Constatação: a população é a maior refém quando ocorrem falhas e elas resultam em conflitos nas concessões públicas

A discussão sobre o transporte público em Foz e exemplos de dissonância contratual em outras cidades, fazem o cidadão pensar mais e formar opinião mediante as quebras contratuais.

A população de Foz do Iguaçu, usuária do transporte público vive um dilema perante o debate que se arrasta entre empresas e administração municipal. Em alguns episódios, onde há ataques e defesas, a discussão ganha ares acirrados e isso vai além da prestação do serviço público, colocando em jogo a credibilidade do sistema. Isso deveria ser preservado, de maneiras que a população possa avaliar com isenção e força de opinião, o modelo ideal, independentemente dos atritos contratuais.

Deficiências contratuais ganham muita exposição em tempos atuais, com a divulgação nos meios informativos e também abertamente, em discussões latentes nas redes sociais. Os pedágios são um exemplo de discernimento público, bem como as medidas adotadas pelo governo e as decorrentes consequências. Outro tema que ganha espaço no ambiente da formação da opinião, é as condições das balsas na travessia entre Matinhos e Guaratuba, no litoral paranaense. Depois de uma série de sinistros, embarcações à deriva e atracadouros afundando, o governo do Paraná decretou a caducidade do contrato de concessão. Neste caso, algo muito próximo de 100% dos usuários concordariam, porque experimentaram o sofrimento da espera, durante horas para cruzar o canal.

Já a discussão sobre o transporte público em Foz é um pouco diferente, levando em conta um contrato assinado em 2010, com uma gritaria entre as partes quanto ao descumprimento das cláusulas; a prefeitura propõe uma mudança radical, arguindo que chegou a hora de evoluir, de olhar para o futuro, com base na informação de que o sistema caducou. Acreditando em levar essa demanda adiante, a administração pública diz que está preparando toda uma lista de providências em “fase emergencial”. Do outro lado, estão os empresários se defendendo, informando os prejuízos; as imposições, e, acusando os erros do governo. A Justiça, por sua vez, vai decidindo as demandas que lhe são oferecidas e o resultado delas, fazem a população imaginar o quanto será difícil e complicado chegar ao resultado final.

Como o setor de transporte sempre foi uma areia movediça na cidade, com brigas históricas, é difícil imaginar o desfecho da atual queda de braços. Mas há um fato a se observar: à cada embate o passado é ressuscitado, com fantasmas saindo de um armário de discordâncias, lembrando o usuário, que raramente houve um período de paz e tranquilidade, sem a preocupação com greves, paralisações, e arranca rabos entre os concessionários, ou com a prefeitura.

O usuário espera algo simples, ser transportado com dignidade, conforto, segurança e pontualidade, pelo que vale o a passagem propõe, que mesmo defasada, complica o orçamento das famílias, em tempos de crise.

O Almanaque Futuro propõe refletir a opinião dos atores da atual discussão, os empresários, administradores públicos, usuários e também os trabalhadores do segmento, em verdade, uma massa muito preocupada com o destino.

Começamos com os empresários e a livre exposição de seus pontos de vista. Cezar Alamini à frente da empresa mais antiga no sistema e que enfrentou quase todas as crises, resolveu construir um “breve relato dos Inadimplementos Contratuais promovidos pelo Município”. Trata-se de uma opinião pessoal, ele fez questão de frisar que não fala em nome do Consórcio Sorriso. Se a Prefeitura se pauta pela caducidade do sistema, segundo a posição do empresário, ela também teria caducado.

O relato do Cezar é longo e utiliza termos técnicos e por isso, necessitou uma edição. Ele começa pelo item 9.1 do Edital de Licitação 005/2010, e a Cláusula Décima Quarta do Contrato de Concessão 135/2010 que definem a remuneração do Consórcio Sorriso, e que isso que deveria ocorrer através da cobrança de tarifa, pois o Edital previa a média mensal de passageiros transportados na ordem de 1.438.932 e a quilometragem rodada era 819.505 km, o que representa o IPKe de 1,75 passageiros pagantes por quilometro rodado. IPKe significa “Índice de Passageiros Equivalente por Quilômetro”; ele expressa a relação entre a quantidade de passageiros pagantes transportados e a quilometragem percorrida. Quanto maior é o indicador, mais produtivo é o sistema de transporte e, consequentemente, tem menor custo para o usuário.

