O passado, encrencas do presente, pactos, soluços e combustíveis
Na data em que a história registra tratados, guerras e independências, a coluna de Rogério Bonato conecta lembranças de Getúlio, soluços de Bolsonaro, fraudes nas bombas e a aposta iguaçuense em ônibus elétricos.
Almanaque de 3 de setembro
Chegamos à 246ª jornada de 2025 — restam 119 dias até o réveillon. O calendário religioso celebra São Gregório Magno, papa que consolidou a liturgia e deixou como herança os cantos que levam seu nome. Na história, o 3 de setembro é emblemático: em 401, nascia Teodósio II, imperador bizantino; em 1783, era assinado o Tratado de Paris, encerrando a Guerra de Independência dos Estados Unidos; em 1939, França e Reino Unido declaravam guerra à Alemanha, dois dias após a invasão da Polônia, marcando de vez o início da Segunda Guerra Mundial. Já em 1971, o Qatar conquistava sua independência. O Brasil recorda ainda 1942, quando Getúlio Vargas decretava estado de guerra contra o Eixo. É, portanto, uma data de rupturas e pactos — perfeita para refletir sobre os contrastes de setembro.
E o Getúlio?
“Prezado colunista, vejo que todos os dias abre a coluna lembrando fatos que marcaram a data e, no dia 24 de agosto, esqueceu-se de algo importantíssimo: o suicídio de Getúlio Vargas! Eu era bem jovem, mas jamais esquecerei a comoção. Servia na gloriosa Marinha e precisei trabalhar nos cordões de isolamento, tamanha a quantidade de gente nas ruas. Desculpe por precisar lembrar.” — Romulo F. G. Baptista.
Prezado leitor, é uma honra receber sua lembrança, sobretudo pela relevância do episódio que mudou a história do Brasil. Devo uma explicação: o dia 24 caiu em um domingo, data em que a coluna não circula. Lamento, porque o fato mereceria registro antecipado ou, ao menos, posterior. Aproveito para parabenizá-lo pelos 92 anos, celebrados com saúde e lucidez — testemunho vivo de quem acompanhou, de perto, a comoção de 1954.
Parece, mas não é piada
O ex-presidente Jair Bolsonaro enfrenta um problema insólito: uma crise de soluços que insiste em não dar trégua. Quem esteve por perto garante que é uma espécie de metralhadora de contrações, acompanhada de um “hic, hic, hic” que atrapalha até a fala. Por isso, não deve aparecer no julgamento — afinal, imagine enfrentar horas de acusações, testemunhas e olhares inquisidores enquanto soluça como personagem de desenho animado. Para azar dele, soluço não dá direito a habeas corpus.
Fica difícil…
…até de acompanhar o julgamento pela internet. Os acessos são tantos que a transmissão engasga, trava, some o áudio e volta em câmera lenta. Melhor esperar a reprise — e não faltará oportunidade, já que o STF programou dias seguidos de sessões, um verdadeiro seriado jurídico em tempo real. Mas a coluna não se prenderá apenas a isso: apesar da relevância do caso, que concentra a atenção nacional, vamos dividir espaço com notas mais variadas, inclusive do cotidiano iguaçuense. Porque democracia se defende também com bom humor e olho na vida real.
Rebuliço nas bombas
Fraude em posto de gasolina é daquelas coisas que tiram o sono de qualquer cidadão — afinal, não tem como viver sem abastecer. Em Foz, onde a frota quase igual a população, a suspeita de adulteração é uma barbaridade. Como todo bom motorista, também escolho bandeiras conhecidas — Shell, Petrobrás, Ipiranga —, mas mesmo assim o risco existe. O consumidor precisa desconfiar de preço baixo demais. Gasolina não entra em liquidação como roupa de ponta de estoque. E, diante da gravidade, o mínimo esperado é que autoridades fechem os bicos dos suspeitos até provar inocência.
Metanol, o vilão invisível
O enredo é de arrepiar: postos estariam adicionando metanol, substância tóxica e inodora, ao combustível. O motorista respira sem perceber e o organismo paga a conta. A exposição pode causar cegueira, falência de órgãos e danos ao sistema nervoso central. Não bastasse isso, os veículos sofrem pane e entopem as oficinas da cidade. Um mecânico confidenciou: “o estrago é grande e custa caro”. Ou seja, o consumidor perde duas vezes — na saúde e no bolso. Quem imaginava que o cheiro de gasolina poderia esconder tanto veneno?
A longa sombra do PCC
A investigação batizada de “Carbono Oculto” revelou que o Primeiro Comando da Capital (PCC) teria fincado raízes no setor de combustíveis. Um esquema bilionário de fraudes, com importação irregular de metanol pelo Porto de Paranaguá, uso de empresas de fachada, sonegação de impostos e infiltração em distribuidoras. Não é só gasolina adulterada: é a prova de que o crime organizado descobriu que a bomba de combustível é mais rentável do que a pólvora.
