Café, o frio e a conversa afiada

Entre goles e ironias, um passeio por notícias quentes, absurdos políticos, urgências sociais e pequenas vitórias que fazem a cidade seguir em frente. Tudo isso na coluna de Rogério Bonato, que viaja entre o agreste e as Rochosas.

O café está quentinho?

Começo esta coluna convidando o leitor a se servir de um bom café, porque os próximos dias prometem. Não que faltem notícias quentes — elas fervem mais que bule de fogão a lenha — mas porque, em tempos de opiniões apressadas, convém respirar fundo antes de engolir o que dizem por aí. Há um costume antigo que recomendo resgatar: ler com calma, pensar um pouco e só depois falar. É como o café: se tomar de supetão, queima a língua; se esperar demais, esfria. No noticiário, o ponto certo está entre a emoção e a razão — nem morno, nem escaldante. E que a dose de humor nunca falte, porque, sem ele, o dia fica intragável. Vamos que vamos!

 

Pataquada Surreal

O homem mais poderoso do mundo – segundo dizem – resolveu agredir o planeta com verdades tortas. Em entrevista, pintou um quadro apocalíptico de Brasília, recheado de dados falsos, só para justificar sua retaliação simbólica. Aparentemente, distorcer a realidade virou estratégia política. Um escárnio! O pior é que muita gente comeu essa mentira com farinha. É imperativo lembrar: opinião só vale se pautada em dados reais. Política sem verdade não sustenta a democracia — vira espetáculo de horror.

 

Pataquada estrambólica

Como se não fosse surreal o suficiente, o mesmo sujeito decretou “estado de emergência” em Washington, DC, para justificar a mobilização de 800 soldados da Guarda Nacional e a federalização da polícia, mesmo com os crimes violentos em queda — em níveis não vistos nos últimos 30 anos. A prefeita Muriel Bowser qualificou a medida como “sem precedentes” e “autoritarismo puro”. Um alarme falsificado? Acho que alguém deveria checar o criado-mudo do presidente — saber que tipo de remédio ele anda tomando. Arranja problema com o mundo, mas terá muitas dores de cabeça em se entender com a população de seu país.

 

What? Way?

Pergunte a Trump onde fica Brasília e arrisque ouvir que é uma cidade litorânea, ali pelos arredores de Buenos Aires. Zero em geografia, como boa parte dos norte-americanos, que conhecem bem o próprio umbigo e pouco além. O resto do mundo que se dane — desde que defendam seu “modo de vida”, pouco importa quem morra no processo. Nós, brasileiros, seguimos consumindo seu cinema, hambúrgueres, jeans, tênis e desenhos animados, e curtindo sua música que é muito boa. O problema é o mesmo de sempre: o egocentrismo. Casa Branca muda de inquilino, mas o eixo de visão continua no espelho. Falta ao Brasil compreender isso sem ilusão.

 

A caravana passa

O tempo corre e pouco se fala sobre acordos para suavizar o tarifaço de Trump. Silêncio que esconde boas notícias: café, aço, açaí, carnes bovina, suína, caprina e de frango voltam a ganhar espaço além do mercado norte-americano. Lá, importadores fazem barulho contra as sobretaxas, e isso já incomoda a Casa Branca. Trump, porém, cutuca vespeiro: quer fazer rodízio de embaixadores como quem escolhesse pizza. No Brasil e em boa parte do mundo, diplomata é escolhido pela capacidade de resolver crises e desatar nós políticos. Nos EUA, se o dono do armazém for bom de negócios, pode acabar nomeado para o Oriente Médio. A diplomacia, lá, parece um subitem do balanço comercial. E é.

