Paulino Motter*
Atravessar sete décadas de vida com o entusiasmo e a leveza de quem parece conspirar contra o tempo é privilégio de poucos. Jorge Samek, que celebra 70 anos nesta sexta-feira, 16 de maio, pertence a essa categoria rara de pessoas que atravessam a vida cultivando afetos, lealdades e uma extraordinária capacidade de fazer amigos — e de mantê-los por décadas.
Filho da fronteira, pé vermelho nascido em Foz do Iguaçu, Samek jamais renegou suas origens nem o orgulho de sua gente. Fez da terra não apenas um ofício ou uma memória afetiva da infância, mas um vínculo permanente com o mundo que o formou. Mesmo quando subiu os degraus da política e da gestão pública, jamais deixou de se sentir em casa ao caminhar por feiras agropecuárias, assentamentos, sindicatos rurais ou cooperativas do interior.
Formado técnico agrícola em Palmeira (PR) e engenheiro agrônomo pela UFPR, aos 27 anos tornou-se chefe de gabinete do secretário de Agricultura, Claus Germer, no governo José Richa. Três anos depois, assumiria a Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento de Curitiba, na gestão de Roberto Requião. Em 1988, foi eleito vereador de Curitiba, renovando o mandato nos pleitos de 1992, 1996 e 2000.
Em 2002, Samek elegeu-se deputado federal com mais de 100 mil votos, o quarto mais votado do Estado, mas teve que abrir mão do mandato quando aceitou o convite do presidente Lula para comandar a Itaipu Binacional. Foi diretor-geral brasileiro de janeiro de 2003 a março de 2017, tornando-se o mais longevo na história da empresa.
Em Itaipu, Samek cravou sua marca definitiva, imprimindo um novo modelo de gestão. Não apenas concluiu as duas últimas unidades geradoras da usina, em 2007, como conduziu Itaipu a um ciclo de excelência operacional, modernização institucional, transparência pública, responsabilidade socioambiental e compromisso com o território trinacional.
Sob sua liderança, a usina bateu sucessivos recordes mundiais de geração de energia, culminando com a espetacular marca de 103.098.366 MWh em 2016. O recorde mundial seria superado quatro anos mais tarde pela hidrelétrica chinesa de Três Gargantas, mas o feito de Itaipu, com pouco mais da metade da capacidade instalada, permanece extraordinário.
A excelência operacional alcançada em sua gestão deve-se ao time de craques montado ao longo dos anos na Diretoria Técnica. Mas reflete o estilo dinâmico de liderança imprimido por Samek — que por mais de dois anos acumulou o cargo de diretor-técnico executivo. Liderava sem autoritarismo, com paciência, firmeza e convicção. Dizia com humor: “Não sou doutor, mas mando em uma dúzia deles” — mais para desarmar vaidades do que para impor hierarquia.
Quando assumiu Itaipu, não faltaram críticos que colocaram em dúvida sua capacidade, um engenheiro agrônomo inexperiente no setor, para tocar a maior hidrelétrica do mundo. Com humildade de recém-chegado, Samek adotou um modelo colegiado de decisões e valorizou a experiência dos mais antigos. Ao mesmo tempo, abriu espaço para jovens talentos recrutados nos concursos, oxigenando a gestão técnica e institucional.
Mas mais do que colecionar recordes, Samek transformou Itaipu em uma verdadeira usina de boas ideias e soluções. Instituiu o processo seletivo público como única porta de entrada para novos empregados, rompendo com práticas clientelistas e abrindo a empresa à diversidade de talentos. Foram 965 novos contratados ao longo da sua gestão — uma renovação de quase 70% do quadro de pessoal da margem esquerda.
Samek instituiu o Programa de Integração do Novo Empregado (PINE) e participou pessoalmente de todas as 29 edições realizadas durante sua gestão. Apresentava a empresa aos recém-chegados com um entusiasmo contagiante. Liderou também a implantação de políticas de valorização dos colaboradores, com plano de carreira, progressão meritocrática e ambiente institucional respeitoso e integrador. Abriu espaço para a participação feminina. Durante seus 14 anos, a estratégica Diretoria Financeira Executiva sempre foi comandada por mulheres.
Uma das suas principais realizações foi, indiscutivelmente, a criação do Parque Tecnológico Itaipu (PTI), projeto pioneiro que reaproveitou os alojamentos dos barrageiros para sediar universidades, centros de pesquisa e startups. Essa iniciativa serviria como catalisador para que, em poucos anos, Foz do Iguaçu e região atraíssem um conjunto de instituições públicas de ensino (UAB, UNILA, UTFPR e IFPR) e se convertesse em um dinâmico centro de educação superior, pesquisa aplicada, desenvolvimento e inovação tecnológica.
Por influência direta de Samek, Foz do Iguaçu foi escolhida como sede da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), que teve seu funcionamento inicial abrigado nas estruturas do PTI, com apoio financeiro, técnico e institucional da binacional. Itaipu também seria fundamental para a criação do curso de Medicina da UNILA, ao disponibilizar o Hospital Ministro Costa Cavalcanti (hoje Itamed) como hospital universitário.
