Por Que Gosto Tanto de Queijo

* Paulino Motter

“Você pode mudar inúmeras vezes de país e de cidade, mas vai habitar sempre apenas um lugar: a infância.”
— Proibido a Cães e Italianos (2022), do diretor Alain Ughetto

A memória é uma iguaria curiosa. Gruda em certos sabores e se entranha nas dobras do tempo, ali, no canto mais escondido da infância. É assim que me pego pensando em queijo. Não qualquer queijo, mas aquele que vinha da roça, no então distrito de Cafelândia, no Oeste do Paraná, onde a vida se desenrolava no compasso da natureza e de nossas próprias mãos. Era simples, mas se aninhava de um jeito peculiar no coração — uma simplicidade que, entre tanto, nos dava tudo o que precisávamos.

Naqueles dias, o som da manhã não vinha de despertadores, mas dos galos de toda a vizinhança, que, com seu canto sincronizado, formavam uma sinfonia anunciando a alvorada. O primeiro sinal era sempre o canto estridente de algum galo apressado, seguido pelo alvoroço das vacas chamando seus bezerros e pelo cheiro de um novo dia que despertava a casa, onde sete pares de olhos sonolentos, mas acostumados com a rotina, já esperavam pelo que viria.

Minha mãe, antes que o sol se firmasse, já ia à estrebaria, conjugada ao paiol, onde guardávamos as ferramentas indispensáveis para nossa lida diária. Com o balde em uma mão e a firmeza na outra, ela ordenhava as vacas com a destreza de quem carrega o próprio tempo nas mãos. A produção nunca foi farta; éramos uma família modesta, vivendo da subsistência da terra. Mas sempre havia o suficiente para o leite fresco da manhã e para aquele queijo, feito na calma das mãos de minha mãe, que parecia sempre conter um pouco da alma da roça.

Quando eu e meus irmãos levantávamos, o leite já fervia na leiteira, e o ar da cozinha trazia aquele calor que parecia um abraço. O cheiro do leite quente, misturado ao da madeira queimando no fogão a lenha, era o prenúncio de um dia inteiro de vida — simples, mas pleno. Como bons descendentes de italianos, a polenta nunca faltava à mesa. Aquelas sobras da noite anterior, cortadas em fatias grossas, eram tostadas na chapa incandescente do fogão. Com lascas generosas de queijo derretendo por cima, era um banquete para o corpo e para a alma.

Meu pai, por sua vez, cuidava com esmero de um pequeno plantel de suínos, que garantia fartura na dispensa. O salame, feito com mãos habilidosas, amadurecia no paiol e era o orgulho da casa. Para acompanhar, a batata-doce assada no forno, que chegava à mesa ainda fumegante, doce e cremosa, com aquele aroma que se misturava ao dos temperos do campo. Era essa a base de nossa rotina: queijo, polenta, salame e batata-doce assada — uma combinação que se entranhou na nossa história e parece persistir na minha memória como um eco distante.

Esses sabores do campo são, para mim, poderosos gatilhos de memórias afetivas. Mas o tempo, em sua dureza, é inclemente. Com o passar dos anos e das décadas, nos habituamos aos confortos da vida na cidade, e, graças ao mecanismo da memória seletiva, esquecemos a dureza da vida na roça, o peso da enxada, o frio das madrugadas e as mãos calejadas dos meus pais.

Hoje, ao rever essas lembranças, percebo o ranço que ficou. O último leite azedou, o queijo, esquecido, foi devorado pelo tempo e pelo gosto amargo das desilusões que a vida adulta insiste em oferecer. A infância aprazível, essa que costumo relembrar, talvez seja apenas uma memória emoldurada pelo esquecimento, uma imagem borrada onde o que era falta virou afeto e o sabor do queijo ficou impregnado com uma ponta de nostalgia. Os melhores queijos que já provei repousam no cemitério das memórias afetivas da minha infância.

Paulino Motter é jornalista e servidor público federal