 

A Caravana do Horror

No Brasil, um assunto balança os gabinetes: enquanto o gráfico em São Paulo revela um salto vertiginoso nos processos de exploração sexual infantil, o debate no Congresso e no governo se arrasta com afabulações. Dados oficiais registram uma alta de 22,6% nas denúncias contra crianças e adolescentes em 2024 — quase 290 mil casos só no ano passado. No Senado, a Comissão de Direitos Humanos levou o tema ao plenário, com debate centrado na prevenção, acolhimento às vítimas e digitalização de serviços. O governo federal, por sua vez, diz que continua a fortalecer a rede de proteção, mas as ações concretas esbarram na lentidão das engrenagens administrativas. Fica a urgência: não é apenas um dado que sobe — é um sinal de que a infância está sendo atacada.

 

Infâncias visíveis, mas não invisíveis para a burocracia

Foz do Iguaçu capacita seus conselheiros tutelares no uso do SIPIA — um sistema nacional que organiza informações sobre violações de direitos de crianças e adolescentes. A ferramenta é importante, mas como toda tecnologia, só funciona se quem a opera estiver bem treinado e se os dados forem usados para formular políticas públicas concretas, não apenas para inflar relatórios de gaveta. O problema é que o Brasil ainda peca no “pós-registro”: sabemos onde e como as violações ocorrem, mas seguimos lentos em impedir que se repitam. Em matéria de infância, registro sem ação é estatística cruel.

 

Conselhos mais fortes, cidade mais decente

Além da capacitação, houve reforço de infraestrutura: três novos computadores, um celular e reforma na sede do Conselho Tutelar I. Parece pouco, mas quem conhece a realidade desses órgãos sabe que, muitas vezes, falta até cadeira. Também foi nomeado um coordenador administrativo para liberar os conselheiros do trabalho burocrático e permitir que atuem onde importa: na rua, nas escolas, nas casas em que a infância está em risco. O vale-alimentação aprovado pela Câmara é detalhe, mas revela um avanço de dignidade. Conselho tutelar forte não é gasto: é investimento para que amanhã não tenhamos de contabilizar tragédias. As tragédias evitáveis.

 

“Criança sempre foi problema”?

Na fila do Correio, um sujeito folheava o jornal e, do nada, soltou para este colunista: “criança sempre foi problema em Foz do Iguaçu”. Depois, seguiu seu raciocínio torto: nos tempos da construção da Itaipu aumentou o número de crianças nas ruas, criaram-se entidades para atendê-las — e tudo continuaria igual. Fiquei entre responder ou emendar um safanão verbal, porque tratar criança como “problema” é de uma miopia social estarrecedora. As crianças daquela época hoje são adultos que formam famílias e trabalham; se deram dor de cabeça, foi porque a vida é assim — mas valeu a pena protegê-las. Criança não é problema: é solução. O que falta é criar ambientes melhores e políticas mais inteligentes para que elas cresçam sem repetir os erros que encontramos.

 

Onde a criança é solução

Em Foz, o maior orçamento municipal vai para a Educação. Ou seja, para atender crianças. E, se ampliarmos a lente, Itaipu é um capítulo à parte: não há entidade da cidade que, em algum momento, não tenha recebido apoio da Binacional para projetos com infância e juventude. Conheço isso de perto. É investimento, não esmola. Quem ainda insiste em tratar criança como “problema” precisa rever o conceito: educar, formar e incluir jovens é a única política pública que rende dividendos para sempre — e com juros compostos em cidadania.

 

Jovens pelo clima

Na VI Conferência Estadual Infantojuvenil pelo Meio Ambiente, em Foz, 150 educadores e jovens de 11 a 14 anos debateram justiça climática com apoio da Itaipu. O diretor-geral brasileiro, Enio Verri, resumiu bem: diálogo e senso crítico são armas para enfrentar os desafios ambientais e sociais. O tema — “Vamos transformar o Brasil com Educação e Justiça Climática” — já diz tudo. A garotada de hoje não quer herdar um planeta capenga. E se depender da energia e lucidez que vi nesse encontro, eles não só vão falar alto na COP30, como vão ensinar muito adulto a reciclar ideias ultrapassadas.