Um bilhão de motivos
Os números da operação impressionam: mais de mil postos sob suspeita, 350 alvos em oito estados, R$ 7,6 bilhões em tributos sonegados. Cerca de 1.400 agentes participaram da força-tarefa. O PCC chegou ao ponto de absorver transportadoras e distribuidoras, ameaçando proprietários que não seguiam a cartilha. Uma estrutura empresarial do crime, com faturamento digno de multinacional. O consumidor, sem saber, abastecia o tanque e o caixa da facção ao mesmo tempo.
Desconfiança e ironia
Em tempos de paranoia, um amigo decidiu testar os ares: anda com um passarinho no fusca, para ver se o coitado resiste ao cheiro do combustível. Melhor rir do exagero do que chorar a tragédia. É claro que não se pode generalizar — há empresas sérias no ramo, que sofrem ao ver sua imagem arranhada pela infiltração mafiosa. Mas Foz do Iguaçu, sempre no mapa das encrencas, não escapou de figurar no noticiário. A recomendação é simples: abastecer só em postos confiáveis, mesmo que custe alguns centavos a mais. Afinal, mais caro sai reparar o carro — ou a saúde.
Do posto ao futuro
Com a pressão mundial por regras ambientais mais rígidas, os postos de gasolina correm o risco de virar peça de museu. Pode demorar um pouco, mas o fim do motor a combustão é questão de tempo — e de sobrevivência. A frota do amanhã será elétrica, híbrida ou movida a biocombustíveis. Nesse cenário, quem se adiantar, colhe os frutos. Foz do Iguaçu, ao apostar em ônibus elétricos no Corredor Turístico, dá um passo ousado: trocar a fumaça das bombas pelo silêncio das baterias. É uma escolha que une mobilidade, turismo e meio ambiente, mostrando que o futuro pode, sim, ter sotaque iguaçuense.
Ônibus elétrico, não trólebus
A notícia de que ônibus elétricos vão rodar em Foz do Iguaçu mexeu com o imaginário: nada de cabos ou canaletas de trólebus, mas veículos movidos a baterias de alta eficiência, com autonomia testada em laboratórios de Itaipu. O projeto integra o plano de ampliar o Corredor Turístico, conectando Aeroporto, Cataratas, Marco das Três Fronteiras e Itaipu, reduzindo a dependência de carros particulares. Trata-se de uma iniciativa alinhada às políticas globais de redução de emissões e de mobilidade inteligente.
Tecnologia com sotaque iguaçuense
O vereador Evandro Ferreira, que já vinha debatendo inovação urbana desde sua atuação em TI, assinou a indicação oficial para a implementação da linha elétrica no Corredor Turístico. A proposta prevê parcerias com Itaipu e com a iniciativa privada, assegurando sustentabilidade financeira e operacional. E os detalhes não são apenas retóricos: a aquisição envolve carrocerias modernas montadas sobre chassis revolucionários, veículos equipados com ar-condicionado, enfim, um investimento de R$ 2,85 milhões por unidade.
Foz como vitrine da transição energética
A aposta em ônibus elétricos não é mero gasto público, mas estratégia de posicionamento. Além de reduzir poluição e melhorar a experiência dos visitantes, o plano coloca Foz na rota das cidades que levam a sério a transição energética. É turismo sustentável na prática, reforçando a imagem da cidade como destino inovador. E mais: com vida útil projetada em dez anos, cada veículo será símbolo do compromisso com o meio ambiente e vitrine internacional de como é possível conciliar mobilidade, turismo e responsabilidade ambiental.
Ouvinte de carteirinha
Quase todos os dias sintonizo a gloriosa Rádio Cultura, no programa Contraponto, onde meu amigo Nelso Rodrigues martela pregos de cabeça dura da cidade. Ao lado de Natália Peres, Eli e companhia (com o apoio luxuoso de Dina Oro), o time dá um passeio completo por Foz. Ontem, além de falar dos buracos e da horta leguminosa urbana, o tema foi a falta de banheiros públicos. Nelso lembrou do “único banheiro à disposição no TTU”, mas esqueceu de outros dois, bem conhecidos: os muros da Feirinha da JK e a Praça do Mitre. Para completar, a bancada recebeu o empresário Deoclécio Duarte, que avisou: deve se refiliar ao PL. Ou seja, teremos mais capítulos políticos no rádio e fora dele. A participação do Deoclécio merecerá notas aqui, em breve.
Sociedade dos animais revoltada
Nelso também repete que certos personagens mereciam “uma surra de gato, até miar”. Coitado do bichano! Se fosse levar ao pé da letra, o tal gato já estaria pedindo habeas corpus no Fórum. Piá levado apanha de vara ou chinelo — e olhe lá (não quero bronca à base de Direitos Humanos). Mas, como o amigo diz, a força da expressão vale mais do que a literalidade. Fica aqui o abraço à turma do Contraponto e o desejo de uma ótima quarta-feira. Que seja sem chineladas, mas com boas risadas e, de preferência, com menos buracos no caminho.