rodeado de amigos. Não escondia o que sabia e diante disso, as conversas eram muito produtivas para os jornalistas. “Na vida de policial, nos colocamos na pele de muitas pessoas e ficamos imaginando seus comportamentos. Fiz um exercício assim ao estudar Josef Mengele, afinal fui obrigado a fazer várias palestras ao redor do mundo atendendo a Interpol. Ele sobreviveu a muitas emboscadas, ciladas, foi um camaleão, e em condições assim, passa a crer que é outra pessoa; é o laboratório exercido por quem precisa ter outra vida, assim não cairá em contradições. Olhando para a sua aventura e fuga, concluo que Foz do Iguaçu não seria um lugar a ser visitado por ele, pelo contrário, certamente desviaria o caminho”, disse Romeu Tuma, em tom de reflexão.

Algumas das ultimas fotografias de Josef Mengele  em  consentimento ao reporter Oswaldo Junior do jornal O  Estado de São Paulo/Estadão. As imagens rodaram o mundo e  não se fazia ideia de qual seria a aparência de Josef Mengele. 

 

As fotos pela ordem obedecem o crédito ao Museu Memorial do Holocausto; Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal e por fim a icônica imagem produzida por Oswaldo Junior do Estadão, cujas poses foram concedidas por Mengele em pessoa.O cartaz de divulgação do filme da Pramount Studios/1978