A produção cultural e artística foi incentivada na cidade e região. O Ecomuseu de Itaipu viveu seus anos dourados sob a gestão Samek, recebendo exposições de nomes consagrados, como Paulo Leminski, Sebastião Salgado e Paulo Bruscky, entre outros, colocando Foz no mapa das grandes mostras nacionais e internacionais.
A relação com os paraguaios, por sua vez, foi marcada por respeito, confiança e espírito de cooperação. Durante sua gestão, o Paraguai teve cinco presidentes e sete diretores-gerais na binacional. Com todos eles, Samek construiu diálogo e pontes. Conquistou o respeito de líderes de todas as tendências e tornou-se, para os paraguaios, o mais confiável e respeitado interlocutor brasileiro na história de Itaipu.
Mesmo fora dos cargos públicos desde 2017, Samek segue atualizadíssimo. Observador arguto da cena nacional e internacional, continua sendo consultado por lideranças de diferentes matizes. No último Show Rural de Cascavel, em fevereiro passado, circulou faceiro pelos estandes. Foi cortejado por lideranças cooperativistas e do agronegócio e até pelo governador Ratinho Jr., que o convidou a subir ao palco. Por onde passou, reafirmou aquilo que é sua marca: um homem de afeto, conversador e orgulhoso das suas raízes. Circula com tamanha leveza que poderia recitar, com sorriso nos lábios, os versos de Mário Quintana: “Eles passarão / eu passarinho.”
Samek sabe rir da vida — e criar situações antológicas. Eu próprio compartilhei muitos momentos que revelam a verve única de Samek. Um deles, em Madri, maio de 2017, logo depois de sua saída de Itaipu. Finalmente, deu-se o direito ao descanso e viajou para a Europa com sua esposa, Maria Olivia. Por coincidência, no fim de semana em que chegou à capital espanhola, Real Madrid e Barcelona se enfrentariam no Santiago Bernabéu. Sem ingressos, o jeito foi recorrer a cambistas, que praticavam preços estratosféricos. Samek decidiu que não perderia a oportunidade de assistir ao clássico. Comprou duas entradas e me convidou. No intervalo do jogo, ele percebeu que a carteira fora furtada no tumulto da entrada. Riu, deu de ombros e disse: “Vale mais a história que o prejuízo.” O visitante Barça venceu por 3 a 2, com gol de Messi nos minutos finais. E a memória daquele jogaço sintetiza sua filosofia: viver com intensidade, rir das adversidades e celebrar os bons momentos.
Nem tudo, porém, foram vitórias e celebrações. Pouco depois daquela viagem memorável, a vida lhe impôs um dos mais duros golpes: a recidiva de câncer enfrentada por sua esposa, Maria Olivia, que causaria sua morte, em março de 2019. Uma perda devastadora para toda a família. E, quando o luto ainda era recente, veio a pandemia da Covid-19, que o atingiu de forma muito agressiva. Venceu a doença. Esta experiência reforçou sua paixão e gratidão pela vida.
Na política, Samek não deixou desafetos, nem muito menos inimigos. Sempre gostou de abrir seus discursos repetindo o mesmo mantra: “A gratidão é a maior virtude do ser humano. A ingratidão é seu pior defeito.” Com essa filosofia de vida, depois de cumprir a missão de compor chapa com o ex-governador Roberto Requião, nas eleições de 2022, retirou-se da cena pública para cuidar de sua extensa família, dedicando especial atenção à sua mãe nonagenária e para desfrutar da companhia de Marisa — com quem reatou uma história de amor da juventude digna de folhetim, depois de um interstício de mais de quatro décadas e meia.
Mesmo fora dos cargos públicos desde 2017, Samek segue atualizadíssimo. Observador arguto da cena nacional e internacional, continua sendo consultado por lideranças de diferentes matizes. No último Show Rural de Cascavel, em fevereiro passado, circulou faceiro pelos estandes. Foi cortejado por lideranças cooperativistas e do agronegócio e até pelo governador Ratinho Jr., que o convidou a subir ao palco. Por onde passou, reafirmou aquilo que é sua marca: um homem de afeto, conversador e orgulhoso das suas raízes. Circula com tamanha leveza que poderia recitar, com sorriso nos lábios, os versos de Mário Quintana: “Eles passarão / eu passarinho.”
Nos encontros recentes com os amigos, que se tornaram mais frequentes, Samek tem se mostrado muito feliz com a vida discreta e leve que vem levando desde que encerrou — definitivamente, assegura — o ciclo na política, agora sem o peso, a pressão e as cobranças inerentes ao ofício. Ao chegar aos 70 anos, Samek segue como referência ética para quem acredita na escolha da política como vocação e ferramenta de transformação social. Um iguaçuense da gema que honra sua terra e sua gente. Sua trajetória é um belo exemplo de coerência, espírito público e altruísmo.
Bravo, Samek! Que a vida siga generosa contigo, como generoso tens sido com todos nós que temos tido, esses anos todos, o privilégio da tua convivência, lealdade e amizade.
* Paulino Motter, jornalista e servidor federal. Foi assistente de Jorge Samek na Diretoria-Geral Brasileira da Itaipu Binacional (2007-2015) e colaborou na implantação da UNILA (2010-2012). A parceria e amizade entre ambos vem desde o início dos anos 1990.