 

Na outra ponta

A AFA — Associação Fraternidade Aliança — mostra que Foz também exporta boas práticas. Com um modelo eficiente de assistência social, a entidade criou um programa capaz de orientar órgãos públicos municipais e ONGs na gestão socioassistencial. É mais que caridade: é capacitação, supervisão técnica e uso de tecnologia para melhorar o atendimento a crianças, adolescentes e famílias. A metodologia, que já inspira cidades de outros estados, prova que, quando o trabalho é sério e bem estruturado, ele ultrapassa fronteiras — e coloca a cidade no mapa por razões que nos orgulham.

 

Se fizerem blitz…

Com 38 mil veículos devendo IPVA em Foz, imagino o tamanho do pátio caso resolvessem fiscalizar todos de uma vez. E não é exagero: quem é pego na rua sem o licenciamento em dia, além de guinchado, leva sete pontos na carteira e uma conta que dá para comprar um jogo novo de pneus — com as rodas. O curioso é que muitos só lembram do imposto quando entendem “Blitz à frente”. Aí vem aquela correria no banco, no aplicativo, no santo padroeiro e até no despachante que “resolve tudo”.

 

Enfim, acesso liberado

O que parecia obra de novela com mil capítulos ganhou final feliz: está liberado o tráfego sob o novo viaduto da Perimetral Leste, na Avenida República Argentina. Acabou o périplo por ruas estreitas e madrugadas maldormidas para os vizinhos. Agora, é seguir reto, sem labirintos urbanos. O progresso pode atrasar, mas quando chega, faz a gente esquecer rápido o transtorno — e isso dá esperança a quem ainda vive no meio de obras. Fica só o aviso: a iluminação ainda não está pronta, então, à noite, é bom dirigir com cuidado.

 

Pouso autorizado

Moro a menos de dez quilômetros do Parque Nacional e, mesmo com o surgimento do bairro Jardim Buenos Aires, conservei árvores enormes no quintal. Resultado: tucanos, araras e papagaios fazem fila no “aeroporto” de casa. Em certas épocas, até andorinhas. Gasto rios de água para limpar a calçada, mas quem resiste? Tem até um urutau morando no ipê-roxo — bicho que parece ter sido esculpido para ficar parado. E, outro dia, juro, vi uma ave enorme rondando o quintal, de olho no meu gato gordo. Se for o uiraçu filmado no Parque, espero que ele tenha ido embora desapontado com a dieta felina. Pelo tamanho é mais fácil o gato comê-lo.

 

Uiraçu: a águia de elite

O Parque Nacional do Iguaçu registrou pela primeira vez o uiraçu em vídeo. Raríssimo, ameaçado e discreto, é o tipo de vizinho que você só descobre que existe porque ima câmera flagrou. No flagrante, ele desceu ao solo — cena tão incomum que emocionou biólogos e ornitólogos. Essa ave de rapina precisa de mata densa e intacta, o que prova que o Parque continua sendo um condomínio cinco estrelas para a fauna. Entre nós, fico imaginando a conversa: “O que é bom aqui?” “Ah, o silêncio, a vista das Cataratas… e o cardápio variado de roedores”.

 

Pasini Cidadão Honorário

Encerramos esta coluna com uma homenagem mais que merecida: o professor universitário, escritor e auditor Adilson Pasini será agraciado com o título de Cidadão Honorário de Foz do Iguaçu. Responsável, atento, ético e incansável, Pasini é daqueles profissionais que marcam a trajetória de quem tem a sorte de trabalhar ao seu lado. Fui seu colega na Fundação Cultural, onde foi, muitas vezes, meus dois braços para decisões difíceis e projetos desafiadores. A honraria que receberá não é apenas um reconhecimento formal, mas um abraço simbólico de toda a comunidade acadêmica, política, social, e dos amigos que sabem da sua contribuição para esta cidade. Gente assim dignifica o título que recebe.

Rogério Bonato escreve regularmente para o Almanaque Futuro