Independência: entre o mito do Ipiranga e a realidade da História
Reflexão sobre os 203 anos do 7 de Setembro e os desafios de um Brasil que ainda busca caminhar com as próprias pernas. Leia na coluna de Rogério Bonato
Almanaque do dia 6 de setembro
Hoje é sábado, 6 de setembro de 2025, a 250ª jornada do ano — restam 115 dias até o réveillon. No calendário religioso, a Igreja Católica celebra São Zacarias, papa e mártir do século VIII, e São Magno, bispo missionário que difundiu a fé cristã no norte da Itália e Suíça. Na história, em 1522, a nau Vitória, comandada por Juan Sebastián Elcano, retornava a Sevilha, tornando-se o primeiro navio a completar a volta ao mundo iniciada por Fernão de Magalhães. Em 1620, o navio Mayflower partia de Plymouth, levando os peregrinos ingleses que fundariam a colônia de Massachusetts. Em 1822, no Brasil, D. Pedro recebeu a carta das cortes portuguesas exigindo seu retorno a Lisboa — episódio que antecedeu o Grito da Independência. Já em 1901, o presidente norte-americano William McKinley foi alvejado em Buffalo, falecendo dias depois. Em 1991, a União Soviética reconheceu a independência dos Estados bálticos — Estônia, Letônia e Lituânia. No campo cultural, em 1943 nascia Caio Fernando Abreu, escritor e jornalista brasileiro que se tornou voz marcante da literatura contemporânea. Em 1997, morria o educador Paulo Freire, cuja pedagogia crítica é referência mundial.
Por falar em política…
Vira quase um número de circo a engenhosidade para tentar salvar Jair Bolsonaro da condenação. Rascunham anistias, costuram brechas, ensaiam discursos — um espetáculo em busca do perdão eterno. Esse filme é velho: no século passado, líderes como Hitler e Mussolini também desafiaram tribunais, zombaram do sistema e pagaram. Hitler, inclusive, usou os dois anos de cadeia para escrever Mein Kampf — prova de que a História não costuma ter paciência com quem brinca de atropelar instituições. Mas, e o que veio depois? Não se trata de comparar Bolsonaro aos piores e nem aos melhores personagens da humanidade, mas de lembrar que julgamento existe justamente para separar culpa de inocência. O que atrapalha não são as provas, mas a horda de aliados que só acredita na fé cega e na faca amolada que no fim também acaba em autoritarismo. No Congresso, a proposta do PL soa como um balacobaco, quase tão extravagante quanto as intenções de Donald Trump para livrar o Brasil do tarifaço. Entre entraves, manobras e labirintos, ironia das ironias: a absolvição no STF parece ser o atalho menos complicado. O problema é que condenam a Justiça, antes que ela decida o destino do réu. Assim fica difícil.
Por falar em julgamento…
A história mostra que julgamentos moldam destinos. Nelson Mandela enfrentou décadas de prisão, Tiradentes foi enforcado, e tantos outros carregaram o peso de sentenças que se transformaram em símbolos. Para quem se diz injustiçado, a culpa sempre recairá sobre as instituições: o sistema vira vilão, a Justiça é acusada de cega demais ou indulgente de menos, e o réu, por ironia, é coroado com auréola de anjo. No caso de Jair Bolsonaro, a opinião pública não é indiferente. Pesquisas recentes apontam que a maioria dos brasileiros deseja o julgamento e confia na imparcialidade do Judiciário. O país quer saber, com clareza, se houve trama golpista e se ela configurou crime. Antecipar perdões ou costurar anistias, antes mesmo de se ouvir o veredito, equivale a vestir a carapuça e admitir a culpa sem defesa. A lição ética é simples: cabe esperar o resultado do julgamento — é aí que se mede a grandeza das instituições e se define a verdade diante da história. Incomode a quem incomodar, é assim que deve ser.
O Paraná é dos paranaenses
Historicamente, o protagonismo eleitoral brasileiro esteve concentrado em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia… o Paraná, no entanto, começa a se projetar de forma distinta, impulsionado pelo governador Ratinho Júnior. Diferente de seus antecessores, ele tem se apresentado mais como gestor institucional do que como articulador político, o que o coloca em posição de ser visto como novidade em um cenário ainda marcado por práticas antigas. A dúvida é se essa imagem de “novo” terá fôlego para romper as barreiras do sistema consolidado. A questão é como fazer o furo na bolha.