Reza o item 3 do Anexo III.1 do Edital de 2010, que deveriam ser construídos 3 pontos de integração (terminais) nos bairros, e, no item 9.2 do Edital de Licitação e na Cláusula Décima Sexta do Contrato de Concessão, a tarifa deveria ser reajustada anualmente nos meses de setembro. Em acordo com o dispositivo, a tarifa também deveria ser “revisada” a qualquer momento, quando ocorressem determinadas situações, como a instituição ou corte de gratuidades, além do aumento ou redução de investimentos na frota determinado pelo Poder Concedente. Neste caso, desde a implantação do contrato, o Município promoveu alterações unilaterais na operação dos serviços, de forma que o modelo contratado jamais foi colocado em prática, assegura Alamini. Houve diversas isenções e gratuidade, como o caso das pessoas maiores de 60 anos, que até o momento, segundo o empresário, somaria 9 milhões de acessos no “validador” dos ônibus, o que resultaria em R$ 36,9 milhões que as empresas deixaram de receber. Um número considerável para apenas uma medida de isenção, aos considerados idosos em Foz. Em muitas cidades isso ocorre acima de 65 anos.

Por meio de decreto, o Município, de 2014 a 2015, implantou a “Tarifa Domingueira” que concedeu abatimento de 50% no valor da tarifa cobrada aos domingos, o que causou desequilíbrio econômico-financeiro no contrato de concessão. Todos os reajustes tarifários, diz Alamini, “além de somente serem concedidos através de medidas judicias, sempre foram concedidos meses após a data base prevista no edital. No curso do contrato, o Município também exigiu, sem contrapartida, um considerável aumento de investimentos em frota, com ônibus maiores em relação aos licitados”, justifica.

Se faltava a gota d’água, ela derramou durante o período da Pandemia, quando o Município editou vários decretos suspendendo a operação do transporte coletivo em determinados dias e horários, também limitando a quantidade de passageiros transportados em 50% e 70% da capacidade dos veículos; o transporte de passageiros em pé foi vedado e limitada a quantidade assentos em cada veículo. Para o empresário, a somas dos atos da Administração até aqui relatados, configuram o “inadimplemento” e alteração unilateral do contrato de concessão. Vale lembrar que a alteração unilateral dos contratos é prerrogativa da administração pública prevista no artigo 58 da Lei 8.666/93, porém, segundo Alamini, esse poder não é ilimitado, pelo contrário, contém “freios aos eventuais abusos do Poder Concedente”.

Em exemplo, esse “controle” ocorre, “havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado”; neste caso, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial. Além do mais, está claro que as cláusulas econômico-financeiras e monetárias não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado. Neste caso, havendo alteração, o equilíbrio deverá ser revisto e restabelecido em acordo com as eventuais mudanças.

Há cláusulas que incumbem o poder concedente de revisar as tarifas na forma da Lei e normas do contrato; devendo cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais. Os inadimplementos, como a falta dos terminais nos bairros, as gratuidades, a falta de reajuste e revisão da tarifa, mais a alteração na composição da frota operacional, instituição da tarifa domingueira, dentre outros, não obedeceram aos dispositivos de controle e isso causou enorme desequilíbrio econômico-financeiro. Alamini sustenta que no período pandêmico, ao invés de auxiliar o Consórcio, como ocorreu em outras cidades, a prefeitura, “ao arrepio das previsões contratuais e legais”, optou pelo rompimento e, por fim, decretou a caducidade da concessão.

A tarifa atualmente praticada em Foz é R$ 4,10 e o IPKe, considerando as ocorrências, os pagantes e a quilometragem mensal, é de 1,25, e isso representaria uma remuneração de R$ 5,12 (cinco reais e doze centavos) por quilometro rodado. Cezar Alamini diz estranhar, que no “Termo de Referência” publicado recentemente pela Administração, consta como remuneração por quilometro rodado, o valor de R$ 8,45, para a empresa que passar a operar os serviços de transporte, após a saída do Consórcio Sorriso, ou seja, R$ 3,33, por quilometro rodado, além do que é pago atualmente.

Com um IPKe de 1,25 operado hoje pelo Consórcio Sorriso e o valor de R$ 8,45, que consta no Termo de Referência, a nova empresa, grupo ou quem assumir o lugar do Consórcio, receberá uma tarifa correspondente a R$ 6,76. Chama também a atenção, segundo o empresário, que no Termo de Referência, a quilometragem mensal inicial é 388.850. Alamini afirma que o Consórcio Sorriso percorre mensalmente mais de 450.000 km.

Uma das razões de levar o Município a decretar a caducidade do contrato de concessão no transporte foi a alegação de que o Consórcio reduziu a frota operante de 158 para 104 veículos. O novo termo de referência pede 66 ônibus para fazer o serviço, revela Alamini. Finalizando, ele contabiliza que “os prejuízos causados pelos inadimplementos e alterações unilaterais promovidos por ação ou omissão da Administração, superam um desequilíbrio na ordem de R$ 82 milhões até o momento, valor demonstrado em perícia judicial.

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