A arte, o legado e a glória de Ivan Lins

Em Foz do Iguaçu para inaugurar o Pátio da Mata Hall, do Bourbon Thermas Eco Resort Cataratas do Iguaçu, o autor das muitas e belas canções recordou a vida, a carreira e não quer saber de falar em aposentadoria.

Rogério Bonato/Redação Almanaque Futuro

Vivemos, afinal, o “novo tempo” que Ivan Lins profetizou — esse tempo incerto, onde a esperança ainda é mais teimosa que o medo, e a fé insiste em sobreviver à descrença. Somos um povo que atravessa as décadas de coração pulsando mais que a razão, tropeçando, mas cantando, como quem sabe que a música é o último reduto da lucidez. Quando me entristeço, lembro sempre de duas canções — Novo Tempo e Desesperar Jamais — e nelas reencontro o fio que costura a nossa resistência. Ivan Lins e Vitor Martins escreveram o que talvez seja a alma cantada do Brasil: a convicção de que o amanhã ainda vale a pena, apesar da chatice do hoje.

Lembro bem quando o entrevistei pela primeira vez. O ano era 1980, e o país ainda vivia sob o eco do milagre econômico e o peso da censura. Meses antes, ganhei de aniversário o LP Novo Tempo, aquele em que Ivan aparecia “quase pelado na capa”, como observou minha avó, escandalizada com o peito cabeludo que o transformou, de repente, em quase um sex symbol. A entrevista, no Rio de Janeiro — e a conversa foi tão boa que, desde então, me tornei um repórter destinado a cruzar o caminho de Ivan a cada década.

Eu tinha doze anos quando ouvi Madalena na novela A Próxima Atração, com Renata Sorrah iluminada por aquela canção. Décadas depois, há quem ainda a chame de “Madalena”, e com razão: certas músicas grudam na alma e fazem da memória um refrão. A trilha da vida de Ivan sempre foi essa — atravessar o tempo, transformar as dores em beleza e as ditaduras sem merecimento.

Nos anos seguintes, já vivendo em Foz do Iguaçu e cobrindo Itaipu para várias redações, descobri que sempre me chamavam quando o assunto era ele. Talvez por sorte, ou por afinidade, ou porque a música de Ivan Lins habita aquele território sutil onde a palavra e a emoção se confundem. Uma vez, fui incumbido de entrevistar torcedores tricolores ilustres. Fui às Laranjeiras, meu reduto quase natural, dei minhas voltas e, com a ajuda do mestre Ricardo Cravo Albin, acabei cumprindo a pauta na Cobal do Humaitá — quatro entrevistas em uma só tardinha. Na volta, o acaso me premiou: Ivan e Vitor Martins lagarteavam numa livraria de Ipanema. O melhor furo é sempre o que não se procura.

E talvez por isso, quando o reencontrei agora, no Hotel Bourbon, ele me olhou e disse: “Eu te conheço!”. Conhecia mesmo — pelo menos de alma. Ela falou mais forte.

Dessa vez, o privilégio da entrevista coube à Eliane Schaefer, que, como sempre, conduziu o diálogo com a delicadeza de quem entende o artista por dentro. Foram quase duas horas de conversa para o Almanaque Futuro — um material raro, pleno de sabedoria e humor. Ivan é desses que transformam qualquer resposta em filosofia, mesmo que disfarçada de causo. Fala de censura e de liberdade com ironia, discorre sobre a tragédia da monetização digital e brinca com a ideia dos 80 anos, afirmando que pretende chegar aos 90… trabalhando. Aposentadoria? “Esqueça”, ele ri.

O fim de semana em Foz foi uma celebração. O show, impecável; o público, emocionado; e a casa, em êxtase. Depois da apresentação, Eliane Luiza passou a noite pedindo Ivan para a Alexa — coitada da assistente, que ficou com síndrome de rouquidão. Se isso não é amor, é o mais próximo que existe.

Ivan Lins continua o mesmo: os óculos redondos, o olhar doce e atento, o humor afiado, a generosidade intacta. É um sujeito solar, desses que nos lembram que a gentileza é também uma forma de resistência. Quando o escuto falar de natureza — de pássaros, árvores, rios —, percebo que há nele uma reverência ancestral ao mundo e ao tempo.

Um dia sonhei em mandar-lhe uns versos, como todo poeta iniciante, acreditando que o mestre poderia musicá-los. Hoje, o sonho é outro: uma trilha sonora para um filme que ainda planejo fazer. Porque há artistas que não envelhecem; apenas mudam de estação. E Ivan é desses: o mesmo rio, com águas sempre novas.

Assistam à entrevista no Almanaque Futuro. Não é só uma conversa. É um encontro com o Brasil dos novos tempos.

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