Foz do Iguaçu: um fascinante laboratório de estudos sociais
Por meio de três artigos, o sociólogo e professor Afonso de oliveira identifica as mudanças observadas em seu trabalho de campo de mais de quatro décadas.
A sociedade se transforma frente aos impactos e a academia estuda. Após a Segunda Guerra Mundial, sociólogos e antropólogos se mudaram para a Alemanha arrasada, cidades francesas e italianas, na missão de estudarem a recomposição das sociedades afetadas. Permaneceram por décadas analisando as transformações até publicarem os resultados. Os humanos estudam uns aos outros, como fazem os “brasilianistas” ou os “indigenistas” e, trazendo isso para o tecido social iguaçuense, há um cientista social desenvolvendo um trabalho há décadas, o professor e sociólogo José Afonso Oliveira.
Por meio de três artigos, o professor Afonso faz uma análise de nossa sociedade. Ele define assim, “Quem é hoje o iguaçuenese”:
“A nossa sociedade brasileira é de migrantes externos, de africanos aqui colocados na função de escravos até europeus empobrecidos procedentes de sistemas agrários, oriundos para a expansão da nossa fronteira agrícola.
Enquanto tudo isso ocorria, em Foz do Iguaçu, no início do século passado, mantinha-se uma sociedade de personagens argentinos e paraguaios e em proporções muito significativas. Isso quer dizer que desde os primórdios a presença de culturas e povos diferenciados marca a nossa formação social. Atualmente mantemos, por exemplo, a segunda comunidade árabe do Brasil só superada pela cidade de São Paulo. Mas por aqui, entendendo que seja algo muito natural, convivemos em profunda harmonia com povos de várias e diferentes origens. De uma certa forma, vivemos cada uma dessas culturas e até chegamos a criar um idioma próprio o famoso ‘portunhol’, tão comum em nossa cidade; o árabe é também muito falado e chega a ser comum, igualmente no uso de expressões guaranis.
Essa nova sociedade que em Foz vivemos, apresenta-se como um modelo de futuro, onde as pessoas desenvolverão o convívio com os seus diferentes. Aqui já sabemos, na prática, como viver ‘entendendo que o outro é aquele que é diferente de mim mesmo’.
Com a criação e funcionamento do Mercosul nos aproximamos mais dos nossos vizinhos paraguaios e argentinos, buscando realizar projetos, sonhos e utopias de uma vida bem diferente em busca da felicidade. Cada um de nós tem a sua contribuição e o conjunto é a constituição de uma nova sociedade que deverá evoluir e muito, buscando superar as suas gritantes desigualdades sociais.
Não podemos mais viver ou melhor, conviver com elas, as desigualdades, como se fossem coisas naturais, pois não são da natureza e sim da sociedade e, por conta disso, podem e devem ser alteradas. Temos que criar essas novas alternativas, pois há uma boa base de convivência com os nossos diferentes, pessoas de outras origens, que aqui permanecem. Seremos assim uma nova sociedade, um modelo no mundo agora globalizado, aproximando as pessoas e as culturas. Resumindo, pertencemos a uma grande e boa sociedade em perfeita harmonia consigo mesmo, e com a natureza, da qual fazemos parte.
Em “A Sociedade dos Crachás”, ó sociólogo Afonso de Oliveira, lembra a construção da hidrelétrica e os consórcios, com as pessoas identificadas por crachás. “Daquela forma todos sabiam com quem estavam falando em uma simples troca de ideias. Por outro lado, o uso do crachá era importante na obra, por exemplo, no acesso aos restaurantes; diferenciando os que seriam servidos pelos garçons e quem enfrentaria a fila das bandejas. E assim sabíamos quem habitava a ‘Vila B’, dos engenheiros e administradores, a ‘Vila A’ dos técnicos, ou a ‘C’, destinada aos operários; bairros completamente distintos quando olhávamos para a cidade, num todo. “Mas independentemente dessa questão a cidade cresceu atraindo pessoas de todas as partes do Brasil, do Paraguai e da Argentina.
Na linha de uma trilogia de pensamento, Afonso define “Uma nova cidade”: “com a construção da hidroelétrica de Itaipu e a criação de uma sociedade dos crachás, como observamos antes, lembrando a posição hierárquica entre os trabalhadores, é possível acompanhar o surgimento de aglomerados de moradores na cidade, como no chamado Rincão São Francisco, originado por trabalhadores sem acesso às moradias no canteiro de obras. Somente alguns anos depois é que a Prefeitura de Foz do Iguaçu vai regularizar todo essa região, originando o atual bairro.
Mas há uma outra questão, Itaipu se tornou um catalizador para a chegada de pessoas de todas as partes do Brasil, também do Paraguai e em menor quantidade da Argentina, outros países latino-americanos e por fim, até que europeus destacados por suas empresas, fornecedoras de tecnologia. Muitos inclusive permaneceram. Isso causou um assentamento em todo o perímetro periférico da cidade. É quando o poder público começa a ofertar os conjuntos habitacionais da Cohapar e Vila Militar. Surge também o Proliburb destinado a moradores de baixa renda, projetado e executado pelo Município. Evidente que por trás de tudo isso está muito presente a figura do especulador imobiliário, tornando as áreas urbanas mais valorizadas, com um dos metros quadrados mais caros do país. Pode-se afirmar, que esse fator impulsionou o que hoje são os condomínios fechados, destinados a pessoas de altas rendas, desfrutando os acessórios de lazer e segurança destinados ao uso de seus moradores; comunidades fechadas, indistintas.
Há o aspecto da verticalização com edifícios de todos os padrões, com um aspecto diferente do horizonte nos anos 70 e 80 (foto). É essa estratificação social que está presente e que estamos inseridos, cuja tendência é sempre o crescimento, ao lado de uma situação trágica, as favelas, ocupações em áreas verdes e margens de rios e arroios”.