Uma crônica para o novo tempo

Rogério Romano Bonato

Recebi de um amigo a edição em PDF da revista Veja, um suplemento que eu não lia havia bastante tempo. A capa — diga-se — é uma obra-prima da obviedade, uma redundância de fazer corar qualquer manual de redação: “2025, o ano que não terminou”. O suplemento foi lançado em 24 de dezembro. Logo, ainda restavam dias para que o calendário avançasse. Literalmente, portanto, o ano não havia terminado.

A tentativa de parodiar o clássico “1968 – O ano que não terminou”, do imortal (e querido amigo) Zuenir Ventura, resulta numa construção tautológica, pobre e desnecessária. Em Zuenir, o título é conceito histórico. Em Veja, vira apenas truque retórico esvaziado. Como professor de jornalismo, o mestre Zuza jamais ensinaria uma engenhoca dessas.

A dona Veja, é verdade, às vezes descarrilha feio. Basta lembrar quando insinuou que Osama Bin Laden teria visitado Foz do Iguaçu após os atentados ao World Trade Center. A suposição, além de ridícula, despertou a justa ira da população. A reação veio em forma de campanha internacional: “Se Bin Laden arriscou o pescoço para passar as férias em Foz do Iguaçu, é porque vale a pena”. A revista pagou um mico histórico.

Mas nem tudo se perde no calhamaço de 176 páginas digitais. A pérola está na página 125. Em show no The Town, em São Paulo, Bruce Dickinson, da banda Iron Maiden, cravou uma das frases do ano: “Você vê um homem grande, alto, com roupa preta, rabo, chifres e olhos ardentes. Aí pensa: ‘Quem é esse? Um político brasileiro?’ Não. Não é tão ruim assim. É apenas o diabo.”

E fica a pergunta: o inglês viu algo errado?
A frase expõe, sem rodeios, como anda a imagem política do Brasil. Nunca, em tempo algum, a classe esteve tão desmoralizada. A reclamação é generalizada em capitais, médias e pequenas cidades, em todos os estados. O desgaste é sistêmico, com raríssimas exceções.

Talvez haja explicação antropológica. O país polarizou, a alternância não entregou resultados e produziu um strike no ânimo do eleitorado. Ecoa a pergunta: “Valeu a pena brigar com o vizinho, o irmão, o cunhado, os amigos de bar, discutir camiseta, bandeira, discurso inflamado, se tudo parece ter piorado?”

O Brasil vive sob essa pressão. Basta um gostar para outro odiar. Não é só “direita” contra “esquerda”; é o nada elevado ao quadrado — a morte do pensamento coletivo, a recusa do diálogo, a tentativa permanente de eliminar o contraditório. Isso não acaba em 2025. Vai até 2026, infelizmente, um ano eleitoral. Nesse ponto, a capa da Veja até acerta no diagnóstico, mas erra no verbo. O título correto seria: “2025, o ano que não terminará”. Odeio o pessimismo, adoro o futuro — e quem sou eu para corrigir a Veja?

Mudemos de assunto. Há coisas no Brasil que funcionam. O turismo é uma delas. Nesta semana, o Parque Nacional do Iguaçu celebrou novo recorde, superando 2019. A cidade sentiu: mais gente nos atrativos, trânsito, filas, poeira das obras. O visitante pouco se importa quando está diante das Cataratas, de Itaipu, do aquário ou do parque das aves. Em breve, os acessos estarão prontos e tudo isso será memória.

A fartura de 2019 foi interrompida pela pandemia. Empresas fecharam, empregos sumiram. Foram seis anos até reencontrar o fio da meada, simbolicamente consolidado com a chegada do visitante de número 2.020.359 — e não com aquela aberração da “dois milionésima vigésima milésima trecentésima quinquagésima nona visitante”. Que barbaridade. Tomara que a Veja não copie.

A classe política deveria aprender com a hotelaria e o turismo. Embora o Estado e seus intrépidos parlamentares votem incentivos pontuais, nada se compara ao esforço empresarial. No Brasil, quem segura o setor é a iniciativa privada: emprega, paga impostos e ainda precisa convencer o mundo de que “vale a pena” conhecer o destino.

Nos piores dias da pandemia, Foz ficou isolada. Sem voos, sem estradas. Poucos sabem o que a hotelaria suportou para não demitir profissionais formados ao longo de décadas. Foi um esforço além da imaginação — e venceu. Uma superação que envolve parques, bares, restaurantes, fornecedores, toda a engrenagem que recebe e acolhe.

Daqui a pouco, mediremos novamente a ignorância por outro indicador: a queima de fogos. Ruído, estresse, tragédia anunciada. Há quem dispare um revolver no céu! O chumbo sobe… e depois desce. Tomara que não encontre ninguém em sua trajetória, causando o efeito “bala perdida, alma inocente encontrada”.

Soube que alguns hotéis optaram por soluções elegantes. O Bourbon Cataratas do Iguaçu, por exemplo, há anos não utiliza fogos. Antes mesmo legislação municipal. O complexo hoteleiro mantem um refúgio de animais, e promove uma celebração silenciosa, com balões biodegradáveis ao anoitecer — cada hóspede recebe o seu, antes da festa. Se chover, não há soltura. Simples assim. Civilizado assim. Ideia de dona Laila Vezozzo, por conta dos animais do refúgio, além das crianças e adultos com transtorno do espectro autista (TEA). Essa soltura acontece há uma década.

No fim, esta crônica tenta resumir uma ideia singela: quase tudo pode dar certo quando há esforço e disposição para encontrar soluções. Podemos melhorar o coletivo, reacender ânimos, colorir o que foi borrado e dar jeito no que parece fora do lugar.

Que comecemos hoje. Que encaremos o amanhã como um novo tempo — a inevitável trajetória da Terra em torno do Sol. Enquanto hesitamos, o planeta segue firme a 107.200 quilômetros por hora, cem vezes mais rápido que o som, lembrando-nos, em silêncio, que a natureza opera com uma competência que ainda falta aos homens.

Que o próximo ano chegue com menos ruído, mais lucidez e a coragem necessária para fazermos o que precisa ser feito, devolvendo-nos o essencial: diálogo, trabalho sério e a esperança que não cabe em manchetes. Feliz Ano Novo.

*Rogério Bonato escreve com exclusividade para o Almanaque Futuro.