Cenário em aberto
Para se lançar como presidenciável, Ratinho Júnior dependerá de variáveis complexas: o desempenho de Lula, as alianças possíveis e a disputa direta com nomes como Tarcísio de Freitas, que também ocupa espaço no campo de novidades, mas com ritmo mais estridente. Nesse tabuleiro, existe ainda a alternativa de Ratinho disputar o Senado, mas ainda inserido em composições maiores. O cansaço dos eleitores com a “velha política” abre uma oportunidade, mas o desfecho ainda é incerto. Afinal, conjecturas eleitorais mudam rápido, e a política brasileira é pródiga em surpresas.
Uma coisa é certa…
Todo governante bem avaliado enfrenta um dilema: como transferir a popularidade conquistada para um sucessor? No Paraná, Ratinho Júnior tem aprovação alta, mas parece ainda não encontrar alguém que desperte a mesma empatia junto ao eleitorado. Ele pode ter um afilhado predileto, mas ainda não apontou o dedo. Essa lacuna fragiliza a base governista e atrasa a escolha de um nome capaz de manter a unidade. Enquanto o grupo perde tempo em debates internos, opositores como Sergio Moro já se movimentam com clareza de projeto, ganhando terreno e reduzindo a vantagem que um apoio oficial de Ratinho poderia garantir. O fenômeno é antigo: a popularidade não se herda, e a ausência de um herdeiro político claro costuma abrir espaço para que adversários avancem. Ratinho não precisaria de um “herdeiro”, bastaria investir seu apoio em alguém com experiência e carisma para somar essa herança política. Mas se a aposta é esperar pelas pesquisas, que seja — apenas não esqueçam que o relógio corre mais rápido em ano eleitoral.
Enquanto isso…
Pesquisas eleitorais são retratos de momento, mas servem como termômetro do humor político. A mais recente, da Neokemp, confirma Sergio Moro como favorito ao governo do Paraná em 2026, liderando todos os cenários de 1º e 2º turno. O favoritismo se explica tanto por sua projeção nacional quanto pelo vácuo deixado pela impossibilidade de reeleição de Ratinho Júnior, cuja gestão mantém altíssima aprovação (quase 70%). Esse capital político, mesmo sem candidato próprio, terá peso decisivo na composição de alianças. No Senado, o quadro é mais fragmentado: Deltan Dallagnol e Cristina Graeml surgem na frente, mas a soma de indecisos e votos brancos mostra que o jogo está aberto. Curiosamente, a Neokemp incluiu Rafael Greca em alguns cenários, talvez para testar o alcance de um dos nomes mais conhecidos e carismáticos do estado, mantido até aqui fora da disputa oficial.
Moro no comando
Assumir a presidência do União Brasil no Paraná dá a Sergio Moro não apenas o controle da legenda, mas também acesso a estrutura, fundo partidário e tempo de TV — ativos fundamentais para uma campanha majoritária. O acordo com Felipe Francischini encerra uma disputa interna e, ao mesmo tempo, expõe fissuras entre União e PSD que podem mudar o equilíbrio no Centro Cívico. A ascensão de Moro acende sinal de alerta em duas frentes: para Ratinho Júnior e aliados, que veem surgir um concorrente competitivo fora de sua órbita, e para a oposição, que terá de decidir se o encara como adversário prioritário ou figura circunstancial. A janela partidária de 2026 dirá muito sobre a fidelidade dos atuais aliados e a real capacidade de articulação do novo comandante.
Caminho aberto
Com mandato no Senado até 2030, Moro joga sem risco imediato e ganha tempo para articular alianças, lapidar discurso e se projetar como alternativa de poder. Mas transformar vantagem em pesquisa em vitória eleitoral exige mais que números: requer base sólida, narrativa convincente e habilidade para navegar pelos labirintos da política tradicional. Por isso, enquanto os institutos testam cenários em Curitiba, Moro foca nas grandes cidades do interior, articulando presença constante e estruturando apoios. Em Foz do Iguaçu e região, por exemplo, conta com aliados como José Elias Castro Gomes, presença garantida em seus atos e um dos nomes que ajudam a sustentar a rede de contatos. Moro já entendeu que a eleição paranaense se decide em território amplo e diverso — e está pavimentando o caminho antes de entrar oficialmente em campanha.
