Por João Zisman
Toda liderança carrega sobre os ombros a expectativa de acertar. Mas o que muitas vezes impede um líder de exercer plenamente sua capacidade não é a falta de visão nem a ausência de preparo. É o ambiente que se forma ao seu redor. Esse ambiente, movido por interesses próprios, afetos pessoais e disputas silenciosas, cria uma blindagem que separa o dirigente da realidade que ele, mais do que ninguém, gostaria de enfrentar com clareza.
Em estruturas públicas e privadas existe um fenômeno recorrente, reconhecido pela psicologia social e pelas ciências da gestão: grupos internos, temendo perder espaço ou desejando ampliar influência, passam a controlar o fluxo de informações que chega ao alto comando. Não o fazem necessariamente por má-fé. Muitas vezes o fazem para firmar convicções pessoais, defender áreas próprias, proteger privilégios ou, simplesmente, porque descobriram que bajular rende mais do que entregar resultados.
É aí que nasce a disfunção egoica como fenômeno organizacional. Não como defeito do líder, mas como produto de um ecossistema em que há quem prefira cultivar a dependência emocional em vez da confiança técnica. Surgem os que se vendem bem, os que choram quando pressionados, os que teatralizam lealdade, os que se escondem atrás do paternalismo do chefe para evitar responsabilidade. E enquanto isso, o dirigente — íntegro, responsável e disposto a resolver problemas — recebe versões editadas da realidade.
O líder não cai nesse jogo porque é frágil. Ele cai porque é humano. Porque valoriza vínculos, acredita nas pessoas, reconhece histórias, acolhe dificuldades. E é exatamente aí que alguns percebem a oportunidade de manipular o acesso, monopolizar a agenda e apresentar apenas o que serve aos seus próprios interesses.
Enquanto o dirigente trabalha para acertar, há quem trabalhe para agradá-lo. Enquanto ele busca eficiência, há quem busque conforto. Enquanto ele pede sinceridade, há quem entregue afeto ensaiado. A blindagem se forma menos pelos poderosos e mais pelos medíocres. Os competentes alertam, discordam, apontam rotas. Os incompetentes elogiam. E elogiar, nesses ambientes, abre portas, sobe degraus e constrói carreiras.
Assim se cria a distância entre expectativa e realidade. O dirigente acredita que determinados processos avançam porque recebe garantias emocionais, não dados concretos. A realidade lá fora segue dura, mas a realidade que chega até ele é suavizada por quem tem mais habilidade de dramatizar do que de resolver.
Esse fenômeno não escolhe setor. Acontece na política, em grandes empresas, em organizações religiosas e no terceiro setor. É uma lógica comportamental que se perpetua em qualquer ambiente em que o líder carrega o peso moral da responsabilidade e onde há quem se aproveite dessa nobreza para manter privilégios, justificar falhas ou esconder incapacidade.
Romper esse ciclo não depende de dureza, mas de método. Depende de estruturas que permitam que a verdade chegue limpa e inteira. Depende de processos que desestimulem a bajulação e premiem a entrega. Depende de ambientes que valorizem quem trabalha, não quem emociona. Depende, sobretudo, de proteger o líder daqueles que se protegem atrás dele.
A disfunção egoica não enfraquece a liderança. Enfraquece quem tenta enganá-la. Porque, quando a realidade finalmente se impõe; e ela sempre se impõe, os bajuladores desaparecem. E o líder permanece, como sempre permaneceu, com sua capacidade intacta, pronto para conduzir com lucidez aquilo que lhe tentaram esconder.
