Um olhar sobre a natureza, naturalidade, adversidade e arrogância
– Rogério Bonato –
Quem imaginaria, no meio de tudo o que o planeta enfrenta, surgir um líder autocrata, inventando uma guerra para explodir aposentados, mulheres e crianças?
Para começo de assunto, considerar um ex espião da KGB como líder já é muita pretensão, mas isso fica para depois. Esse “tudo” o que a Terra enfrenta não é pouca coisa; trata-se de uma hecatombe provocada, sou seja, consciente. Não faltaram os alertas e a descrença descarada na ciência.
Vejamos: a extinção dos dinossauros foi causada por algo que veio do espaço, um meteoro. Os bichos dos filmes e lojas de brinquedos viveram cerca de 300 milhões de anos na superfície do planeta; no entanto, o homem existe a bem menos que 1% desse tempo, e, em apenas um século de industrialização, conseguiu comprometer os recursos naturais.
Nosso mundo está com os dias contados. É fato. Há falta de água, ocorrem crises climáticas jamais enfrentadas e provavelmente irreversíveis; a Natureza demonstra sua revolta com frequência; além do mais, surgem pragas e vírus medonhos que nos deixam de quatro. A lista das desgraças não para aí, existem as diferenças sociais, o ódio, a homofobia, xenofobia, racismo, fome e mais de 30 guerras em curso.
Passei a infância e adolescência na periferia de São Paulo. Menino de classe média baixa, mas com rádio e televisão em casa. Gostava mesmo era dos livros e eles foram o combustível das viagens na imaginação. No dia do aniversário, das Crianças e Natal, lá vinha a dona Maria Giongo, a avó paterna, com o presentinho. Ficava esperando em cima do registro de água, umas caixas de cimento armado. Fazia ideia do que ela trazia pelo papel de embrulho, com o logotipo de “A. Gazeau”, uma mistura de sebo e casa editorial. Foi lá que me tornei “rato” de livraria até ganhar asas, no final dos anos 70.
Li todos os títulos de Júlio Verne e quando assistia TV, as séries imperdíveis eram Viagem ao Fundo do Mar, Túnel do Tempo e disputava o seletor de canais com o meu pai para ver o Capitão Kirk, seu intrépido parceiro, o Vulcano Dr. Spock, nas aventuras da nave estelar Enterprise. Piamente acreditávamos que no ano 2000 estaríamos “explorando novos mundos, para pesquisar novas vidas, novas civilizações, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve”. Quem cresce assim, em geral, adquire uma natureza pacifista, respeitando a tudo e a todos. Dentre outras, tornei-me um jornalista, roteirista, artista plástico, admirador e amante dos bichos, florestas, oceanos e da vida num sentido amplo. Estar de frente com uma guerra e a imbecilidade, causa dor, constrangimento e sensações incômodas.
Alguém escreveu: “A humanidade só se livrará das diferenças no dia em que houver uma invasão alienígena; todos se unirão para derrotar os extraterrestres”. Ledo engano! Líderes sem escrúpulos tentarão acordos e trairão os aliados; se sujeitarão à escravidão se for o caso, no lugar de lutar pela liberdade e a causa planetária. Discussões assim ocorrerão em todos os lugares, seja em terreno ditatorial, democrático ou até mesmo nas tribos mais isoladas.
Isso é possível concluir, no efeito paralelo causado pela “pandemia”, o que revelou a brutal ignorância humana. Analisando toscamente o comportamento da sociedade, é provável que estejamos mais em busca das cavernas, cada vez mais longe das culturas desenvolvidas, em algum canto do universo.
O homem, afinal, é um animal incompleto, arrogante e em sua notável maioria, irracional. Julgar assim a fauna planetária é a maior de todas as injustiças. A coletividade das colmeias, alcateias, manadas, cardumes, enfim, são bem mais eficientes e em nada causam mal aos semelhantes; esses agrupamentos são simbióticos e se organizam em acordo com o meio ambiente, não destroem, pelo contrário, polemizam, equilibram, garantem a sobrevivência que os humanos avacalham.
“O índio é meio sem jeito, tenta imitar os bichos, e se atrapalha toda a vez que dá de cara com o branco”, avaliou um explorador. Indígenas, em verdade, desenvolveram um instinto aprimorado, um aprendizado com as espécies, na simplicidade de avançar gerações, preservando o que há em volta. E nós, seres supremos, semelhantes aos milhões que deuses que já matamos, o que fizemos e fazemos com os povos primitivos?
Não é de hoje que lido com esse dilema, de compreender ao meu modo, a evolução. No ensaio Obesus Insanus (Geração Editorial/2011), duas análises me levaram a duvidar se há chances de salvação; a primeira foi quando o homem inventou a lança, para vencer a velocidade dos animais e a segunda, a incógnita de voltar no tempo, para corrigir o rumo.
Habitar as savanas, e, escolher entre se alimentar das cascas das árvores ou das caças, provavelmente exigiu um esforço maior que inventar a “máquina do tempo”; ela só existe na ficção.
Os nativos são os descendentes diretos daqueles que optaram pelo cultivo das raízes, conhecendo a terra, os ciclos, respeitando os animais, mesmo convertidos em fontes alimentares. Já, as civilizações que avançaram no emprego do quinto dedo ou no consumo de proteína, foram as que colocaram o sistema em risco. É dramático imaginar que hoje, devemos reconsiderar as opções e as escolhas.
Desfechos como o da Ucrânia causam essa dúvida tormentosa na busca pelo que somos. Não é justo vislumbrar um futuro tão incerto. Em algum lugar até consigo ver um limiar, porque há inconformismo, intolerância, rebeldia contra atos tão violentos; não invadem mais um território como em outras épocas. Se o mundo não se une para interesses maiores, pelo menos reage ao antagonismo, e berra com as deformidades. Afinal, evolução é inteligência, não obtusidade.
Putin é um malcriado, produto de uma deturpação cultural stalinista, um totalitário. Mas ele não é muito diferente de outros líderes mundiais, em especial os que agora condenam Fiódor Dostoiévski, Liev (Leon) Tolstói Alexander Pushkin, Nikolai Leskov, Aleksandr Soljenítsin, pelo fato de serem russos. Imagina? É muita insanidade ao mesmo tempo.
Vou concluir perguntando: como é que deveremos fazer para avançar e simplesmente evoluir, sem tantos entraves e ocorrências bestiais?
Rogério Romano Bonato