Janela de movimentos
A proximidade da janela partidária de 2026 deve acelerar a dança das cadeiras no Paraná. União Brasil e PP já sinalizam fissuras com o governo Ratinho, enquanto Republicanos e Podemos se movem para atrair quadros estratégicos. Deputados federais e estaduais tendem a priorizar sobrevivência eleitoral, mais do que fidelidade às siglas. Esse realinhamento pode redefinir bancadas e alterar os palanques regionais, abrindo espaço para novas alianças — e também para disputas internas que não tardarão a vir à tona.
E vai lá saber?
Entre as leituras que circulam nos bastidores da política paranaense, uma se destaca pelo grau de ousadia: a hipótese de Ratinho Júnior desistir de lançar um sucessor e apoiar diretamente Sergio Moro ao governo do Estado. Oficialmente, isso nunca seria admitido, mas não é de se descartar. A cabeça de um político costuma processar cenários mais rápido que qualquer máquina. A matemática é simples: com Moro fortalecido, Ratinho preservaria seu capital político e ainda poderia ampliar as chances de vitória em um futuro projeto pessoal, seja no Senado ou até em uma corrida presidencial. O tormento, claro, seria para os partidos de esquerda, que veriam se consolidar uma fatura difícil de reverter. Não seria política convencional, mas uma jogada com requintes de radicalidade. E, convenhamos, em política, nunca se deve duvidar do improvável. A política é afinal, a arte do imprevisto.
O Brasil independente
Neste domingo vamos comemorar 203 anos de independência “dar cortes portuguesas”. *Nem sei a razão de sempre escreverem isso no plural, uma vez que havia apenas uma corte, a de D. João VI, que deve ter fervido o sangue ao saber do desejo do filho, em se libertar de Portugal. Segundo os relatos o rei sofreu bastante e já se questionava sobre a monarquia. Os portugueses andavam bastante inquietos. A Independência do Brasil, enfim, continua sendo a data cívica mais importante do calendário, mesmo mantendo a monarquia no poder. A república nasceria 67 anos depois.
Cortes Gerais
Explicando: tratavam o assunto no plural em razão das colônias, a extensão do “Reino de Portugal”, sobretudo diziam “as Cortes” porque se referiam às Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, uma assembleia que reuniu representantes do reino de Portugal e seus domínios ultramarinos. Isso aconteceu após a Revolução do Porto em 1820, as Cortes tinham o objetivo de elaborar uma constituição e reverter a situação de autonomia que o Brasil havia conquistado durante a fuga da família real. Acho que assim não pagarei mico e nem dirão que fui de alguma aula na Faculdade de História. Mas o leitor entende o humor coloquial.
A história trabalha
O processo de livrar o Brasil das amarras portuguesas ainda segue no processo de clareamento. Aos poucos o brilho heroico e retumbante vai sendo substituído pela simplicidade, o “Grito”, por exemplo, não se deu em cima de um cavalo puro-sangue, e tampouco a tropa estava fardada com elmos e armaduras cintilantes, ora pois, era apenas uma comitiva que deixara a casa da amante do príncipe, e, acabara de escalar os paredões e picadas da Serra do Mar. Estavam sujos, enlameados e montados em burros e jumentos. Os camponeses e habitantes da Vila do Ypiranga não faziam a mínima ideia do que estava acontecendo. Mas tudo isso, de jeito algum, diminui o ato. Foi quando o Brasil nasceu de verdade e andou com as próprias pernas.
E hoje?
Depois do tarifaço, certamente muitos de nós avaliam com mais profundidade esse conceito de “independência”. Está mais para a dependência que outra coisa, porque dependemos dos acordos internacionais, da vontade dos políticos, da inteligência de gente que não consegue evoluir, dos parceiros que mais parecem inimigos e de um mundo que dá um passo à frente dois para trás. Impressionante. Infelizmente é a realidade, medida pelas confusões internas e a soberba externa. Olha o desfile na China, com milhares de soldados armados até os dentes, foguetes e ogivas nucleares? O que é isso gente? Aquilo tudo é para ser usado contra seres humanos, o que nos faz pensar que o medo é bem maior que a esperança em um mundo melhor. Barbaridade.
O dia de amanhã
Enfim, uma data como o 7 de Setembro é mais importante para a reflexão do que outra coisa. Qual Brasil queremos no futuro? Em que mundo queremos viver? É meus amigos passa sim esse filme. Mas tomara que tudo se acerte e os dias sejam melhores, pensar assim, com simplicidade, otimismo e a obstinação de que tudo dará certo, já é um bom caminho. É desta maneira que me despeço, desejando a todos um bom final de semana!
